domingo, 19 de abril de 2020

24 horas catastróficas: Carreirismo e arrogância atinge o coração da UE


Perder o seu melhor cientista e ser forçada a uma humilhante reviravolta no Covid-19 revela quão fraca e inútil é realmente a UE


A pandemia tem tido alguns efeitos úteis. Um deles é ter tornado mais evidente o que é e para que serve a UE. Toda a forma como a Comissão Europeia tem actuado tem não apenas deixado claro o que vale o dito “projecto europeu” como deixou à vista como a burocracia de Bruxelas é avessa a qualquer intromissão na sua prepotente cadeia de comando. A demissão do Prof. Mauro Ferrari da presidência da Comissão Europeia de Investigação é exemplar nesse aspecto.

Pela bitola de qualquer um Bruxelas teve 24 horas catastróficas. A cortina caiu, dando-nos um raro vislumbre da tóxica mistura política de carreirismo e arrogância que atinge o próprio coração da UE como, vamos lá, um vírus.

A saída ontem à tarde do principal cientista da Europa, Mauro Ferrari, do seu cargo de presidente da Comissão Europeia de Investigação (ERC) já é suficientemente má. Mas as mil palavras da sua declaração ao Financial Times não apenas foram uma avaliação fulminante das políticas nos mais altos escalões do poder europeu, como a sua oportunidade não poderia ter sido pior.

Mauro Ferrari, que apenas ocupava o cargo desde o início deste ano, claramente não é um sujeito com quem se deva brincar, e quando confrontado com carreiristas, tanto políticos como administrativos, não estava preparado para compromissos acerca do que via como a melhor forma de lidar com a pandemia.

Na sua declaração Ferrari afirmou: “Peço que me perdoem, mas acredito que a prioridade de agora é deter a pandemia. A prioridade é salvar possivelmente milhões de vidas. Tem precedência sobre carreiras, políticas e até sobre a beleza da certeza científica.”

Quem poderia argumentar contra isso? Bom, os políticos que lideram a Europa a partir de Bruxelas podem. Não gostam da ideia de algum arrogante cientista, que sabe tudo sobre vírus e coisas desse género, assumir o comando quando se supõe que são eles quem assume a função.

Temos de nos interrogar acerca da mentalidade por detrás da decisão de nomear Ferrari para um cargo em que, embora lhe tenha sido atribuído um orçamento anual de € 2 milhares de milhões (US $ 2,2 milhares de milhões), ninguém estava preparado para dar ouvidos ao seu aconselhamento científico.

Disse o professor: “Pensei que num momento como este deveriam ser proporcionados aos melhores cientistas do mundo recursos e oportunidades para combater a pandemia, com novos medicamentos, novas vacinas, novas ferramentas de diagnóstico, novas abordagens comportamentais dinâmicas baseadas em ciência, para substituir as frequentemente improvisadas intuições dos líderes políticos”.

Caramba, estava a trabalhar para a engrenagem errada. O próprio comité científico da Comissão, tendo lidado com sucesso com - vamos lá contá-las - zero pandemias em sua história, decidiu que o chefe do CEI estava lá para fornecer ideias científicas “a partir da base”, e não para qualquer tipo de liderança “a partir de cima”.

Não se pode deixar de apreciar a absurda e medíocre balbúrdia administrativa que prevalece em Bruxelas.

Mas havia ainda mais.

De forma humilhante para a CE, a demissão da Ferrari ocorreu apenas algumas horas depois de esta ter sido forçada a dar uma volta completa ao seu grande plano de desenvolver uma via para os países membros abandonarem suas estratégias de confinamento, por entre sinais contraditórios sobre se a propagação do vírus Covid-19 está ou não a diminuir.

Primeiro, havia a manchete de um meio de comunicação: “A Comissão Europeia vai revelar a estratégia para sair do confinamento do vírus”, onde era anunciado que a Presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, planeava desenvolver uma estratégia visando um alívio coordenado das medidas restritivas actualmente em vigor na maior parte da Europa.

Screeeeech! O som dos travões fortemente metidos veio momentos depois, conforme foi relatado em outro lugar por Politico: “Bruxelas retira o plano de saída do confinamento perante a fúria das capitais”, graças principalmente a Itália e Espanha, onde milhares de pessoas morreram, que deixaram claro que acreditavam na Comissão estava a mover-se com demasiada pressa.

Entretanto, Dinamarca, Áustria e República Checa estavam a deslocar-se em contra-mão sugerindo que poderiam suspender as restrições de deslocação já na próxima semana.

Com uma tão clara discordância visível sobre uma parte tão fundamental da estratégia para lidar com o coronavírus, até mesmo um cientista pioneiro (em nanociência) com conhecimento e experiência, à frente da principal instituição científica da Europa, iria deparar-se com uma batalha para ser ouvido por cima do clamor político.

Portanto, Prof. Ferrari, au revoir. Está agora nos EUA, onde planeia criar um grupo internacional de investigação para empreender a batalha contra o Covid-19.
Interrogo-me se terá melhor sorte com Donald Trump.

*Fonte: https://www.rt.com/op-ed/485297-scientist-covid-eu-brussels-weak/

Na imagem: Mauro Ferrari

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