José
Soeiro | Expresso | opinião
A
sessão legislativa acabou com a medida simbólica que se conhece: o fim dos
debates quinzenais (a que se somou a limitação do direito de petição), acordado
“em conversas” entre António Costa e Rui Rio. O empobrecimento da capacidade de
escrutínio do Parlamento partiu os próprios partidos proponentes, pelo sinal
que dá, altamente negativo, de desapego ao debate e ao confronto democrático e
à fiscalização do Governo. A discussão de hoje do “Estado da Nação”, que
encerra o trabalho do Parlamento antes das férias, é um preâmbulo das escolhas
que terão de fazer-se já a partir de setembro. Entre os fundos europeus e a
preparação do próximo Orçamento, o tempo que se segue é de definição de
respostas estratégicas para a fase seguinte. Dou dois exemplos de opções definidoras
que estão em cima da mesa.
Equilíbrio
no apoio à economia: empresas com lucros devem poder despedir?
Nos
últimos meses, o Governo injetou milhões de euros na economia por via do apoio
às empresas. É consensual a necessidade de ter medidas de proteção do emprego e
de financiamento da economia em tempos de paragem. Mas o principal instrumento
a que o Governo recorreu, e que agora quer prolongar – o lay-off –, tem sido
altamente desequilibrado. Por quatro razões principais: i) o financiamento das
empresas não teve como contrapartida a manutenção do emprego, no que aos
trabalhadores precários diz respeito, protegendo apenas, e por um período
limitado, os vínculos efetivos; ii) ele significa um corte de rendimento com
óbvios efeitos sociais e económicos, porque a redução de 1/3 de salário
penaliza os trabalhadores e conduz a um encolhimento da economia; iii) há uma
gritante desigualdade no modo como a medida trata o trabalho e o capital: as
empresas ficam dispensadas, por exemplo, de uma parte das contribuições à
segurança social; já os trabalhadores, além de terem a redução de salário,
mantêm integralmente a sua parte de contribuição; iv) a simplificação do
lay-off deu azo a uma vaga de abusos laborais, que o Governo não preveniu no
modo como desenhou a lei e que a inoperacionalidade da Autoridade para as
Condições de Trabalho não trava, gerando-se um sentimento de impunidade
generalizada.
Os
sacrifícios imputados a quem trabalha contrastam com a ausência de contribuição
exigida às empresas que acumularam lucros. Num contexto em que se mobilizam
milhões de dinheiro público para o apoio às empresas e em que centenas de
milhares de trabalhadores sofrem cortes salariais e desemprego, como não se
exigiu ainda que as empresas com lucros estejam proibidas de despedir? É uma
medida elementar de sensatez e de justiça.
Proteção
social: a máxima de “não deixar ninguém para trás” é para levar a sério?
A
pandemia revelou os efeitos da precarização das relações de trabalho, que o PS
não quis inverter até agora. António Costa parece reconhecer o problema: “Esta
crise pôs em evidência as fraturas profundas da nossa sociedade e o preço que
pagamos pela excessiva desregulação de tudo aquilo a que nos habituamos a
chamar de mercado de trabalho“. Foram declarações, no início deste mês, na
Cimeira Global da Organização Internacional do Trabalho sobre o impacto da
Covid-19 no mundo laboral. O primeiro-ministro foi mais longe, declarando que
“deixar desprotegidos em tempos de prosperidade é deixar absolutamente sem
proteção em tempos de crise”. Mas foi precisamente essa a escolha que o PS fez
na anterior legislatura.
Garantir
agora a proteção social implica combater a precariedade, fazer uma alteração
estrutural à proteção no desemprego e ter uma proteção social que permita às
pessoas sair da pobreza. Ora, as prestações de desemprego, que na última década
foram reduzidas em valor e em duração, cobrem hoje apenas cerca metade dos
desempregados. E nem os cortes de 2010 (quando o subsídio de desemprego deixou
de ter como limiar mínimo o salário mínimo nacional) e de 2012 (a redução
drástica na sua duração) foram eliminados.
É
certo que houve apoios temporários criados no Orçamento Suplementar, a que o
Governo resistiu, mas que o Parlamento acabou por aprovar. Mas estes apoios,
além de temporários, têm um problema de fundo: nenhum deles tem sequer como
referência o limiar de pobreza. O subsídio social de desemprego tem um valor
que é 150 euros abaixo do limiar de pobreza. O novo apoio aos trabalhadores
informais e às trabalhadoras do serviço doméstico está muito aquém do limiar de
pobreza. E até as medidas que já vêm de trás, como o RSI e Complemento
Solidário para Idosos, têm valores que não chegam ao limiar de pobreza. Vamos
continuar com remendos temporários que condenam as pessoas apoiadas a
permanecer na pobreza, ou estamos dispostos a fazer a transformação estrutural
que se exige neste domínio?
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