Centeno passa da defesa ao ataque
O tema na agenda era o programa
de estabilidade mas, no seu discurso inicial, Mário Centeno escolheu abordar o
Novo Banco. Atirou-se ao PSD, a quem acusa de fazer intervenções para chamar a
atenção de 10 segundos de telejornal
Um dia depois de ter dado uma
entrevista à TSF onde explica o que falhou, entre o seu gabinete e do
primeiro-ministro, na transferência de 850 milhões de euros para o Novo Banco,
Mário Centeno partiu ao ataque. Esta manhã, no Parlamento, resolveu trazer à liça
a responsabilidade do PSD no processo, dizendo que “todos conhecem o processo
desde o início” e que, se o problema existe, é porque o Novo Banco foi mal
resolvido – foi, aliás, “a mais desastrosa resolução bancária alguma vez feita
na Europa”.
Durante a sua intervenção
inicial, Mário Centeno começou por lembrar que “o Novo Banco não nasceu em 2019” . Se os empréstimo têm
de ser feitos anualmente, argumenta o ministro, é porque, em 2014, aquando da
separação do BES bom e do BES mau, “a seleção dos ativos foi mal feita, e
incompetente. O banco que era novo e devia ser bom tinha ainda muito de mau”.
Por causa da “resolução desordenada”, em 2016, o Estado pagou 1,5 mil milhões
de euros em juros por causa do Novo Banco, argumentou ainda.
Por isso, a venda do Novo Banco e
o acordo de transferências acabou por ser um mal menor, e tinha de ser feito,
em nome da "estabilidade financeira", uma preocupação que "nem
todos os governos no passado exerceram de forma competente no passado".
O PSD acusou o toque mas o deputado
Afonso Oliveira ripostou que o discurso inicial “não foi para nós de certeza,
foi para o sr. primeiro-ministro”, a quem o Ministério das Finanças se esqueceu
de avisar da transferência.
O deputado quis saber o que o que
motivou o desacerto entre António Costa e Mário Centeno, e se as Finanças
fizeram a transferência à revelia do primeiro-ministro. Na resposta, o ministro
das Finanças carregou ainda mais no tom: “Não, não foi à revelia do
primero-ministro“. Não há nenhuma decisão do governo que seja feita à margem do
Conselho de Ministros, diz Mário Centeno, que acusa o PSD de ter “assinado
resoluções desastrosas na praia.”
Para Centeno, o PSD não tem
presente a história, e "um decisor politico que não a conhece vive
para os primeiros minutos do telejornal".
Insatisfeitos com a resposta o
ministro, tanto o Bloco de Esquerda como o PCP voltaram à carga, para tentarem
perceber, nomeadamente, como se justifica a desarticulação entre o gabinete do
primeiro-ministro e o do ministro das Finanças.
O LAPSO FREUDIANO E A DIFERENÇA
QUE UM “S” FAZ
“Insisto no que já esclareci”,
repetiu Centeno: “Não há nenhuma contradição nem nenhum conflito na gestão
governamental nesta matéria”, nem tão pouco “há falta de controlo político”.
Muito menos há informação oculta: “Nunca escondi a esta assembleia nem aos
portugueses que o risco máximo que teríamos com este mecanismo eram 3,9 mil
milhões de euros”. “Nunca fugi à pergunta se havia risco sobre esta matéria”.
Mas, então, porque é que António
Costa fez depender a transferência da auditoria? Duas horas volvidas sobre o
início da audição no Parlamento, Centeno continua sem resposta para esta
questão – e ontem, em entrevista à TSF, até disse que só o primeiro-ministro
poderia fazê-lo – mas ensaiou uma espécie de explicação a Mariana Mortágua.
Numa intervenção muito crítica, a
deputada do Bloco de Esquerda tinha concordado com a responsabilização
histórica do governo PSD/CDS (“a seleção dos ativos foi incompetente e há uma
auditoria que o banco de Portugal esconde há anos”) mas apontou também o dedo
ao Governo atual, porque foi ele “que decidiu pagar os prejuízos e entregar o
banco a um fundo privado. Foi o governo que decidiu não o tornar público”.
Na sua intervenção, Mariana
Mortágua aludiu à falta de controlo dos dinheiros públicos e foi falando em
auditoria no singular, e auditorias no plural, e Mário Centeno não deixou
passar a subtileza.
Lembrando que existem cinco
entidades a independentes umas das outras que têm como responsabilidade de
controlar o Novo Banco, o ministro das Finanças sublinhou que, “talvez por
lapso freudiano, a senhora deputada foi flutuando entre “auditorias” e
“auditoria”. Ora, “o rigor que temos de seguir tem de ser proporcional ao rigor
que colocamos nas respostas que recebemos”. Embora não o tenha dito
diretamente, Mário Centeno parece ter deixado implícito que o desacerto com o
primeiro-ministro se deveu a uma confusão entre as diversas
"auditorias" no plural a que o Novo Banco é sujeito, uma explicação
que o jornal Público tinha avançado no sábado.
QUEM TEM RAZÃO: MÁXIMO DOS SANTOS
OU ANTÓNIO RAMALHO?
A “falha de comunicação” dentro
do Governo sobre o empréstimo para o Novo Banco não foi o único percalço. Pelo
meio, o Fundo de Resolução resolveu subtrair 2 milhões de euros ao bolo da
transferência, para descontar o facto de a administração do Novo Banco ter
reservado este montante para prémios, a distribuir em 2022. Fernando Anastácio,
deputado do PS, quis saber o que pensa o ministro das Finanças sobre o tema. No
fundo, quem tem razão: se Luis Máximo dos Santos, ao reter o dinheiro, se a
administração do Novo Banco, que aspira por uma remuneração suplementar.
Na resposta, Mário Centeno foi
parco em explicações.
Diz que “o Governo concorda com a orientação da EBA [a
autoridade bancária europeia] sobre dividendos e prémios. E essa orientação foi
a que o acionista Fundo de Resolução transmitiu ao Novo Banco”. Não explicou,
contudo, porque foi o Fundo de Resolução a reter o dinheiro, e não o próprio
Tesouro.
Mais à frente no debate, perante
a insistência de Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, que indagou se o
ministério das Finanças "conhecia este bónus", se "aceitou esta
proposta de remuneração" e "qual a política de remuneração do Novo
Banco", Mário Centeno repeteria que “nós acompanhando o fundo de
resolução temos uma opinião muito clara sobre os prémios”.
O ministro disse ainda que já
iniciou os trâmites para desencadear a auditoria ao empréstimo deste ano. “No
ano passado o processo foi mais demorado [a entrega da auditoria da Deloitte
foi adiada para julho], mas este ano podemos poupar algum tempo”, diz Centeno,
que lembra que tem de ser o Banco de Portugal a escolher o auditor.
Elisabete Miranda | Expresso
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