terça-feira, 10 de março de 2020

Qual é a segunda tragédia do coronavírus?


Pedro Tadeu | TSF | opinião

A epidemia do coronavírus é uma espécie de revelador da fotografia de doenças da sociedade do nosso tempo, dos males que afetam a forma como os homens e as mulheres do século XXI se relacionam e reagem coletivamente aos eventos do planeta.

A primeira doença social que podemos detetar através do coronavírus é o estado de medo permanente em que vivemos.

Com a capacidade que nas sociedades desenvolvidas temos de aceder a informação instantânea, seja na rádio, na TV ou na Internet, e com a repetição exaustiva e simultânea que todos os órgãos de comunicação social fazem dos mesmos assuntos que, por sua vez, são comentados e distribuídos em massa pelas pessoas que usam as redes sociais, somos permanentemente conduzidos a temer um cataclismo mundial.

Se a Coreia do Norte testa um míssil, ficamos com medo que venha aí a guerra nuclear; se às praias do sul da Europa chegam uns milhares de refugiados muçulmanos, ficamos com medo do fim da civilização cristã; se Donald Trump ameaça fazer guerra económica à China, ficamos com medo do colapso da economia mundial; se o número de incêndios e a sua dimensão cresce por causa das alterações climáticas, tememos que o fim do mundo esteja já aí à porta.

O medo do coronavírus é, no seu mecanismo de expansão do pânico global, um fenómeno semelhante a muitos outros que hoje em dia fazem parte do nosso dia-a-dia e cujos efeitos me parecem ser muito perigosos.

Num extremo este medo pode provocar reações coletivas irracionais, histéricas e, até, violentas comas as notícias de hoje sobre a revolta nas prisões em Itália exemplificam.

No outro extremo, o constante medo global pode inocular uma espécie de anestesia nas populações que as leve a ficar indiferentes a tanto alarmismo. Esta indiferença, esta eventual dormência perigosa faz lembrar a fábula do Pedro e o lobo, a história do miúdo travesso que tantas vezes alertou, falsamente, a população de uma aldeia que o lobo a ia atacar que, quando os seus gritos de aviso foram verdadeiros, ninguém acreditou.


A segunda doença social que o coronavírus mais uma vez nos mostra é a dependência em que se sustenta mas que, nestas alturas, envenena toda a economia global: as bolsas e o petróleo.

Sempre que há um destes fenómenos globais e o pânico tende a ser generalizado, imediatamente estes dois suportes da economia mundial entram em oscilações de preços de tal maneira brutais que põem em risco a vida quotidiana em muitos países.

É sempre a mesma coisa: fossem nas crises da Coreia, de Trump com a China, dos refugiados ou dos incêndios ou outra qualquer, imediatamente os corretores de bolsa dão milhares de milhões de ordens de compra e venda de ações, transacionadas em segundos, capazes de arruinar empresas, destruir postos de trabalho ou, contraditoriamente, fazer fortunas milionárias de uma hora para a outra. É tudo tão rápido que ninguém tem tempo para se prevenir.

E sempre que estas oscilações na bolsa acontecem, a atividade económica tende a desacelerar, as indústrias e as pessoas consomem menos combustíveis e o preço do petróleo cai a pique.

O petróleo, do qual, apesar do advento das energias alternativas, na verdade continuamos dependentes, é a fonte principal de riqueza de muitos países e quando desce violentamente de preço nestes ciclos, atira milhões de pessoas para a miséria.

Quando, passado mais um período de medo global, a economia recupera, o preço do petróleo volta a subir, quase sempre até níveis escandalosos, recuperando o vício da dependência do ouro negro nos países produtores, que não diversificam a sua economia, mas também nos países consumidores que não aceleram a diversificação da fontes de energia que usam para produzir e distribuir os produtos que fabricam ou comercializam.

Estas duas doenças do mundo atual - o pânico constante e esta espécie de toxicodependência coletiva nas bolsas e nos petróleos - eliminam os esforços de planeamento e de gestão prudente dos governos de todo o mundo, mesmo dos bons governos, bem como das empresas e dos indivíduos, por ser impossível ter capacidade de reação a esta montanha russa de eventos, amplificados pela comunicação global e que iniciam uma cadeia de fenómenos económicos regressivos.

Esta excitação permanente parece estar a levar-nos para uma depressão psicológica coletiva, que nos leva a tomar más decisões, numa catadupa estúpida que temos de aprender a conter.

Com o coronavírus já percebemos que, este ano, para além da tragédia das mortes provocadas pela doença, vamos ter a tragédia de milhões de pessoas e empresas que vão entrar em colapso financeiro, muitos países vão crescer menos do que esperavam. Numa sociedade mais serena, mais racional e mais solidária, esta segunda tragédia do coronavírus seria muito menor.

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