terça-feira, 7 de abril de 2020

Ataques em Cabo Delgado: Soldados "fogem com medo" dos insurgentes


Há relatos crescentes de deserções e falta de condições para os soldados no campo das operações contra os insurgentes na província de Cabo Delgado. O cenário pode ser a machadada final no debilitado Exército mocambicano?

Os ataques armados na província nortenha de Cabo Delgado repetem-se, quase sem interregno.

O mais recente relato chega do bispo de Pemba, Dom Luiz Fernando Lisboa: "Hoje, 7 de abril, recebo notícias da região de Muidumbe de que teria sido atacada uma aldeia de Tinga e depois [os atacantes] foram para Litingina. [A seguir,] os soldados foram à procura dos insurgentes. Em duas ou três aldeias, houve um tiroteio muito forte."

As ações dos insurgentes continuam a pôr a vida da população de pernas para o ar. De acordo com o bispo, os "relatos de missionários que estão lá, mas que também estão a sair, é de que toda a população está a fugir para o mato - o que se vê são pessoas com trouxas na cabeça, fugindo para o mato. Infelizmente, hoje 7 de abril, está a acontecer outro ataque de grandes proporções."

Em que condições operam as FDS?

Mas não é apenas a população que tem motivos de queixas, os soldados das Força de Defesa e Segurança (FDS), sem receios de represálias, têm denunciado dificuldades de vária ordem, desde alimentares até logísticas. Na última semana, mais um vídeo dos soldados correu nas redes sociais com denúncias.

Para Dom Luiz Fernando Lisboa, "a reclamação em relação às condições de Cabo Delgado já é recorrente. Os jovens reclamam porque não têm as condições todas reunidas para que possam fazer o seu trabalho de combater".

Também nas redes sociais se vê internautas a reclamarem a perda de familiares no campo das operações - baixas, entretanto, que não são divulgadas pelas autoridades.

Casos de deserções são também frequentemente reportados nas redes sociais. Sobre esta tendência na província, o bispo de Pemba conta o que sabe: "Ouvimos muita gente entre a população dizer que há deserções, pessoas que narram que encontraram, indo para Nampula no machimbombo, três a quatro jovens vindos de lá, fugidos, dizendo que preferiam morrer fugindo, do que ficar lá e morrer nos ataques sem as condições necessárias. Então, isso se fala muito aqui e não é de hoje."

Da falta de liderança à brutalidade das FDS

Para as FDS, que têm demonstrado clara dificuldade em controlar a situação, o descontentamento dos jovens soldados poderia contribuir para minar ainda mais o Exército?

Para Fernando Lima, jornalista e diretor do semanário moçambicano Savana, esse "é um fator, mas não o principal - o principal fator é o da falta de liderança".

"Se o Governo não der uma resposta agressiva, e sobretudo assertiva, vai perder o controlo da situação".

Lima denuncia ainda que "as FDS usam muita brutalidade contra a população e isso não pode ser". O jornalista suspeita mesmo que haja uma espécie de discriminação.
FDS em fuga?

Já o bispo de Pemba acredita que "o descontentamento por parte dos jovens pode prejudicar".

"Penso que, como há muitos relatos de jovens que desertaram, não é porque não querem ajudar o seu país, não é porque não querem ajudar a acabar com essa situação, é justamente pela falta de preparo. Muitos jovens estão ali sem a devida preparação, em condições precárias", opina Dom Luiz Fernando Lisboa.

"E muitos relatos dizem que, em muitos lugares onde os insurgentes entraram, as FDS fugiram para o mato juntamente com o povo. Há muitos relatos de que os soldados também fogem, porque também eles estão com medo e sentem-se muita vezes impotentes diante da força que o outro grupo tem."

FDS bem equipadas, mas mal preparadas

Há muito que se afirma que as FDS estão altamente despreparadas para enfrentar os insurgentes.

O jornalista Fernando Lima entende que são "necessárias unidades militares eficientes e bem posicionadas no terreno, boa logística, boa inteligência, bom reconhecimento, etc."

Contudo, estariam altamente equipadas, conforme conta: "Os meios das FDS são mais sofisticados que os dos insurgentes. Hoje, o exército está melhor apetrechado que no passado". 

No final, um investimento para o inimigo - pelo que se tem visto, as FDS não têm nem capacidade para manter esse material. Lima revela que "as armas e fardas trajadas pelos insurgentes foram capturadas das FDS".

Nádia Issufo | Deutsche Welle

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