Conferência de Segurança de
Munique deve abordar estratégias de defesa dos EUA e da UE diante de desafios
como as tensões entre Washington e Teerã, o plano de paz de Trump para o
Oriente Médio e a ascensão do populismo.
Os Estados Unidos fariam uso da
força para defender aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte
(Otan)? Os países da União Europeia (UE) deveriam manter uma cooperação mais
estreita no campo da defesa? Questões como esta deverão estar entre as mais
debatidas na Conferência de Segurança de Munique deste ano, que começa
nesta sexta-feira (14/02) e vai até domingo.
A reunião anual contará com a
presença de chefes de Estado e de governo, como o francês Emmanuel Macron
e o canadense Justin Trudeau, ministros do Exterior (a exemplo do americano
Mike Pompeo) e da Defesa de mais de 40 países e representantes de
organizações econômicas e internacionais. Além de Pompeo, a presidente da
Câmara dos Representantes dos EUA, Nancy Pelosi, também participará do encontro.
E o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, está entre os líderes
empresariais que devem marcar presença.
Os autores do Relatório de
Segurança de Munique – documento que deve ditar o tom do encontro – destacam o
que chamam de westlessness ("sem ocidentalização"). Em
outras palavras, trata-se da ideia de que os próprios países do Ocidente, assim
como o resto do mundo, têm dúvidas sobre seus valores e suas estratégias
futuras.
Enquanto alguns veem o Ocidente
sob ameaça de um chamado "internacionalismo liberal", para outros
"são precisamente a ascensão do iliberalismo e a volta do nacionalismo que
colocam o Ocidente em risco", diz o relatório.
Ainda uma definição em debate, o
iliberalismo em geral é conhecido como um conceito de democracia no qual
governos jogam o jogo segundo as regras de suas Constituições e instituições.
Ao mesmo tempo, no entanto, o fazem com caráter mais populista e nacionalista e
acabam enfraquecendo a separação de poderes, liberdades individuais, defesa de
minorias, imprensa e integração internacional.
Os autores do relatório sugerem
que "a relutância do Ocidente de se envolver em conflitos violentos
internacionais não significa que esses conflitos desapareçam". Pelo
contrário, podem se tornar mais violentos, acreditam.
Um exemplo é a sinalização do
presidente americano, Donald Trump, de que quer retirar tropas americanas do
Afeganistão, assim como fez na Síria. Por outro lado, o número global de tropas
americanas fora dos EUA vem aumentando, especialmente para combater a suposta
ameaça oriunda do Irã.
O assassinato, em janeiro, do
general iraniano Qassim
Soleimani é apenas a mais recente prova da disposição de Trump de
arriscar um confronto militar para carimbar sua marca no Oriente Médio. A resposta
iraniana foi limitada, mas em Munique continuarão as buscas por uma
forma de abrandar as tensões no Golfo Pérsico.
A conferência em Munique costuma
ser um dos melhores palcos para avaliar a direção das ideias americanas para a
política externa, por reunir tomadores de decisão de alto nível. O encontro
deste ano também será uma oportunidade para testar as reações internacionais ao
novo plano
americano de paz para o Oriente Médio anunciado por Trump.
Desafios europeus
Este ano, porém, pode ser
que os desafios da Europa sejam o ponto a atrair mais atenção em Munique.
A ascensão do populismo nacionalista em vários países europeus fazem alguns
especialistas preverem que a UE se volte para si mesma e não se comprometa
tanto com o resto do mundo.
Painéis de discussão lidarão com
a questão de como o bloco pode ser mais eficiente, especialmente no âmbito da
cooperação no setor de defesa. A urgência em lidar com o desafio da imigração
só aumentou com os conflitos na Síria e na Líbia, enquanto o grande vizinho da
Europa, a Rússia, continua causando instabilidade.
Muitos europeus gostariam de ver
a Europa como um player global, autónomo e mais desvinculado da
linha de raciocínio dos Estados Unidos. Se os EUA tendem a adotar uma postura
mais passiva ou mesmo sair do Oriente Médio – ao mesmo tempo em que Rússia e
Turquia tentam aumentar sua influência em locais como Síria e Líbia – pode ser
esse o momento de a Europa iniciar uma abordagem mais focada em seus próprios
interesses na região, tanto estratégicos quanto económicos.
Com a saída do Reino Unido da
União Europeia e questionamentos ocasionais sobre o artigo 5º da Otan, que
dispõe sobre a defesa coletiva, a coordenação das respostas e contingentes
militares da UE será mais importante do que nunca.
No texto do Relatório da
Conferência de Munique, os autores dizem que "a Otan e a UE estão
lutando". "Para ambas, a ascensão do iliberalismo nos respectivos
Estados-membros representa enormes desafios."
Diante desse dado, fica a questão
se os países-membros da UE encontrarão políticas em comum para a defesa, a
imigração e a política externa. As nações dos Bálcãs terão forte representação
em Munique, o que deverá causar discussões quentes sobre perspectivas do
alargamento do bloco – e não será a primeira vez.
Mudanças na geometria de poder
A Rússia é fonte constante de
ansiedade para estrategistas europeus. A UE se divide entre seu impulso de
manter o diálogo – e relações económicas – com um vizinho do porte de Moscou e
sua desconfiança em relação aos objetivos estratégicos do país.
Enquanto alguns até esperam que o
presidente russo, Vladimir Putin, seja convidado à cúpula do G7 nos EUA este
ano, outros pensam que o foco deveria se direcionar mais à China, que às vezes
também se indispõe com a Rússia.
As mudanças na geometria de poder
global deverão marcar vários encontros no hotel Bayerischer Hof em
Munique, onde a conferência será realizada. Em 2019, o presidente chinês,
Xi Jinping, sinalizou que a China estava disposta a rechaçar o que interpreta
como interferência externa em seu "quintal" – os mares da China
Oriental e do Sul da China.
Atualmente, o país também trava
uma disputa comercial com os Estados Unidos e luta contra o surto
de coronavírus que levou vários países a impor restrições de viagem.
Acrescenta-se a isso a batalha
incessante sobre quão próximas deveriam ser as relações entre Pequim e Hong
Kong, além das preocupações do Ocidente com a empresa chinesa de
telecomunicações Huawei.
Outro foco na Ásia é
a Península Coreana. Em 2019, numa tentativa de alterar o curso da Coreia
do Norte no âmbito das armas nucleares, Trump protagonizou dois encontros cara
a cara com o líder norte-coreano, Kim Jong-un. Trump tentou uma aproximação
pessoal, que chegou a ser criticada como "diplomacia de reality
show".
Este ano, o clima está menos
amigável. A Coreia do Norte disse que já não está vinculada a compromissos
de não realizar mais testes nucleares e de mísseis – e, de fato, Pyongyang
agora possui um míssil balístico intercontinental capaz de atingir os Estados
Unidos.
O regime da Coreia do Norte acusa
os EUA de não se mostrarem flexíveis nas discussões sobre armas
nucleares e de impor sanções "brutais e desumanas". Atualmente,
Pyongyang alerta para um tortuoso caminho futuro – assunto que também deverá
ser discutido em Munique, onde são aguardas figura de alto escalão da Coreia do
Norte e do Sul.
A Conferência de Segurança de
Munique deste ano será, segundo o relatório prévio, uma "oportunidade
ideal para medir a temperatura não só do estado da paz e da segurança
internacionais em geral, mas do Ocidente em particular".
Deutsche Welle
Na imagem: Emmanuel Macron
(esq.), Nancy Pelosi e Mark Zuckerberg participarão do encontro anual em
Munique
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