sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Qual o papel do Ocidente para a segurança global?


Conferência de Segurança de Munique deve abordar estratégias de defesa dos EUA e da UE diante de desafios como as tensões entre Washington e Teerã, o plano de paz de Trump para o Oriente Médio e a ascensão do populismo.

Os Estados Unidos fariam uso da força para defender aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan)? Os países da União Europeia (UE) deveriam manter uma cooperação mais estreita no campo da defesa? Questões como esta deverão estar entre as mais debatidas na Conferência de Segurança de Munique deste ano, que começa nesta sexta-feira (14/02) e vai até domingo.

A reunião anual contará com a presença de chefes de Estado e de governo, como o francês Emmanuel Macron e o canadense Justin Trudeau, ministros do Exterior (a exemplo do americano Mike Pompeo) e da Defesa de mais de 40 países e representantes de organizações econômicas e internacionais. Além de Pompeo, a presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, Nancy Pelosi, também participará do encontro. E o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, está entre os líderes empresariais que devem marcar presença.

Os autores do Relatório de Segurança de Munique – documento que deve ditar o tom do encontro – destacam o que chamam de westlessness ("sem ocidentalização"). Em outras palavras, trata-se da ideia de que os próprios países do Ocidente, assim como o resto do mundo, têm dúvidas sobre seus valores e suas estratégias futuras.

Enquanto alguns veem o Ocidente sob ameaça de um chamado "internacionalismo liberal", para outros "são precisamente a ascensão do iliberalismo e a volta do nacionalismo que colocam o Ocidente em risco", diz o relatório.

Ainda uma definição em debate, o iliberalismo em geral é conhecido como um conceito de democracia no qual governos jogam o jogo segundo as regras de suas Constituições e instituições. Ao mesmo tempo, no entanto, o fazem com caráter mais populista e nacionalista e acabam enfraquecendo a separação de poderes, liberdades individuais, defesa de minorias, imprensa e integração internacional.

Os autores do relatório sugerem que "a relutância do Ocidente de se envolver em conflitos violentos internacionais não significa que esses conflitos desapareçam". Pelo contrário, podem se tornar mais violentos, acreditam.

Um exemplo é a sinalização do presidente americano, Donald Trump, de que quer retirar tropas americanas do Afeganistão, assim como fez na Síria. Por outro lado, o número global de tropas americanas fora dos EUA vem aumentando, especialmente para combater a suposta ameaça oriunda do Irã.

O assassinato, em janeiro, do general iraniano Qassim Soleimani é apenas a mais recente prova da disposição de Trump de arriscar um confronto militar para carimbar sua marca no Oriente Médio. A resposta iraniana foi limitada, mas em Munique continuarão as buscas por uma forma de abrandar as tensões no Golfo Pérsico.

A conferência em Munique costuma ser um dos melhores palcos para avaliar a direção das ideias americanas para a política externa, por reunir tomadores de decisão de alto nível. O encontro deste ano também será uma oportunidade para testar as reações internacionais ao novo plano americano de paz para o Oriente Médio anunciado por Trump.


Desafios europeus

Este ano, porém, pode ser que os desafios da Europa sejam o ponto a atrair mais atenção em Munique. A ascensão do populismo nacionalista em vários países europeus fazem alguns especialistas preverem que a UE se volte para si mesma e não se comprometa tanto com o resto do mundo.

Painéis de discussão lidarão com a questão de como o bloco pode ser mais eficiente, especialmente no âmbito da cooperação no setor de defesa. A urgência em lidar com o desafio da imigração só aumentou com os conflitos na Síria e na Líbia, enquanto o grande vizinho da Europa, a Rússia, continua causando instabilidade.

Muitos europeus gostariam de ver a Europa como um player global, autónomo e mais desvinculado da linha de raciocínio dos Estados Unidos. Se os EUA tendem a adotar uma postura mais passiva ou mesmo sair do Oriente Médio – ao mesmo tempo em que Rússia e Turquia tentam aumentar sua influência em locais como Síria e Líbia – pode ser esse o momento de a Europa iniciar uma abordagem mais focada em seus próprios interesses na região, tanto estratégicos quanto económicos.

Com a saída do Reino Unido da União Europeia e questionamentos ocasionais sobre o artigo 5º da Otan, que dispõe sobre a defesa coletiva, a coordenação das respostas e contingentes militares da UE será mais importante do que nunca.

No texto do Relatório da Conferência de Munique, os autores dizem que "a Otan e a UE estão lutando". "Para ambas, a ascensão do iliberalismo nos respectivos Estados-membros representa enormes desafios."

Diante desse dado, fica a questão se os países-membros da UE encontrarão políticas em comum para a defesa, a imigração e a política externa. As nações dos Bálcãs terão forte representação em Munique, o que deverá causar discussões quentes sobre perspectivas do alargamento do bloco – e não será a primeira vez.

Mudanças na geometria de poder

A Rússia é fonte constante de ansiedade para estrategistas europeus. A UE se divide entre seu impulso de manter o diálogo – e relações económicas – com um vizinho do porte de Moscou e sua desconfiança em relação aos objetivos estratégicos do país.

Enquanto alguns até esperam que o presidente russo, Vladimir Putin, seja convidado à cúpula do G7 nos EUA este ano, outros pensam que o foco deveria se direcionar mais à China, que às vezes também se indispõe com a Rússia.

As mudanças na geometria de poder global deverão marcar vários encontros no hotel Bayerischer Hof em Munique, onde a conferência será realizada. Em 2019, o presidente chinês, Xi Jinping, sinalizou que a China estava disposta a rechaçar o que interpreta como interferência externa em seu "quintal" – os mares da China Oriental e do Sul da China.

Atualmente, o país também trava uma disputa comercial com os Estados Unidos e luta contra o surto de coronavírus que levou vários países a impor restrições de viagem.

Acrescenta-se a isso a batalha incessante sobre quão próximas deveriam ser as relações entre Pequim e Hong Kong, além das preocupações do Ocidente com a empresa chinesa de telecomunicações Huawei.

Outro foco na Ásia é a Península Coreana. Em 2019, numa tentativa de alterar o curso da Coreia do Norte no âmbito das armas nucleares, Trump protagonizou dois encontros cara a cara com o líder norte-coreano, Kim Jong-un. Trump tentou uma aproximação pessoal, que chegou a ser criticada como "diplomacia de reality show".

Este ano, o clima está menos amigável. A Coreia do Norte disse que já não está vinculada a compromissos de não realizar mais testes nucleares e de mísseis – e, de fato, Pyongyang agora possui um míssil balístico intercontinental capaz de atingir os Estados Unidos.

O regime da Coreia do Norte acusa os EUA de não se mostrarem flexíveis nas discussões sobre armas nucleares e de impor sanções "brutais e desumanas". Atualmente, Pyongyang alerta para um tortuoso caminho futuro – assunto que também deverá ser discutido em Munique, onde são aguardas figura de alto escalão da Coreia do Norte e do Sul.

A Conferência de Segurança de Munique deste ano será, segundo o relatório prévio, uma "oportunidade ideal para medir a temperatura não só do estado da paz e da segurança internacionais em geral, mas do Ocidente em particular".

Deutsche Welle

Na imagem: Emmanuel Macron (esq.), Nancy Pelosi e Mark Zuckerberg participarão do encontro anual em Munique

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