quinta-feira, 21 de maio de 2020

Olhar para Timor-Leste pelas piores razões. Distúrbios no Parlamento


Os conflitos entre deputados estão a desonrar a história de libertação nacional e os seus mártires. O impasse político que se arrasta há anos e as imagens tristes de violência dentro do Parlamento Nacional reflectem infantilismo político e ausência de civismo. O mundo olha para Timor-Leste pelas piores razões.

M. Azancot de Menezes* | Jornal Tornado

Os interesses económicos diversos têm sido determinantes para a formação da estrutura de pensamento de uma franja muito significativa da classe política instalada no poder em Timor-Leste. Agora, no Parlamento Nacional de Timor-Leste, há uma disputa pelo poder.

De um lado está a Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente (FRETILIN), o Partido de Libertação Popular (PLP) e o Kmanek Haburas Unidade Nacional Timor Oan (KHUNTO), que alegam legitimidade por somarem 36 dos 65 deputados, acusando Arão Noé do CNRT, presidente do Parlamento Nacional, de abuso de poder.

Na outra “barricada” está o Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT), cujo presidente é Kay Rala Xanana Gusmão, o líder histórico da Resistência Timorense.

A causa aparente do conflito relaciona-se com o facto de se desejar destituir o actual presidente do Parlamento Nacional com base numa votação protagonizada pela “nova maioria”, considerada ilegal pelo mesmo.

O presidente Arão recusa-se a agendar um debate exigido pela outra parte parlamentar porque alega que a destituição por via regimental é inconstitucional, defendendo que o Presidente da República, também da FRETILIN, já devia ter dissolvido o Parlamento Nacional porque não há Orçamento Geral do Estado (OGE) há mais de 60 dias.

Défice democrático e ausência de civismo da classe política

Uma análise diacrónica e imparcial permite concluir que tem havido incongruências de todos os partidos, uns mais do que outros, porque há desvios e violações da Constituição da República Democrática de Timor-Leste de alguns anos a esta parte.

Contudo, no caso em análise, é bom ter presente que o mandato do Presidente do Parlamento Nacional de Timor-Leste é de legislatura, que são 5 anos. Para se destituir o Presidente do Parlamento Nacional – para além da agenda ter de ser previamente aprovada, e o Presidente ter de saber do que é acusado e ter direito a um tempo para se poder defender e organizar a sua defesa, mandam os princípios da legalidade democrática que após a acusação e a defesa, a destituição do Presidente tenha de ser feita pelo sagrado voto secreto, o que não aconteceu.

Esta situação de “Parlamento Nacional paralisado” e de luta pelo poder sem regras revela, acima de tudo,  o significativo défice democrático e a ausência de civismo da classe política. Uma situação muito grave porque o povo continua a passar graves dificuldades de âmbito social e económico.

O episódio com o envolvimento de deputados em situações de violência, ocorrido no dia 19 de Maio de 2020 no Parlamento Nacional de Timor-Leste, transmitido pela televisão pública do país (RTTL), para além de ser muito triste e tornar-se mau precedente, desonra a história da luta de libertação da Pátria e os seus mártires.



Brigada Negra apela ao Presidente do Tribunal de Recurso

A Associação de Combatentes da Brigada Negra (ACBN), conhecida organização que enquadra os antigos combatentes da Brigada Negra, um Comando especial das FALINTIL (Forças Armadas de Libertação Nacional de Timor-Leste) que realizava guerrilha urbana em Timor-Leste e na Indonésia sob o comando de Kay Rala Xanana Gusmão e de Avelino Coelho / Shalar Kosi F.F. (Presidente do PST), já interagiu com o Presidente do Tribunal de Recurso, Supremo Tribunal de Justiça, apelando ao respeito pela Constituição.

Nesta reflexão refiro-me em particular à intervenção pública da ACBN porque me revejo na sua argumentação, isto é, há uma ideia chave que deveria merecer a atenção dos principais líderes e que remete para o tal défice democrático e ausência de civismo da classe política.

Um dos graves erros que se repete em Timor-Leste é que nos últimos anos tem-se atribuído importância às disputas entre a «Presidência da República» e o «Governo» acreditando-se que seriam estes os órgãos que poderiam encontrar saída legal a qualquer litígio.

Segundo a ACBN, muitos políticos esquecem-se que é o Tribunal Superior de Justiça de Recurso o órgão investido de poderes para julgar ou pronunciar-se pelo vazio legal que causa instabilidade para a prevalência de poderes que desrespeitam a Constituição e violam o direito político dos cidadãos, na medida em que:

Compete aos tribunais resolver diferendos, disputas, litígios de ordem das decisões entre órgãos de soberania e os cidadãos que advenham da falta de clareza das disposições constitucionais e das leis”.

A importância remetida ao papel do tribunal é destacada com frequência no estratégico documento da ACBN a que tive acesso porque no caso das disputas pelo poder político, assentes na interpretação das disposições constitucionais pelos órgãos de soberania, compete ao Tribunal enquanto órgão de soberania possuir o poder reservado, sempre que houver lacunas no quadro jurídico em vigor, para interpretar e pronunciar-se sobre se há ou não violação das disposições constitucionais pelos órgãos de soberania.

*PhD em Educação / Universidade de Lisboa

*Leia mais na colaboração de M. Azancot de Menezes também no Página Global


Nas imagens acima: 1 - Xanana Gusmão; 2 - João Bosco (co-fundador da Brigada Negra), Brigadeiro General Falur R. Laek e Nuno Corvelo (Presidente da ACBN – Associação de Combatentes da Brigada Negra)

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