Já é um problema antigo em
Luanda, mas agrava-se com a Covid-19: sem água potável, famílias têm de
desafiar medidas de restrição para garantir sobrevivência. Água imprópria e
especulação de preços estão na ordem do dia.
Famílias vulneráveis em Luanda
afirmam que as suas condições de vida estão a piorar a cada dia que passa
devido às restrições impostas aos cidadãos como medida de prevenção contra
a pandemia
do novo coronavírus.
Devido à fraca distribuição de
água nalgumas zonas de Luanda, há pessoas que se têm deslocado a outros bairros
à procura de água, apesar do estado de emergência, que vigora em Angola desde
27 de março.
Alguns habitantes desafiam o
perigo que a Covid-19 apresenta e aventuram-se pelas ruas, alegando que vão à
procura de dinheiro para pagar água e comida.
Apoio do Governo não chega a
todos
A DW África visitou os bairros
Rio Seco e Maie Maie, duas comunidades carentes no município angolano de
Cacuaco. Aqui, os moradores denunciam que continuam a não ter acesso a água -
alguns são obrigados a consumir água imprópria. "É água da lagoa que
consumimos e, quando chove, todo o lixo da zona vai para a água”, diz Luís
Domingos Sebastião, morador do Rio Seco. E mesmo esta água imprópria para
consumo é difícil de conseguir, explica, "porque há muita enchente. À
noite, as pessoas não dormem porque têm de ir buscar água”.
O Governo prometeu abastecimento
gratuito nos bairros onde há carência de água. Ainda assim, há zonas onde não
se veem as viaturas de distribuição.
Francisco Zumbi, desempregado,
conta que o prometido abastecimento não chega à sua comunidade há duas semanas:
"Estamos a beber água do lixo".
Confinados sem comida
Vânia Mateus, moradora do bairro
Rico Seco há sete anos, depende de ajudas para ter comida em casa. Durante a
entrevista à DW, a jovem afirmou que os seus dois filhos não tinham jantado e
nem sabia o que seria o almoço.
"Estou mesmo à rasca porque
não tenho como sustentar a minha família. Estou há quatro meses sem salário e
com esta doença não tenho como ir ao mercado. Assim como estou, não tenho nada
para comer", disse a jovem.
E a história repete-se: Helena
José vendia pastéis à porta de casa, mas o negócio está parado desde o estado
de emergência. Entretanto, perdeu o pouco dinheiro que ganhou. Agora, só come
"quizaca" - folhas de mandioca.
"Estamos aqui em quarentena
sem comida. Por exemplo, ontem eu e os meus filhos jantámos quizaca sem funge.
A minha casa é de bloco. Quando os bons samaritanos doam comida, nós, das casas
de bloco, não somos beneficiados. Não sei se o bloco vai ter o que comer.
Daqui, só em Deus podemos confiar", lamentou a moradora do Maie Maie, em
Cacuaco.
Especulação preocupa ONG
O diretor-geral da ONG angolana
Acção para Desenvolvimento Rural e Ambiental (ADRA), Carlos Cambuta, denuncia
que, além da má distribuição da água, há também especulações no preço:
"Para ter uma ideia, há
bairros que estão a comercializar 25 litros de água a 250 kwanzas (cerca de
€0,40), num momento em que as famílias não estão efetivamente a produzir."
Carlos Cambuta recorda ainda que
boa parte da população dedica-se ao mercado informal, "portanto, são
famílias que gastam o que ganham no mesmo dia."
O Governo prometeu também
distribuir alimentação aos carenciados e já está a receber doações de
diferentes instituições para as comunidades pobres. Segundo o diretor-geral da
ADRA, o Executivo devia fazer uma parceria com a sociedade a civil para
identificar as famílias que precisam de ser apoiadas com a cesta básica e
"fazer as coisas em conjunto, assegurar que a responsabilidade da
distribuição não seja apenas das administrações do Estado, que envolva também
autores locais."
"Estamos a falar das
igrejas, as organizações comunitárias, que são as cooperativas, as associações,
as comissões de moradores, as ONG e entre outras formas de organizações
comunitárias que nos parecem ser importantes porque vivem nas comunidades, e
portanto, sabem quais são as famílias que enfrentam momentos mais difíceis do
ponto de vista do acesso à alimentação. Assim, será mais fácil assegurar que
estas cestas básicas cheguem realmente às famílias carenciadas", considera
o diretor da ADRA.
Borralho Ndomba (Luanda) |
Deutsche Welle
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