Yanis Varoufakis, antigo ministro
grego das Finanças, considera que o desempenho de Mário Centeno no Eurogrupo é
"vergonhoso" por ter mediado a aprovação de um acordo que vai trazer
“austeridade pior que a de 2011” e é "o início da desintegração
europeia" – Imagem: © Vickie Flores/EPA
Yanis Varoufakis afirma que o
pacote europeu de 500 mil milhões para combater a crise é o início do fim do
euro. Antigo ministro grego das Finanças critica Centeno e avisa: "Vai
haver austeridade".
Tornou-se uma figura mediática em
2015, quando assumiu a pasta grega das Finanças no Governo de Alexis Tsipras,
do Syriza. Ao longo de seis meses, confrontou a troika e Bruxelas, exigindo uma
reestruturação da dívida grega.
Saiu em conflito com o
primeiro-ministro, depois do referendo que ditou a vitória do "não" a
medidas impostas num novo programa de resgate, resultado que o Governo grego
acabou por não levar à prática.
Em entrevista à TSF, Yanis
Varoufakis afirma que o acordo do Eurogrupo, que aprovou um pacote de mais de
500 mil milhões de euros para fazer face às consequências da pandemia do novo
coronavírus marca "o início da desintegração europeia".
TSF - O Eurogrupo aprovou um
pacote de 500 mil milhões de euros para fazer face à crise. No Guardian escreveu recentemente que o acordo é "um
presente para os inimigos da Europa". Explique.
YV - Para começar, os 500 mil milhões
são quase só empréstimos. É exatamente o que a Europa não precisa,
especialmente nos países que estão a sofrer mais, como Itália ou Espanha ou a
Grécia, que têm menor capacidade de aumentar a dívida pública. O motivo pelo qual
os eurobonds - que nove países, incluindo a Grécia e Portugal pediram - são
essenciais é porque constituem uma reestruturação da dívida, de forma a que não
vá para os países, sendo partilhada pela Europa. Espalhando a dívida, o valor
líquido diminui nos próximos 20 anos, tornando-se mais gerível.
Ao rejeitar os eurobonds, tendo
em vez disso empréstimos do Mecanismo Europeu de Estabilidade ou dos mercados,
países como a Grécia ou Portugal vão estar tão endividados no próximo ano que,
mesmo sem restrições orçamentais europeias, vai haver um nível de austeridade
pior que a de 2011. E depois, quando a economia começar a sair da crise, vai
haver uma segunda vaga de recessão que vai ser imposta por Bruxelas e Frankfurt.
Berlim já começou a falar em
retomar o travão da dívida no próximo ano. Não se enganem: eles vão pedir
consolidação fiscal para Portugal, para a Grécia, Espanha e Itália em 2021. Não
pode haver melhor presente para os eurocéticos, para os nacionalistas que
querem destruir a União.
TSF - O problema está na natureza
da solução ou no valor? O pacote alemão é maior do que o europeu.
YV - Em ambos. O valor faz dó. O resto
do mundo está a rir-se da Europa, e com razão. É só 0,2% do PIB da zona euro. O
resto é empréstimos, e os empréstimos são inúteis. Um problema de bancarrota
não se resolve com empréstimos e é esse o problema que enfrentamos.
A Alemanha, por causa da sua
margem orçamental, está a canalizar injeções diretas de 6%. Não são
empréstimos. Em Portugal e na Grécia são cerca de 0,9%. Isto vai ampliar os
desequilíbrios já existentes, a tal ponto que os políticos, sobretudo nos
países do Sul, como a Itália, por exemplo, vão tornar-se tóxicos. Não vejo como
é que a zona euro pode sobreviver fazendo erros da mesma natureza dos de 2010,
quando tratou os problemas de insolvência dos nossos dois países como se
pudessem ser solucionados com empréstimos.
TSF - A longo prazo, os países
que hoje se opõem aos eurobonds chegarão a um ponto em que não terão outro
remédio senão aceitá-los?
YV - Não estou a ver por que motivo
mudariam de opinião no futuro. É por isso que acho que o Eurogrupo de dia 9 de
abril vai ser lembrado como o momento em que a desintegração da União Europeia
e da zona euro começou.
TSF - Este acordo foi mediado por
Mário Centeno. Como classifica o desempenho do ministro português enquanto
presidente do Eurogrupo?
Uma palavra: vergonhoso. Ele
devia baixar a cabeça com vergonha por ter arranjado este não-acordo. Se esta
não fosse uma situação trágica seria uma piada. O sr. Centeno vem de um país
que conhece a dor da austeridade, que sabe que a zona euro nunca lidou
racionalmente com a enorme crise de 2010 e 2011. O sr. Centeno tinha o dever
moral e político para com os povos português e europeu de não repetir os
desempenhos do sr. Juncker e do sr. Dijsselbloem quando eram presidentes do
Eurogrupo.
TSF - O ministro holandês
das finanças sugeriu que Itália e Espanha fossem investigadas por não terem
dinheiro para lidar com a crise. Mais tarde pediu desculpa, depois do
primeiro-ministro português ter dito que eram declarações repugnantes. A
palavra solidariedade ainda tem significado na Europa?
YV - Não. Não tem. Os resgates a
Portugal e à Grécia foram disfarçados de solidariedade. E foram solidários: com
o Deutsche Bank e com a Societé Generale, porque o dinheiro que foi para os
países acabou por servir para pagar dívidas que bancos franceses e alemães
acumularam em 2008 nos Estados Unidos.
Mas julgo que estamos a fazer um
grande erro, enquanto portugueses, gregos ou mesmo alemães. Isto não é uma
questão de solidariedade. Não devemos pedir solidariedade ao ministro holandês.
Se pedir solidariedade a um cidadão holandês, eles têm o direito de rejeitar.
Podem dizer "quero ser solidário, vou fazer-te um empréstimo ou dar-te uma
prenda". E isso é um argumento.
Hugo Neutel | TSF
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