Serão
a ética e moral valores primordiais para o exército? Há militares que têm sido
frequentemente acusados de abusar da população. Mas há quem entenda que a má
atuação resulta de descoordenação institucional.
Saques,
brutalidade, discriminação, desrespeito por parte de quem jurou defender a
população e a pátria são apenas alguns dos abusos denunciados crescentemente
pela população de Cabo Delgado, no contexto da insurgência.
As
vítimas têm exposto as transgressões das Forças de Defesa e Segurança (FDS)
tanto nas redes sociais, como na imprensa.
"Vivo
com um colega, [certa vez] eu estava a cozinhar e ele saiu para comprar
refresco e foi interpelado pelas FDS, foi interrogado para saber de onde saía e
para onde ia. Ele disse que ia comprar algo em falta em casa, a cerca de 10 metros de distância da
nossa casa. Pediram-lhe o documento de identificação, ele não tinha. Ligou-me e
eu fui para lá com o documento dele, mas mesmo assim exigiram
"refresco" [suborno], revela-nos em anonimato um ex-residente de
Macomia, um dos distritos preferenciais dos insurgentes.
E
o denunciante recorda ainda que nem se quer "foi decretado o recolher
obrigatório, mas vezes sem conta na calada da noite se você é encontrado [pelas
FDS] é obrigado a cumprir com tudo o que eles quiserem".
Excesso
de zelo, relativizam alguns. Por outro lado, vozes mais sonantes acreditam que
as penosas condições em que opera o exército estarão a motivar tal
perversidade. Contudo, os militares têm uma liderança, o que faz ela? Estará o
exército regular descontrolado ou descomandado?
Para
o bispo de Pemba, dom Luís Fernando Lisboa, "não é possível esperar um
caso, uma denúncia para que possamos fazer alguma coisa. Se há algum exagero ou
descontrole por parte das autoridades, nós sabemos que há denúncias. É preciso,
de facto que sejam denunciados, porque as autoridades, incluo as FDS, devem ser
os primeiros a respeitarem os direitos humanos".
E
o líder religioso apela: "Precisamos de uma força que tenha respeito pela
população. E para nós exigirmos respeito precisamos também dar o respeito. Nós
esperamos das FDS respeito pela população, que façam o seu trabalho sem
desmandos e sem descontrole, porque isso pode aumentar ainda mais o sofrimento
dessa guerra".
"Abusos
mostram claramente a descoordenação institucional"
Embora
o Presidente da República, Filipe Nyusi, já tenha condenado os desvios comportamentais
do seu exército, os abusos não cessam.
"Isso
é path dependent [dependência de trajetória]. No conflito dos 16 anos parte dos
abusos foram perpetrados pelas FPLM, houve aldeias e colunas (de viaturas)
atacadas pelas FPLM", lembra Adriano Nuvunga, diretor do Centro para
Democracia e Desenvolvimento.
Para
o pesquisador, "não surpreende este tipo de abusos [em Cabo Delgado ], mostra
claramente o desalinhamento, a descoordenação institucional entre as altas
hierarquias e os comandos mais operacionais na questão do conflito em cabo Delgado. É uma
questão de desacerto sobre como se aborda o conflito em Cabo Delgado. "
Ainda
do palco dos confrontos chegam relatos de que parte da violência das FDS é
contra populares que supostamente dão guarida aos insurgentes e guardam o seu
material de guerra.
Mesmo
que se comprove, o comportamento das FDS representaria uma gritante violação
dos direitos humanos. É sobejamente sabido que o medo pode determinar o apoio
dos populares, e mesmo que o apoio aos insurgentes seja por simples convicção,
não deixaria de constituir crime.
Qual
é a importância da ética e moral para as FDS?
Contudo,
há aqui fatores subjetivos que, ao que tudo indica, estariam a ser
transgredidos: a ética e a moral, valores, em princípio, intransacionáveis. É
possível, depois do caldo entornado, passar valores a um exército de barriga
vazia?
"Em
relação a desmoralização eu não posso dizer nada porque desconheço",
afiança o bispo de Pemba, para depois sublinhar: "Agora, todo o grupo que
tem um papel na sociedade, ele precisa de ser bem preparado, porque se não ele
não cumpre bem a sua missão".
Entretanto,
o líder religioso revela: "Nós como igreja temos na Universidade Católica
um departamento de ética, cidadania e desenvolvimento. Já oferecemos as
autoridades, inclusive ao comando da polícia e das FDS, que estaríamos a
disposição para orientarmos em termos de ética e cidadania as FDS e polícia."
Nádia
Issufo | Deutsche Welle
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