quarta-feira, 18 de março de 2020

O mundo após a pandemia


Os Presidentes Xi e Diaz-Canel em Novembro de 2018. Cuba instalou o laboratório de ChangHeber em Jilin que produz um dos medicamentos utilizados com êxito contra o Covid-19. Os dois «ditadores comunistas» conseguiram proteger melhor os seus concidadãos que os «democratas liberais».

Thierry Meyssan*

As reacções políticas à pandemia de Covid-19 deixam ver espantosas fraquezas das democracias ocidentais : preconceitos e ignorância. Pelo contrário, a China e Cuba aparecem como mais capazes de enfrentar o futuro.

O brusco encerramento generalizado das fronteiras e, em inúmeros países, de escolas, universidades, empresas e serviços públicos, assim como a interdição de ajuntamentos, modificam profundamente as sociedades. Em poucos meses, não voltarão a ser mais o que foram antes da pandemia.

Antes de mais, esta realidade modifica a nossa concepção da Liberdade; um conceito em volta do qual os Estados Unidos se ergueram. Segundo a sua interpretação —que são os únicos a defender— esta não teria limites. Todos os outros Estados do mundo admitem, pelo contrário, que não há Liberdade sem Responsabilidade; por consequência, eles afirmam que não se pode exercer a liberdade sem para tal definir os limites. Hoje em dia, a cultura dos EUA exerce uma influência determinante um pouco por todo o mundo. Ela acaba de ser contradita pela pandemia.

Fim da sociedade totalmente aberta

Para o filósofo Karl Popper, a liberdade numa sociedade mede-se pela sua abertura. Escusado será dizer que a livre circulação de pessoas, bens e capitais é a marca da modernidade. Essa maneira de ver prevaleceu durante a crise dos refugiados de 2015. É claro, sublinharam alguns desde há bastante tempo, que este discurso permite aos especuladores como George Soros explorar os trabalhadores nos países mais pobres. Ele prega o desaparecimento das fronteiras e, portanto, dos Estados, agora mesmo em direcção a um governo supranacional global futuro.

A luta contra a pandemia lembrou-nos de repente que os Estados existem para proteger os seus cidadãos. No mundo pós-Covid19, as «ONG sem fronteiras» deveriam, pois, progressivamente desaparecer e os partidários do liberalismo político deveriam lembrar-se que sem Estado «o homem é apenas o lobo do homem», segundo a fórmula de Thomas Hobbes. Seguir-se-á, por exemplo, que o Tribunal Penal Internacional aparecerá como um absurdo face ao Direito Internacional.

A reviravolta de 180 graus do Presidente Emmanuel Macron ilustra esta tomada de consciência. Há pouco tempo ainda, ele denunciava a «lepra nacionalista» que associava aos «horrores do populismo»; hoje em dia ele glorifica a Nação, única estrutura legítima de mobilização colectiva.


O Interesse Geral

A noção de Interesse Geral, que a cultura anglo-saxónica contesta desde a experiência traumática de Oliver Cromwell, é indispensável para nos protegermos de uma pandemia.

No Reino Unido, o Primeiro-Ministro Boris Johnson, tem dificuldade em decretar medidas coercivas por imperativo sanitário, visto o seu povo só admitir esta forma de autoridade em caso de guerra. Nos Estados Unidos, o Presidente Federal, Donald Trump, não tem poder para decretar a quarentena da população no conjunto do seu território, sendo esta questão da estrita competência dos Estados Federados. Ele é forçado a torcer os textos, entre as quais a famosa Stafford Disaster Relief and Emergency Assistance Act («A Lei Stafford de Assistência em Emergências e Alívio de Desastres-ndT»).

Fim da liberdade infinita do empresariado

No plano económico, não será possível continuar a seguir a teoria de Adam Smith «laissez-faire, laissez-aller» depois de se ter fechado compulsivamente todo o tipo de empresas, de restaurantes a estádios de futebol. Teremos que admitir limites à sacrossanta livre empresa.

A luta contra a pandemia lembrou-nos que o Interesse Geral pode justificar o questionar de qualquer actividade humana, seja ela qual for.

Disfunções

Por ocasião desta crise, percebemos igualmente as disfunções das nossas sociedades. Por exemplo, o mundo inteiro está consciente que a pandemia foi vivida primeiro na China, mas que este país a controlou e que levantou as medidas coercivas que havia tomado no início. No entanto, raros são os que sabem como os Chineses venceram o Covid-19.

A imprensa internacional ignorou os agradecimentos do Presidente Xi Jinping ao seu homologo cubano, Miguel Díaz-Canel, em 28 de Fevereiro passado. Ela não referiu, pois, o papel do Interferon Alfa 2B (IFNrec). Ele evocou, pelo contrário, o uso do fosfato de cloroquina, o qual já se utiliza contra o paludismo. Nada de nada também sobre o estado das pesquisas em matéria de vacinas. A China deverá estar a ponto de efectuar os primeiros ensaios em humanos no fim de Abril, sendo que o laboratório do Instituto de Pesquisa de Vacinas e Soros de São Petersburgo já finalizou cinco protótipos de vacina.

Estes esquecimentos explicam-se pelo egocentrismo das grandes agências de notícias. Quando acreditamos viver numa «aldeia global» (Marshall McLuhan), apenas somos informados acerca do microcosmo ocidental.

Este desconhecimento é explorado por grandes laboratórios ocidentais que se dedicam a uma concorrência desenfreada em matéria de vacinas e de medicamentos. Tudo se passa como nos anos 80. À época uma epidemia de «pneumonia de gays», identificada em 1983 como sendo a SIDA (AIDS-br), provocava uma hecatombe nos meios homossexuais de São Francisco e de Nova Iorque. Quando ela apareceu na Europa, o então Primeiro-ministro francês, Laurent Fabius, retardou a utilização do teste de despistagem dos EUA de modo a que o Instituto Pasteur tivesse o tempo preciso para desenvolver o seu próprio sistema e o patentear. Este escândalo de negócio graúdo provocou milhares de mortos suplementares.

A geopolítica após a pandemia

A epidemia de histeria que acompanha a do Covid-19 mascara a actualidade política. Quando a crise tiver terminado e as pessoas recuperarem a sua tranquilidade, o mundo será talvez bastante diferente. Na semana passada, mencionamos a ameaça existencial que o Pentágono fazia pairar sobre a Arábia Saudita e a Turquia, ambos destinados a desaparecer [1]. A resposta de um e do outro foi a de ameaçar os Estados Unidos com as piores calamidades —o colapso da indústria do petróleo de xisto pelo primeiro, uma guerra com a Rússia pelo segundo— ; duas apostas muito arriscadas. Estas ameaças são tão graves que elas devem receber rapidamente uma resposta, e não demorará provavelmente três meses.


*Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008).

Nota:
[1] “Que alvo após a Síria ?”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 11 de Março de 2020.

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