Banco
vendeu e emprestou o dinheiro a quem comprou. Quem? Não se sabe. Fundo de
Resolução cobriu perdas de centenas de milhões
No dia 8 de Novembro de 2017, uma quarta-feira, António João Barata da Silva Barão, engenheiro de formação e pintor, que fundou e dirige a tertúlia artística Parlatório, em Lisboa, e a sua companheira, Ana Paula da Costa Lapa, registaram cinco sociedades imobiliárias de uma só vez. Todas com a mesma morada onde já tinham muitas outras, na loja 19 do Shopping Columbia, na Avenida Júlio Dinis, n.º 14, perto do Campo Pequeno, em Lisboa.
Cada
um ficou com 50% das quotas das imobiliárias, mas António ficou como gerente
de todas. Não que isso lhe viesse a ocupar muito tempo. Apesar do boom nos
preços do imobiliário em Lisboa, daquelas cinco sociedades que criaram só uma
registou uma venda, no valor de 200 euros. As outras acabaram o ano a zero.
Cinco
dias antes deste registo em Lisboa, nas distantes ilhas Caimão, mais
concretamente no Cayman Corporate Centre, número 27 da Hospital
Road,
Para reforçar o anonimato e para pagar ainda menos impostos do que nas Caimão (um dos mais conhecidos “paraísos fiscais” do mundo), o hedge fund atravessou o Atlântico e registou, no dia 11 de Dezembro, no Luxemburgo, uma sociedade de responsabilidade limitada, chamada AIO VI S.a r.l., com sede na Avenue J.F. Kennedy, 43.
Para
completar esta história, que parece não ter qualquer tipo de coerência, o fundo
das Caimão ordenou à sua filial do Luxemburgo, no dia 8 de Outubro de 2018,
que comprasse as cinco sociedades imobiliárias lisboetas a António Barão e Ana
Paula Lapa.
Dois dias depois desse negócio, fechou-se o círculo destas entidades, menos de um ano depois de terem sido criadas. A venda, pelo Novo Banco, anunciada no dia 10 de Outubro de 2018 à CMVM, de 5552 imóveis e 8719 fracções às sociedades lisboetas, detidas pela sociedade luxemburguesa, que, por sua vez, pertence ao fundo de investidores anónimos nas ilhas Caimão.
Uma
“pechincha”
Este
foi o maior negócio imobiliário realizado em Portugal nos últimos anos, e o
segundo maior da Península Ibérica. Teve até um nome de código, atribuído pelo
Novo Banco: Portfólio Viriato. Foi, também, um negócio sui generis. As casas e
os terrenos — cerca de metade das quais habitações residenciais — foram
vendidos muito abaixo do preço por que estavam avaliados. Valeriam, nas contas
do banco, 631 milhões de euros. Foram vendidas por 364 milhões.
“Uma
pechincha”, criticou a deputada Helena Roseta, no seu último discurso no
Parlamento, no dia 13 de Março de 2019. Aí, a deputada independente do PS (que
foi criticada por responsáveis da sua bancada) sugeriu que aquelas casas,
àquele preço, podiam servir melhor os propósitos do Estado. “Já que, directa ou
indirectamente, somos todos chamados a pagar para manter a con fi ança dos
depositantes e a estabilidade do sistema fi nanceiro, já que a nacionalização
do Novo Banco foi descartada, por que não há-de o imobiliário não estratégico
do Novo Banco fi car na posse do Estado?”
Esse
não é, contudo, o corolário da história. É que o valor das casas causou apenas
um prejuízo, contabilístico, no balanço do Novo Banco. O diferencial de preços,
entre o seu valor estimado e o valor real da venda, foi colmatado por uma ajuda
extra. O Fundo de Resolução, criado em 2012, que auxiliou a resolução do BES,
compromete- se a injectar dinheiro sempre que as contas do
Novo
Banco fi quem ameaçadas. Foi o que aconteceu neste caso concreto. O Novo Banco
pediu que o Fundo de Resolução cobrisse parte das perdas que teve no negócio —
cerca de 260 milhões de euros.
As
hipotecas ainda são do Novo Banco
Mas
as contas do Novo Banco tiveram outros impactos, desconhecidos até agora. O
sucessor do BES vendeu os imóveis, registou as perdas, recebeu uma compensação
por elas, mas ainda emprestou o dinheiro com que o hedge fund das Caimão
comprou as suas casas e terrenos.
O
fundo comprou milhares de casas em Portugal e Espanha, a um preço baixo, e não
arriscou os mais de mil milhões de dólares dos seus investidores porque a
compra que fez ao Novo Banco foi garantida por um empréstimo do próprio banco
vendedor. Se, por absurdo, o fundo não conseguir vender uma única casa do
pacote Viriato, o dono das hipotecas continua a ser o Novo Banco, como pudemos
testemunhar no registo predial destes imóveis, em que as casas são dadas
como“garantia de contratos financeiros concedidos” às empresas que os compraram.
O risco deste negócio para o fundo das Caimão é próximo do zero. O Novo Banco ainda não deixou de ser dono das casas, uma vez que é credor de uma hipoteca gigante, de centenas de milhões de euros.
Nada disto é ilegal. As regras criadas para a resolução do BES — e a criação de um “banco bom”, suportada pelo Estado e pelo conjunto dos outros bancos, em teoria — exigem que o Novo Banco venda “activos problemáticos”, como o “excesso” de imobiliário, e permitem-lhe anular o risco dos compradores, atribuindo-lhes financiamento a crédito. O Novo Banco explica-nos isso mesmo, nas respostas às nossas perguntas: “A concessão de crédito às entidades compradoras é uma prática internacional de mercado (Vendor Finance) que visa optimizar as condições de venda e financiamento na venda de portefólios de REO (Real Esta te Owned), considerando o mesmo o‘ princípio de plena concorrência’.”
Paulo Pena | Público
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