#Publicado em português do Brasil
Como funcionam as “fábricas de
ativismo” da ultradireita. Quem são os jovens financiados por bilionários que
querem moldar a política da região a seus interesses. Por que sua ação almeja
destruir a ideia de Estado, a começar pelas escolas públicas
Carolina Rieger Massetti Schiavon
e Katya Braghini | Outras Palavras
Há uma rede multidimensional de
instituições e grupos políticos que difundem o ideário “libertariano”, atuando
sobre a formação de jovens. Nessa rede, os jovens são vistos como novas
lideranças empreendedoras, perfeitos na operação de modificações estruturais na
sociedade, entre elas, a alteração de fundamentos republicanos de forma ampla e
a mudança no funcionamento da educação pública, de forma específica.
O mote desse grupo é alterar a
noção de “educação como direito” e tornar a noção de “educação como mercadoria”
um senso comum. Agem, principalmente, por dois meios: primeiro, disseminando a
desconfiança em relação à escola pública e os seus professores, acusando-os de
fabricar ideologias, instigando uma cultura da delação; segundo, disseminando a
adoção de vouchers em larga escala, a gestão privada de aparelhos públicos,
defendendo a liberação do homeschooling, e até mesmo o unschooling,
que é o direito de não escolarização. Segundo o ideário libertariano, crianças
que não podem ir à escola são melhor aproveitadas no mundo do trabalho.
Os libertarianos hasteiam a bandeira
da liberdade, porém o termo é usado como sinônimo de livre mercado. Fazem a
defesa radical da liberdade individual, o que eventualmente pode ter relação
com a liberação do aborto, a liberação das drogas, em nome das liberdades
sexuais etc. Mas o que está claro é o manifesto em nome do “indivíduo”. Da
vontade do indivíduo emana todo o poder social. Aborto, drogas, sexo são temas
secundários quando se pensa que o indivíduo é a célula primeva da sociedade.
Pensar as cadeias de interdependências entre o indivíduo e o coletivo, é
impossível pela mentalidade desses quadros. Para eles, a sociedade é a
somatória absoluta de elementos únicos, separados por vontades e mérito.
Frequentemente, os libertarianos
fazem aliança com grupos conservadores, são aqueles que se descrevem como
“liberais no que diz respeito à economia e conservadores no que diz respeito
aos costumes”. Por exemplo, no caso da expansão do homeschooling, fazem
estreitas alianças com grupos religiosos que militam por escolarizar as
crianças em casa aos moldes dos valores de suas religiões, na esmagadora
maioria das vezes de orientação cristã, muitas vezes promovendo o negacionismo
científico e revisionismos históricos que relativizam violências.
Como pensam e agem pela primazia
da propriedade, partem da ideia de que o corpo é a nossa primeira propriedade e
daí derivam seu axioma, de que o individualismo e a propriedade capitalista é
fundada pela natureza ou por Deus. E a partir dessa ideia são disseminados os
valores contrários aos movimentos sociais com seus interesses coletivos e
comunitários. Pregam esse espírito de pureza do elemento individual que não se
deixa levar pelo fracasso das utopias. A vida é pensada na rusticidade da
competência de cada um de nós, separadamente, desconsiderando os processos
históricos de acumulação. Libertarianos simplesmente não se envergonham de
serem ingratos com os pais, professores, amigos, seus possíveis formadores, e
não compreenderem absolutamente nada sobre cultura.
Esse ideário é financiado por uma
plutocracia bilionária.
Os irmãos Koch podem ser
entendidos como um ponto de partida para compreender a organização estratégica
e os modos de financiamento na construção histórica de uma rede com programa
expansionista desse ideário político-social.
Por uma perspectiva histórica,
entende-se que a rede plutocrática da família Koch se inicia com o avô, Harry
Koch, seguida pelo pai, Fred Koch, e os irmãos, David e Charles Koch. O avô
adquiriu um monopólio da mídia em sua cidade. Fred Koch introduziu a família no
universo dos think tanks. Herdeiros da Koch Industries, empresa do ramo
petrolífero, os irmãos Koch vêm multiplicando seu patrimônio desde então, hoje
avaliado em mais de 100 bilhões. Eles atuam em diversos segmentos de produção,
desde steak para ração, a derivados de petróleo em geral, como botões
para equipamentos eletrônicos, tapetes e etc.
