Lares de idosos não têm de ter
médicos por lei, apenas enfermeiros. Mas a ministra da Saúde determinou em
Abril que os idosos com covid-19 que não necessitam de internamento hospitalar
fossem acompanhados por médicos dos centros de saúde. Enfermeiro diz que lares
são “terra de ninguém”
O presidente da União de
Misericórdias Portuguesas (UMP), Manuel Lemos, disse esta segunda-feira que
“médicos do centro de saúde do Barreiro” se terão “recusado a dar apoio” no lar
de idosos São João (da Santa Casa da Misericórdia local), onde um surto de covid-19
infectou mais de meia centena de utentes e funcionários e provocou três mortes
no início deste mês. A revelação foi feita à saída de uma
reunião com o bastonário da Ordem dos Médicos (OM), Miguel Guimarães, na
sequência da polémica gerada pela auditoria da instituição ao surto de covid-19
do lar de idosos de Reguengos de Monsaraz, onde quase todos os utentes ficaram
infectados e 16 morreram.
“Os médicos [do centro de saúde
do Barreiro] não explicitaram as razões para a [alegada] recusa. Foi a
provedora da Santa Casa de Misericórdia do Barreiro que nos comunicou
a situação na semana passada e nós não queremos ser acusados do crime de
omissão de auxílio”, afirmou Manuel Lemos, que explicou que pediu a reunião com
Miguel Guimarães para lhe fazer um apelo — o de “sensibilizar” os
profissionais para que “não deixem as pessoas sem médicos nos lares das
misericórdias”. E isto porque a alternativa seria “transferi-los para os
hospitais” onde correm maiores riscos.
“Não sei de nada” sobre o caso do
Barreiro, reagiu o bastonário Miguel Guimarães, defendendo que essa situação
tem que ser enquadrada e esclarecida. “Os médicos de família estão a fazer um
trabalho extraordinário” que passa por seguir milhares de doentes com
covid-19 que não necessitam de internamento hospitalar, frisou.
Os lares de idosos têm ou não de
ter médicos?
Por lei, os lares de idosos não
são obrigados a ter médicos, apenas enfermeiros – um enfermeiro por cada 40
utentes, ou um por cada 20, no caso de estes serem idosos com dependências,
explicou ao PÚBLICO Sérgio Branco, presidente da Secção Regional do Sul da
Ordem dos Enfermeiros. Mas nem esta obrigação é cumprida muitas vezes, afirma.
“Há lares que têm um enfermeiro para cem utentes”, diz Sérgio Branco, que
lamenta que as residências para idosos não sejam periodicamente fiscalizadas.
São “terra de ninguém” — a saúde diz que a tutela é da Segurança Social
porque os lares de idosos são estabelecimentos residenciais, não de saúde,
enquanto a Segurança Social alega que o que está em causa na pandemia de
covid-19 são cuidados de saúde, acentua.
Foi por causa desta “confusão
toda sobre a presença dos médicos nos lares de idosos” que Manuel Lemos achou
melhor ter “uma conversa institucional” com o bastonário da Ordem dos Médicos.
“As misericórdias e os médicos têm uma relação de parceria que
funciona há mais de 520 anos e não faz sentido que por causa de um vírus não
nos entendamos”, afirmou. O presidente da UMP lembra que o compromisso que
o Estado assinou com o sector social para 2019/2020 diz “claramente que
incumbe ao Ministério da Saúde assegurar a presença de médicos de família nas
estruturas residenciais para idosos”. “Está lá, preto no branco. E nós avisámos
logo no início da pandemia que alguns médicos estavam a desertar.”
Em 24 de Abril passado, a
ministra da Saúde determinou, por despacho, que os doentes com covid-19 residentes
em lares e cuja situação clínica não exija internamento hospitalar passavam a
ser acompanhados diariamente pelos médicos de família e pelos enfermeiros dos
respectivos agrupamentos de centros de saúde, em articulação com os hospitais
da sua área de referência.
Foi a resposta à UMP e
à Confederação Nacional de Instituições Particulares de
Solidariedade Social (CNIS) - que avisaram que os
idosos e as pessoas com deficiência podiam ter que vir a ser retirados dos
lares, por causa da escassez de funcionários e da falta de preparação para
lidarem com o novo coronavírus.
Alexandra Campos | Público
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