O juiz Carlos Alexandre aponta
“indícios” de que Azeredo Lopes tinha conhecimento prévio do plano ilícito da
Judiciária Militar para recuperar armamento. Advogado do ex-ministro não reage
enquanto não receber despacho.
Entre as razões do juiz Carlos
Alexandre para decidir levar a julgamento o ex-ministro da Defesa, José Azeredo
Lopes, está a convicção de que o ex-governante teria conhecimento prévio dos
contornos do plano da Polícia Judiciária Militar (PJM) e não apenas depois
de ele ter sido executado.
O ex-governante está acusado de
abuso de poderes, denegação de justiça, favorecimento pessoal e prevaricação,
crimes que o próprio desmente.
Reunião no ministério
Mas é sobretudo através de uma
reunião no gabinete no Ministério da Defesa, a 4 de Agosto de 2017, que o juiz
relata a existência de mais indícios. Esse encontro formal realizou-se pouco
tempo depois de Joana Marques Vidal, à data procuradora-geral da República, ter
atribuído a competência da investigação do assalto a Tancos (investigação já
então iniciada pela PJM) à Polícia Judiciária (PJ).
No encontro dois meses e meio
antes da recuperação do material, o
coronel, inconformado com o afastamento da PJM do caso, “transmitiu a
Azeredo Lopes a ideia de que não seria o despacho do Ministério Público a
impedir a PJM de realizar diligências para recuperar o material furtado”.
Isso não seria necessariamente
comprometedor, uma vez que no mesmo despacho Joana Marques Vidal indicava que a
PJ investigaria o crime coadjuvada pela PJM, no pressuposto de que todas as
diligências da Judiciária Militar seriam transmitidas e partilhadas com a PJ.
Nessa reunião, porém, Luís Vieira
terá mencionado a Azeredo Lopes que um indivíduo estaria na disponibilidade de
entregar o material “mediante a aceitação de algumas contrapartidas impostas
pelo mesmo”. Tratava-se do assaltante João Paulino; e terá dito ainda que para
a materialização desse propósito “contavam com o apoio do Núcleo de
Investigação Criminal de Loulé da GNR, devidamente autorizados pelos superiores
hierárquicos”.
As provas apontadas
Esta conclusão, que a
confirmar-se em
julgamento implica Azeredo Lopes num consentimento do plano
ilegal, é sustentada “pela análise” da “prova indiciária”, explica o
magistrado: mensagens de telemóvel, correspondência electrónica, o despacho do
MP, várias inquirições de arguidos e, à cabeça, as inquirições do capitão João
Bengalinha, investigador da PJM que iniciou a investigação antes de esta ser
atribuída à PJ, e do coronel Manuel Estalagem, então director da investigação
criminal da PJM.
Elementos desta polícia acusados
– entre os quais o coronel Luís Vieira e o major Vasco Brazão – envolvem Manuel
Estalagem no conhecimento geral do plano clandestino, por ser justamente o
director da investigação criminal, e alegam que este oficial, agora na reserva,
apenas ficou fora da lista dos arguidos, por supostamente ter denunciado
à PJ o esquema
ilegal da PJM.
“Inevitável se torna concluir que
Azeredo Lopes tomou conhecimento da investigação paralela e clandestina da PJM,
bem como das reais circunstâncias em que o ‘achamento’ do material de Tancos
tinha ocorrido, e ainda da existência de um acordo que tinha que ser
cumprido"
Juiz Carlos Alexandre
Isso teria acontecido, segundo
eles, depois de divulgado o comunicado da PJM a anunciar a descoberta do
material furtado através de um relato que não correspondia à verdade.
A série de encontros mantidos com
o coronel Luís Vieira, escreve o juiz Carlos Alexandre sobre o ex-ministro, “permitiu-lhe
acompanhar o desenrolar da investigação paralela, realizada pela PJM”.
“Inevitável se torna concluir que
Azeredo Lopes tomou
conhecimento da investigação paralela e clandestina da PJM, bem como
das reais circunstâncias em que o ‘achamento’ do material de Tancos tinha
ocorrido, e ainda da existência de um acordo que tinha que ser cumprido”,
insiste o magistrado, referindo outros indícios como, por exemplo, o
conhecimento de que a descoberta do material estava “iminente” pelo seu chefe
de gabinete.
Contactado, Germano
Marques da Silva, professor catedrático de Direito Penal e advogado de José
Azeredo Lopes, disse ao PÚBLICO não querer reagir ao teor do despacho enquanto
não o receber. “Ainda não o recebi, nem em papel nem por e-mail para o
escritório”, justificou.
No documento de mais de 400
páginas, Carlos Alexandre insurge-se contra o facto de o ex-director da
investigação criminal da PJM, coronel Manuel Estalagem, ser implicado no
esquema ilícito em interrogatórios de alguns arguidos, não havendo, segundo
ele, qualquer motivo para tal.
O magistrado também se indigna
com as alegações de uma parte da defesa de que a PJ teria recorrido a acções
encobertas nesta investigação que culminou na acusação de 12 militares, com a
ajuda de um eventual colaborador, suspeito ou acusado noutros crimes, Paulo
Lemos, conhecido
por “Fechaduras”.
"Fechaduras” sem culpas
Carlos Alexandre também iliba,
sem qualquer margem para dúvidas, este homem, a quem o principal assaltante, João
Paulino, pediu ajuda para abrir os paióis. Neste contexto, Paulo Lemos
apenas assumiu “um papel secundário ou meramente acidental, na medida em que a
execução do plano exigia que fossem ultrapassadas as barreiras físicas das
portas que impediam o acesso ao interior dos paióis a assaltar”, refere o juiz.
E, então, o que “Fechaduras” faz
é apenas “explicar a João Paulino o método e a ferramenta a utilizar para
estroncar as fechaduras dessas portas”.
“Nunca Paulo Lemos teve um
domínio do facto, nunca dele tendo dependido se e como aconteceria a
realização” do assalto. O seu conhecimento meramente “técnico favorecia a boa
execução do plano criminoso” e, precisamente por não querer participar” no
plano, “partilhou esse know how com o
arguido João Paulino”, conclui o juiz.
Ana Dias Cordeiro | Público | Imagens: 1 - António Pedro Ferreira, em Expresso; 2 - Paulo Novais / Lusa
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