Trata-se de uma história
escalonar que conta sobre o aumento do patrimônio financeiro, o aumento da
difusão ideológica, presa ao enriquecimento e a meritocracia, concentrando
esforços no sentido de moldar a mentalidade social. Mas não é só na atuação
industrial e de comunicação que os Koch vêm expandindo e se diversificando como
instituição.
Em 1992, Charles Koch fez uma
declaração ao National Journal, dizendo que o seu conceito geral de vida
“é minimizar o papel do governo e maximizar o papel da economia privada e
maximizar as liberdades pessoais“ii,
justificando a sua ação direta, filantrópica, para diferentes instituições “sem
fins lucrativos” de modo a ampliar os efeitos da ideia de supervalorização do
indivíduo e da economia privada. Desse modo os irmãos Koch promovem a sua visão
de mundo com muito dinheiro em uma série de projetos e instituições,
principalmente de cunho educativo.
A John Birch Society (JBS) que,
entre outras coisas, busca na Bíblia argumentos para se opor à democracia,
difunde teorias da conspiração e apoia o homeschooling do tipo cristão,
foi o think thank de estreia da família Koch. Trabalharam junto ao
Libertarian Party (LP), tentativa frustrada de ingresso dos irmãos na política
partidária, quando David Koch concorreu como candidato a vice-presidente de Ed
Clark, com propostas de desregulamentação para todos os setores sociais, para
avançar na minimização do papel do estado na economia. O cargo eletivo direto,
plano inicial, passou a ser secundário quando perderam a eleição, e perceberam
na juventude o melhor caminho para difundir seu ideário, pensando em uma
formação libertariana desde as bases. E o caminho foi permear os centros de
pesquisa, as universidades com thinks tanks produtoras de
conhecimento e financiadoras de ações, com o objetivo de estabelecer uma nova
subjetividade.
Partiram à “guerra de ideias”
para fomentar a desconfiança concernente ao Estado e agir pela educação passou
a ser um dos principais caminhos do programa. A educação não é apenas um meio
para se ganhar dinheiro, um negócio. A escola pública, republicana, entendida
como tecnologia emissora de ideais, conceitos e valores acabou se transformando
no principal mecanismo de estruturação neoliberal pela visão desses sujeitos.
Por isso é muito comum encontrar
financiamento deste grupo no ensino superior em diferentes países. As think
tanks dos irmãos Koch financiam departamentos de pesquisa e bolsas de
estudo que buscam de soluções para questões sociais orientadas pela defesa do
livre mercado e produzem conhecimento sobre empreendedorismo, privatização e a
“filosofia da liberdade”. Chamados de filantropos, pagam por análises
conjunturais por essa perspectiva, treinando pessoas para a replicarem,
produzindo pesquisas nas áreas das ciências humanas, econômicas e na formação
docente. Existe, inclusive, consultoria para acadêmicos, que queiram orientar
suas publicações, afinando-se ideologicamente por referências bibliográficas
interessadas em contabilizar as menções a autores libertarianos.
Impetuoso na década de 1970, o
movimento de expansão libertariana se concretiza por meio de um golpe de estado
e posterior instauração da ditadura no Chile. Naquele momento, intelectuais
orgânicos da Mont Pelerin Society (MPS), fundada pelo economista Friedrich
Hayek, produtores das ideologias distribuídas pelos think tanks mantidos
pelos Koch, participaram ativamente da construção do novo regime. Libertarianos
recorrem ao estado máximo no que tange à repressão, ao uso de recursos como
golpes de estado e lawfare, para evitar o que entendem como “excessos
democráticos”.
Para Hayek, “a democracia
ilimitada traria resultados tão ruins que seria necessário um período de
transição com uma ditadura, para que a sociedade tivesse assegurada sua
liberdade individual e assim, pudesse voltar para um sistema democrático com
regras e restrições ao poder governamental”. Isto é, o economista defendeu a
necessidade de uma “ditadura transicional”, ao falar sobre o regime de
Pinochet, no Chile, onde teve papel relevanteiii.
E a educação foi usada como meio para o estabelecimento do regime,
instrumentalizada à implantação dos instrumentos neoliberais de educação
(1980-1988), para garantir a fase seguinte, o “consenso privatizador”
(1988-1990)iv.
Por reunirem alguns fatores como
garantirem maior longevidade ao ideário, os jovens são vistos como sujeitos
principais da ação libertariana. Nas palavras de Frank Chodorovv,
na década de 1950, “O individualismo pode ser revivido implantando-se as ideias
já nas mentes das gerações vindouras… É, em suma, um projeto de cinquenta anos”vi.
Além disso, a juventude, passa ares de inovação ao movimento.
