sábado, 21 de março de 2020

DIÁRIO DA INCERTEZA


José Gameiro | Expresso | opinião

Se é verdade que vivemos num mundo cada vez mais volátil, nunca, na minha geração, vivemos um período de tanta incerteza.

Sempre fomos diferentes na forma de gerir o incerto. Uns conviviam bem com isto, até gostavam, outros planeavam a vida e sentiam-se inseguros, se não soubessem o que iria ser o dia de amanhã. Mas não nos podemos esquecer os que, sem o quererem, sempre viveram na incerteza económica e na precariedade.

Desta vez a incerteza é bem mais grave. Apesar das estatísticas, não conseguimos deixar de pensar que podemos morrer ou perder os nossos familiares mais velhos.

Alguns ficaram surpreendidos com a reação, em geral, calma dos portugueses, perante uma ameaça que é sentida como terrível. Mais tarde a sociologia poderá explicar esta aparente e paradoxal resposta, mas há uma explicação que pode já ser dada. Perante um inimigo comum as pessoas unem-se, ajudam-se, conseguem fazer humor e, muito importante, confiam nas autoridades.

Mas a incerteza também atinge quem é responsável. A própria Ministra da Saúde – temos a sorte de ter uma Ministra cheia de energia e muito empática -o reconheceu e bem. Cito uma frase, inúmeras vezes dita, “no estado actual do conhecimento o que se deve fazer é isto”.


Tivémos a “felicidade” de termos sido atingidos, depois de já haver algum conhecimento da epidemia e termos visto os resultados negativos, dos atrasos com que as medidas mais radicais, foram implementadas noutros países ocidentais. Por razões politicas e também opiniões divergentes dos meus colegas infeciologistas e epidemiologistas penso que nos atrasámos uns dias nas medidas que foram tomadas.

As repercussões económicas vão ser terríveis, mas mais uma vez e sempre, de forma desigual. Vão ser os mais pobres, sem almofadas financeiras, a sofrer na pele uma crise prolongada, sem dó nem piedade. Vai haver muito oportunismo, faltas de pagamento com a desculpa da crise, despedimentos em empresas que podem ter prejuízo, mas de quem, nem os sócios, nem os acionistas prescindem do seu bem estar económico. Vamos assistir aos bancos pedirem ajudas, justificáveis e injustificáveis.

Mas nesta fase o mais importante é a conduta de cada um de nós. Proteger-se e proteger os outros, saber bem distinguir quarentena e isolamento social. Não entrar em radicalismos higienistas. Tenho sido criticado porque disse nas televisões que, quem está bem, pode fazer marcha ou corrida na rua, longe dos outros. Mantenho tudo o que disse, as próprias medidas do Governo assim o dizem. Acrescento que, mesmo para os mais velhos, que sejam saudáveis, um passeio é muito importante, para a saúde mental e para não correrem o risco das atrofias musculares.

Mesmo numa crise destas haverá sempre vozes que criticam tudo e todos.

Alguns encontraram uma “brecha” para criticar o PR, foi uma oportunidade de criticar alguém que tem uma enorme popularidade. Dou-lhe inteira razão na atitude de isolamento que decidiu. Só ele e mais ninguém teve a capacidade e o conhecimento de avaliar os contactos suspeitos que teve. E decidiu em conformidade. Alguns comentadores não têm a noção do ridículo quando o criticam por nos ter falado por Skype de má qualidade.

Vamos esperar pelos números dos próximos dias.

Deixo um conselho, se me é permitido. A equipa da saúde pode e deve ouvir os técnicos, mas não pode ser seguidista.

Sigam alguns exemplos da aviação. Alguns acidentes podiam ter sido evitados se os pilotos não tivessem seguido à risca todos os procedimentos. Por vezes é preciso arriscar e fazer diferente....

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