Peçam a um economista escolhido
ao acaso que vos indique um exemplo de sucesso entre os países da zona euro.
Com grande probabilidade falará da Irlanda, cujo PIB é hoje quase o dobro do
que era antes da crise (o português é quase igual). A seguir perguntem-lhe
sobre os motivos desse sucesso. Dirá, com certeza, que os irlandeses aceitaram
fazer as reformas estruturais necessárias para dar a volta à crise, aceitando
cortes drásticos nos salários e mantendo os impostos sobre as empresas a níveis
mínimos. Uma história de sucesso, portanto. Isto é, mais ou menos.
Ricardo Paes Mamede | Diário de
Notícias | opinião
É expectável que o bom desempenho
das economias beneficie quem governa. Não é isso que tem acontecido na Irlanda.
Nas últimas eleições legislativas antes da crise, em 2007, o Fianna Fáil e o
Fine Gael, os dois partidos que governaram o país nos últimos cem anos, somaram
68,9% dos votos. No passado dia 8 de Fevereiro ambos tiveram menos votos que o
Sinn Féin (uma formação de esquerda, que não participa num governo desde há um
século) e juntos não foram além de 43,1%.
Com tanta conversa sobre o Brexit e o futuro da fronteira entre as duas Irlandas,
é fácil acreditar que o resultado das eleições se explica por factores
políticos circunstanciais. Mas não é o caso. Diz quem acompanhou de perto a campanha que o Sinn
Féin deve o seu sucesso mais a uma impaciência dos eleitores jovens em relação
às questões económicas e sociais (baixo crescimento dos salários, preços da
habitação, desigualdades de rendimento e de riqueza, etc.) do que a um
ressurgimento do velho republicanismo irlandês.
O caso da Irlanda chama mais uma
vez a atenção para um facto que muitos economistas insistem em ignorar: as
opções económicas dos governos têm quase sempre consequências políticas. Há
economistas que julgam que este não é um problema seu - que à "ciência
sombria" cabe apenas analisar as condições para uma afectação eficiente
dos recursos, sendo função dos políticos levar em consideração outro tipo de
objectivos. Mas não é só a economia que é um problema político - também a
política pode ser um problema económico.
Medidas que parecem justificáveis
com base numa análise económica de custos e benefícios directos podem ter
consequências políticas que afectam a eficiência económica futura. Seja pela
instabilidade social que geram (a qual desincentiva o investimento privado),
pelo reforço da posição dominante de certos grupos em sectores específicos (que
retira eficiência ao funcionamento dos mercados), pelo aumento das
desigualdades na distribuição de rendimentos (que afecta os níveis de procura
agregada e de endividamento privado), ou por outros resultados que originam, as
decisões económicas têm consequências políticas que retroagem no desempenho
económico.
A preocupação com as
consequências políticas das decisões económicas é hoje comum entre aqueles que
estudam o desenvolvimento dos países. Por exemplo, Daron
Acemoglu e James Robinson apresentam uma lista extensa de decisões que
foram recomendadas pelos economistas ao longo dos tempos e cujas consequências
políticas prejudicaram o desempenho económico dos países que as adoptaram. Os
exemplos incluem: a redução do poder dos sindicatos, que conduziu ao reforço da
posição dominante de grandes empregadores em vários países; a rápida
privatização de empresas públicas, que deu origem a uma classe de oligarcas com
poder para determinar a má regulação dos mercados em que actuam (no leste
europeu e não só); a liberalização de preços e de taxas de câmbio, que
frequentemente se traduziu numa degradação drástica do poder de compra das
populações, resultando em instabilidade social e política prolongada (em vários
países africanos e não só); entre outros.
As conclusões de Acemoglu e Robinson
são claras: reformas económicas que são implementadas sem ter em conta as suas
consequências políticas, em vez de promoverem a eficiência económica, podem
reduzi-la significativamente.
Por estas e outras razões, os
economistas deveriam ter uma sólida formação em ciência política (e noutras
ciências sociais, incluindo a história), da mesma forma que os cientistas
políticos precisam de saber de economia (já que boa parte da luta pelo poder se
faz pelo acesso a recursos materiais). Já foi assim no passado. Talvez um dia
volte a ser.
*Economista e Professor no ISCTE
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