sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Um terramoto sacode a política alemã


Atual crise entre conservadores alemães abala também sistema partidário e política do país. Claro até agora é o fim do poder de Angela Merkel sobre sua legenda, opina Christoph Strack.

anúncio da presidente da União Democrata Cristã (CDU), Annegret Kramp-Karrenbauer, de que renunciará ao cargo e que abdicará de uma candidatura ao posto de chanceler federal da Alemanha atinge o partido num momento de insegurança e, em certos aspectos, desorientado. Mas o abalo tem alcance mais amplo. 

A CDU se encontra aos tropeços. A outra legenda que até agora gozava a definição de Volkspartei (partido do povo), o Partido Social-Democrata (SPD), cambaleia há mais tempo e procura ficar de pé, além de sua direção e sua essência. Assim como a antiga líder dos social-democratas Andrea Nahles deixou a liderança da agremiação em meados de 2019 após pouco mais de 13 meses à frente do mais antigo partido alemão, Kramp-Karrenbauer agora anuncia sua retirada – após apenas 14 meses no cargo. 

E agora? Nomes, nomes, nomes, especulação e boatos. Porém, na questão sobre a futura liderança e da candidatura ao cargo executivo mais alto do país, trata-se de mais. A legenda precisa esclarecer sua concepção de si mesmo e sua unidade. Faz tempo que a CDU não aparenta mais ser um partido unido, como mostrou na Turíngia e a nível federal, na internet e no trabalho quotidiano, sua cooperação e cada vez maior concorrência. Faz 11 semanas que, durante o congresso do partido em Leipzig, os presentes aplaudiram Kramp-Karrenbauer depois que ela desafiou a plateia após críticas reiteradas. 


A Alemanha está diante de um ano de decisão. Não será decidida apenas a questão se a CDU continuará – ou quer continuar sendo – um "partido do povo" e legenda governista a médio prazo. Não, o que está em jogo é o parlamentarismo tradicional na Alemanha, o significado dos partidos, da disciplina partidária e da liberdade de consciência dos parlamentares. E está em debate, sobretudo, a questão de se e como os partidos menores querem enfrentar as forças populistas e as ondas extremistas.

Kramp-Karrenbauer justificou sua decisão com a presença de "forças centrífugas fortes" na sociedade, para as quais é necessária uma CDU forte sob liderança unificada. Em última instância, trata-se do futuro da democracia na Alemanha. Quase 71 anos após sua fundação, a República Federal da Alemanha está diante de uma prova de fogo, talvez até diante do fim de seu sistema partidário atual. Os outros campos, incluindo os fortes Verdes, não assumem – ou ainda não assumiram – esse papel dos partidos populares.

No final de janeiro, o presidente alemão Frank-Walter Steinmeier falou durante cerimonia em memória às vítimas do nazismo no Bundestag (Câmara Baixa do Parlamento alemão). Na ocasião, expressou palavras sombrias sobre a nova direita, os "antigos demónios", os "maus espíritos do passado" que, atualmente, se mostram "em nova roupagem". "Temo que não estávamos suficientemente preparados para isso – mas é exatamente aí que o nosso tempo nos põe à prova. E temos que passar nesse teste", disse o presidente. Ele não falou num único partido. Steinmeier alertou a política e a sociedade como um todo. 

A crescente instabilidade causada pelo anúncio de retirada de Kramp-Karrenbauer e pela luta por um curso do partido atinge a Alemanha toda – e isso em tempos nos quais, paralelamente, a evolução económica está mais insegura e brotam as rupturas político-sociais.

São tempos em que a política mundial, por meio do presidente americano Donald Trump e outros líderes populistas, parece instável como nunca, pelo menos após a queda do Muro. Tempos em que o pós-Brexit avança para a Europa e a Alemanha assumirá a presidência rotativa da União Europeia. A Alemanha está sendo desafiada internacionalmente como nunca, e internamente insegura como há muito não se via.

Já se falou frequentemente sobre o fim próximo da era da chanceler federal Angela Merkel. Os rumores começaram ainda antes de sua saída da chefia da CDU no final de outubro de 2018 e da eleição, seis semanas depois, de Kramp-Karrenbauer como sua sucessora. Eles não pararam desde então.

Agora, em meio ao furacão político desta segunda-feira literalmente tempestuosa, esses burburinhos se tornaram realmente audíveis: Merkel continua sendo chanceler federal e politicamente soberana, mas só é uma chanceler às ordens. Seu poder dentro do partido e, assim, seu mandato estão chegando ao fim. E ela não tem mais o poder sobre uma transição controlada. Uma chanceler às ordens e uma chefe da CDU às ordens – ambos não são garantia para estabilidade política neste ano.

Após quase todos os terremotos, seguem-se tremores secundários. Muito além da questão sobre a liderança da CDU, a política alemã será marcada por inquietações. Inquietações e tensão. E a Alemanha ainda precisa passar nessa prova. 

Christoph Strack (rk) | Deutsche Welle | opinião

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