terça-feira, 8 de setembro de 2020

Corrupção em Portugal, ou quando o crime compensa


Corrupção. Governo quer alargar período de afastamento de funções de políticos condenados e prazo de prescrição de crimes

A Estratégia Nacional de Combate à Corrupção propõe que “o regime da proibição do exercício de função, previsto no Código Penal, seja alterado no sentido da elevação do limite máximo”. O documento contempla ainda alterações relativas aos denunciantes, aos ‘megaprocessos’ e ao financiamento partidário, “nomeadamente em relação aos períodos eleitorais”

Os titulares de cargos políticos condenados pelo crime de corrupção podem ficar mais tempo impedidos de ser eleitos ou nomeados, contemplando-se uma pena acessória a somar à pena principal. Esta é uma das medidas previstas na Estratégia Nacional de Combate à Corrupção 2020-2024, cujas linhas gerais foram apresentadas na semana passada pela ministra da Justiça, Francisca Van Dunem. O documento, que foi disponibilizado esta segunda-feira, identifica sete prioridades para reduzir o fenómeno da corrupção em Portugal.

Aquela medida insere-se na quinta prioridade identificada pelo grupo de trabalho constituído para o efeito: “garantir uma aplicação mais eficaz e uniforme dos mecanismos legais em matéria de repressão da corrupção, melhorar o tempo de resposta do sistema judicial e assegurar a adequação e efetividade da punição”. No documento pode ler-se que “a adequação e efetividade da punição dos crimes de corrupção implica que o regime da proibição do exercício de função, previsto no artigo 66.º do Código Penal, seja alterado no sentido da elevação do limite máximo do período de proibição do exercício de função”.

Atualmente, segundo o ponto 1 daquele artigo, “o titular de cargo público, funcionário público ou agente da administração, que, no exercício da atividade para que foi eleito ou nomeado, cometer crime punido com pena de prisão superior a três anos, é também proibido do exercício daquelas funções por um período de dois a cinco anos quando o facto for praticado com flagrante e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes; revelar indignidade no exercício do cargo; ou implicar a perda da confiança necessária ao exercício da função”. A proposta do documento estratégico é alargar o período de proibição de eleição ou nomeação dos titulares de cargos políticos condenados.




SANÇÕES DISSUASORAS PARA DIVULGAÇÃO NÃO AUTORIZADA

Ainda no quadro da quinta prioridade definida e no ponto relativo aos ‘megaprocessos’, o documento refere que “deve fixar-se como regra a documentação das declarações das testemunhas, do assistente e das partes civis através de registo áudio ou audiovisual, registo este acompanhado de uma súmula das matérias sobre as quais incidiram”. A estratégia prevê igualmente “sanções dissuasoras para a divulgação não autorizada” e “com violação das regras de proteção de dados pessoais”.

Quanto aos mecanismos de proteção adequada dos denunciantes, “a denúncia passou a ser um instrumento autónomo de política criminal contra a criminalidade empresarial em geral e contra a corrupção em particular”, lê-se ainda na estratégia definida pelo Governo. O documento contempla igualmente uma alteração ao Código de Processo Penal que preveja “a possibilidade de celebração de um acordo sobre a pena aplicável, na fase de julgamento, assente na confissão livre e sem reservas dos factos imputados ao arguido, independentemente da natureza ou da gravidade do crime imputado”.

MAIOR EFICIÊNCIA NA PUBLICAÇÃO DAS CONTAS DOS PARTIDOS

Outras das medidas da estratégia incluem a promoção de uma publicação mais eficiente das contas dos partidos, nomeadamente em relação aos períodos eleitorais; o reforço da ação de fiscalização e responsabilização financeira feita pelo Tribunal de Contas; e o alargamento a outros crimes do prazo de prescrição de 15 anos, previsto no artigo 118.º do Código Penal.

A melhoria do conhecimento, formação e práticas institucionais em matéria de transparência e integridade; a prevenção e deteção dos riscos de corrupção no sector público; e o comprometimento do sector privado na prevenção, deteção e repressão da corrupção são outras das prioridades definidas. Além destas, são fixados como objetivos prioritários o reforço da articulação entre instituições públicas e privadas, a produção e divulgação periódica de informação fiável sobre a corrupção, e a cooperação internacional no seu combate.

O documento foi aprovado na passada quinta-feira em Conselho de Ministros e poderá ser consultado durante 30 dias, antes de seguir para votação no Parlamento. Na semana passada, a ministra da Justiça antecipou como uma das medidas propostas a celebração de acordos sobre a pena aplicável em julgamento, com base na confissão, embora a ministra negue tratar-se de delação premiada. Francisca Van Dunem realçou então que a “chave do problema” para enfrentar a corrupção está na prevenção por se entender que o sistema repressivo, por mais sofisticado que seja, é “insuficiente para diminuir seriamente o fenómeno”.

Hélder Gomes | Expresso

Na imagem: Ministra da Justiça, Francisca Van Dunem | José Sena Goulão / Lusa

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