Há relatos crescentes de
deserções e falta de condições para os soldados no campo das operações contra
os insurgentes na província de Cabo Delgado. O cenário pode ser a machadada
final no debilitado Exército mocambicano?
Os ataques armados na província
nortenha de Cabo Delgado repetem-se, quase sem interregno.
O mais recente relato chega do
bispo de Pemba, Dom Luiz Fernando Lisboa: "Hoje, 7 de abril,
recebo notícias da região de Muidumbe de que teria sido atacada uma aldeia de
Tinga e depois [os atacantes] foram para Litingina. [A seguir,] os soldados
foram à procura dos insurgentes. Em duas ou três aldeias, houve um
tiroteio muito forte."
As ações dos insurgentes
continuam a pôr a vida da população de pernas para o ar. De acordo com o bispo,
os "relatos de missionários que estão lá, mas que também estão a sair, é
de que toda a população está a fugir para o mato - o que se vê são pessoas com
trouxas na cabeça, fugindo para o mato. Infelizmente, hoje 7 de abril, está a
acontecer outro ataque de grandes proporções."
Mas não é apenas a população que
tem motivos de queixas, os soldados das Força de Defesa e
Segurança (FDS), sem receios de represálias, têm denunciado dificuldades
de vária ordem, desde alimentares até logísticas. Na última semana, mais um
vídeo dos soldados correu nas redes sociais com denúncias.
Para Dom Luiz
Fernando Lisboa, "a reclamação em relação às condições de Cabo
Delgado já é recorrente. Os jovens reclamam porque não têm as condições todas
reunidas para que possam fazer o seu trabalho de combater".
Também nas redes sociais se vê
internautas a reclamarem a perda de familiares no campo das operações - baixas,
entretanto, que não são divulgadas pelas autoridades.
Casos de deserções são também
frequentemente reportados nas redes sociais. Sobre esta tendência na província,
o bispo de Pemba conta o que sabe: "Ouvimos muita gente entre a população
dizer que há deserções, pessoas que narram que encontraram, indo para Nampula
no machimbombo, três a quatro jovens vindos de lá, fugidos, dizendo que preferiam
morrer fugindo, do que ficar lá e morrer nos ataques sem as condições
necessárias. Então, isso se fala muito aqui e não é de hoje."
Da falta de liderança à
brutalidade das FDS
Para as FDS, que têm demonstrado
clara dificuldade em controlar a situação, o descontentamento dos jovens
soldados poderia contribuir para minar ainda mais o Exército?
Para Fernando Lima, jornalista e
diretor do semanário moçambicano Savana, esse "é um fator, mas não o
principal - o principal fator é o da falta de liderança".
"Se o Governo não der uma
resposta agressiva, e sobretudo assertiva, vai perder o controlo da
situação".
Lima denuncia ainda que "as
FDS usam muita brutalidade contra a população e isso não pode ser". O
jornalista suspeita mesmo que haja uma espécie de discriminação.
FDS em fuga?
Já o bispo de Pemba acredita
que "o descontentamento por parte dos jovens pode prejudicar".
"Penso que, como há muitos
relatos de jovens que desertaram, não é porque não querem ajudar o seu país,
não é porque não querem ajudar a acabar com essa situação, é justamente pela
falta de preparo. Muitos jovens estão ali sem a devida preparação, em condições
precárias", opina Dom Luiz Fernando Lisboa.
"E muitos relatos dizem que,
em muitos lugares onde os insurgentes entraram, as FDS fugiram para o mato
juntamente com o povo. Há muitos relatos de que os soldados também fogem,
porque também eles estão com medo e sentem-se muita vezes impotentes diante da
força que o outro grupo tem."
FDS bem equipadas, mas mal
preparadas
Há muito que se afirma que as FDS
estão altamente despreparadas
para enfrentar os insurgentes.
O jornalista Fernando Lima
entende que são "necessárias unidades militares eficientes e bem
posicionadas no terreno, boa logística, boa inteligência, bom reconhecimento,
etc."
Contudo, estariam altamente
equipadas, conforme conta: "Os meios das FDS são mais sofisticados
que os dos insurgentes. Hoje, o exército está melhor apetrechado que no
passado".
No final, um investimento para o
inimigo - pelo que se tem visto, as FDS não têm nem capacidade
para manter esse material. Lima revela que "as armas e fardas trajadas
pelos insurgentes foram capturadas das FDS".
Nádia Issufo | Deutsche Welle
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