Desde então, a América Latina vai
sendo desbravada, de modo a formar um contingente libertariano juvenil
importante. Por meio de militância e intercâmbio de jovens, a rede se expande.
Atualmente, as doações dos Koch afluem por meio da Atlas Network e do Students
for Liberty (SFL), dentre outras instituições. O SFL é a maior organização
estudantil “pró-liberdade” no planeta. Está sediado na Virgínia, tem um grande
número de sucursais pelo mundo. Sua missão é “educar, desenvolver e empoderar a
próxima geração de líderes da liberdade”, num modelo único de educação. No
Brasil, o número de parceiros não para de crescer, atualmente são 15, de acordo
com o site da Atlasvii.
Um exemplo que interliga educação
e juventude a maneira libertariana é o Gloria Álvarez, militante guatemalteca
que ganhou popularidade no final de 2014, quando o vídeo de sua fala, na sua
exposição durante o parlamento Ibero-americano da juventudeviii,
viralizou nas redes sociais. No referido vídeo, a militante ataca o que chama
de “populismo” na América Latina, reiterando afirmações que desenvolveu ao
longo de sua formação na Universidade Francisco Marroquín (UFM). A UFM é uma
universidade que segue os princípios libertarianos, única do mundo que há mais
de três décadas forma seus alunos na “filosofia da liberdade”. Segundo eles, a
ideia é combater o “vitimismo” latino-americano dependente do populismo de todo
governo que se proponha a garantir direitos sociais.
Álvarez afirma que o “livre
mercado é o remédio para todos os males”. Diz que nenhum habitante do planeta
está livre do egoísmo. A musa libertariana se opõe a tudo o que é público,
reafirmando que todo político luta por interesse próprioix.
Ironicamente, tornou-se presidenciável em 2019, pleiteando um cargo público,
talvez tendo em vista o cumprimento dos seus próprios objetivos.
Essa jovem também atuou de
maneira intensificada, no Brasil, durante as manifestações de oposição à
presidenta Dilma Rousseff. Financiada por fundações latino-americanas parceiras
da Rede Atlas, Álvarez foi à Avenida Paulista discursar a favor do impeachment,
no palanque do grupo “Vem pra Rua”x,
paramentada com a bandeira do Brasil estampada na camiseta. Há sucursais da
Atlas Network espalhadas por toda América Latina.
Em 1 de abril de 2015, a Atlas publicou uma
matéria elogiando a atuação do Movimento Brasil Livre (MBL), dizendo que havia
um parceiro da Atlas Network e do Students for Liberty, estrela libertária em
ascensão à frente do movimento. Este é Kim Kataguiri, um dos líderes que passa
a aplicar o que aprendeu no terreno onde vive e trabalhaxi.
Para atuar nas manifestações que
ficaram conhecidas como Jornadas de Junho, em 2013, membros do “Estudantes pela
Liberdade” (EPL) forjaram a marca MBL, porque como membros de instituições
mantidas por doações estrangeiras, eles não poderiam atuar diretamente na
política brasileira. Entretanto, como a marca ganhou projeção nacional, foi
reaproveitada para atuar nas manifestações de oposição ao governo petistaxii.
E, como sabemos, foi peça importante na difusão do antipetismo.
De acordo com a Reason TV,
da Reason Foundation, think tank parceiro da Atlas, a deposição da
presidenta teria fracassado sem a força propulsora do MBL. Não parece
coincidência que essa rede de quadros juvenis esteja tão apegada ao processo de
impeachment, estimulando a espetacularização do rito. Inclusive,
aproveitando-se da pauta de procedimentos frequentemente chamada de
“pós-verdade”.
Steve Tesich que, ao que tudo
indica, foi um dos primeiros sujeitos a empregar o termo em 1992, explica que a
novidade deste fenômeno social é que “a verdade não é falsificada ou
contestada, mas passa a ser de importância secundária”. Isso é, há de se
compreender que um coletivo juvenil brasileiro, o MBL passou também à história
como produtor de pós-verdade do tipo “libertariana”. Porque são notórios
produtores de desinformação replicando as mesmas pautas dos think tanks libertaristas.
No campo educativo, procuram destruir o projeto iluminista de escola pública,
tentando alterar a função da escola. No campo político, justificam o
neoliberalismo econômico, fazendo movimento em nome da remoção de entraves para
o seu avançar. No plano econômico, lutam pelas alterações das leis de
seguridade social e trabalhistas.
As ações do MBL chegam ao grande
remate dos Koch no campo social: financiar a produção de “movimentos
populares”. Essa tática foi desenvolvida pelo alto funcionário de Charles Koch,
Richard Fink, em sua tese “Structure of social changes”. O autor identifica a
necessidade de financiar ativistas, para vencer a “guerra de ideias” como em
uma linha de produção.
O que se vê claramente como
associação de ideias é sistematizado no primeiro Congresso Nacional do MBL em
2015. Vemos propostas que pregam pela reforma empresarial da educação; aliança
com movimentos conservadores, em busca da “Escola sem Partido”; movimentos de
destruição do ensino público. É oferecida à sociedade uma carta de produtos
como caminhos “para maior igualdade social e eficiência da escola”, embora já
exista uma profusão de pesquisas que concluem o contrário.
Não chega a ser problema para o
grupo ser arauto de um mundo em “concorrência universal”. Neste caso, a ideia
de que o “novo sempre vem” porque se é jovem, nos mostra que ser jovem não é
prerrogativa para ser progressista.
*Título original: Irmão
Koch, think tanks e coletivos juvenis
Notas:
i RIEGER,
Carolina M. S. Irmãos Koch, think tank, coletivos juvenis: a atuação da rede
libertariana sobre a educação. (Dissertação de Mestrado) São Paulo: PUC – SP,
Programa de Estudos Pós-graduados em Educação: História, Política, Sociedade, 2020. A pesquisa documental
se ampara em fontes primárias, majoritariamente digitais e mostra a
constituição da rede a partir de fundações, institutos, think tanks e
associados a eles, os coletivos juvenis. A internet foi estudada tanto como
território de amplificação desta rede, quanto repositório de documentação,
representada por sites institucionais, ações de formação de base, cursos,
estudos orientados, livros etc..
ii A
declaração de Koch também está disponível em <http://swampland.time.com/2011/10/03/bloomberg- investigates-the-koch-brothers/>
Acesso em 06 de outubro de 2019.
iii ANGELI,
Eduardo, JUNIOR, Henrique Nemeth. Hayek, Campos e a defesa do
autoritarismo. XXI Encontro de Economia da região Sul, ANPEC/SUL 2018.
Universidade Federal do Paraná. Disponível em: Acesso em 18 de fevereiro de
2020. (ANGELI e JUNIOR, 2018, p. 6)
iv INZUNZA
H, Jorge Luis. O Neoliberalismo nas Políticas Educativas no Chile: Da Imposição
ao Consenso. FACSO, Universidad de Chile. FOCO, ano 4, no5, jul/dez 2013,
p.61-76. Disponível em:
http://www.revistafoco.inf.br/index.php/FocoFimi/article/view/35 Acesso em 18
de fevereiro de 2020.
v Libertário
militante da cúpula do Freedom School foi Frank Chodorov, que na década de 1950
lançou o plano de cinquenta anos doando fundos para um projeto libertário que
tinha por alvo os estudantes universitários, o Intercollegiate Studies
Institute
vi Sobre
Frank Chodorov, disponível em: < https://www.libertarianism.org/encyclopedia/chodorov-frank-1887-1966>
Acesso em 23 de setembro de 2019
vii Parceiros
da Atlas Network no Brasil. Disponível em: https://www.atlasnetwork.org/partners/global-directory/latin-america-and-caribbean/brazil.
Acesso em 19 de agosto de 2020.
viii Fala
de Álvarez no parlamento Ibero-americano. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=xkYEXS16dZA Acesso
em 18 de agosto de 2020.
ix Fórum
da Liberdade em 14 de abril de 2015. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=wXR0pZ7YotA Acesso
em 16 de agosto de 2020.
x AMARAL,
Marina. Jabuti não sobre em árvore: Como o MBL se tornou líder das
manifestações pelo impeachment, in Por que gritamos golpe? Para entender o
impeachment e a crise política no Brasil. São Paulo: Boitempo Editorial, 1ª
ed., 2016 .
xi Artigo
sobre a atuação de Kim Kataguiri nas manifestações pela deposição e Dilma
Rousseff, disponível no seguinte endereço: <https://www.atlasnetwork.org/news/article/students-for-liberty-plays-strong-role-
in-free-brazil-movement> Acesso em 25 de janeiro de 2020.
xii Amaral,
Marina. A nova roupa da direita. Em Agência Pública , 23 de junho de 2015. Disponível
em: https://apublica.org/2015/06/a-nova-roupa-da-direita/.
Acesso em 18 de agosto de 2020.
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