Dez mortes num dia voltaram a fazer soar alarmes, mas há um dado que o pode ajudar a explicar. O grupo etário acima dos 80 anos é de novo o terceiro com maior incidência.
É entre jovens adultos na casa dos 20 e 30 anos que tem vindo a registar-se uma subida mais marcada dos casos de covid-19 no país, que o primeiro-ministro assumiu esta sexta-feira que na próxima semana poderão atingir o patamar dos mil casos por dia. A chegada da segunda onda é agora dada como certa por vários especialistas. O padrão, diferente do que aconteceu no início da epidemia, em que depressa começaram a ser atingidos os mais idosos, foi sublinhado esta semana pela Direção Geral da Saúde e dá maior margem de manobra no momento de desconfinar, reabrir escolas e manter o país a funcionar. Há no entanto indicadores que mostram que os contágios entre idosos também tem estado a aumentar. Desde o final de agosto, o número de novos casos registados semanalmente acima dos 70 anos de idade praticamente duplicou, acompanhando a subida de casos no país.
A tendência poderá ajudar a explicar o aumento do número de mortes que se registou nos últimos dias – esta semana, voltaram a registar-se 10 mortes por covid-19 no espaço de 24 horas, o que não acontecia desde julho, com oito das vítimas com mais de 80 anos. Para especialistas ouvidos pelo SOL, é importante reforçar a sensibilização entre a população mais idosa e cuidadores.
500 casos
Óscar Felgueiras, investigador do departamento da Matemática da Universidade do Porto, que faz a modelação da epidemia de covid-19 em Portugal desde março, considera que esse aumento será «quase inevitável» e ajuda a analisar a evolução em função da incidência de novos casos a 14 dias por cada 100 mil habitantes de cada grupo etário.
O gráfico (ao lado) mostra que a subida mais marcada dos casos tem acontecido nas faixas etárias dos 20 aos 29 e dos 30 aos 39 anos, onde se está agora acima do patamar que se atingiu em julho, quando a epidemia era dominada pelos casos na área metropolitana de Lisboa. Já os idosos acima dos 80 anos, no início do verão – marcado por surtos em lares e pelo caso de Reguengos de Monsaraz – eram o terceiro grupo etário com maior incidência.
Os casos diminuíram durante agosto e voltaram agora a subir para um patamar idêntico. Na faixa etária dos 70 aos 79 anos há também uma tendência de aumento, mas continua a ser a faixa etária com menos casos no país, seguindo-se as crianças dos zero aos nove. A próxima semana, em que poderá começar a ser visível algum impacto da abertura do ano letivo na transmissão da doença, permitirá perceber se há alterações neste grupo, mas notava-se também já um aumento dos casos jovens em idade escolar no final do período de férias. Um ponto de partida menos favorável para a prova dos nove do regresso às aulas presenciais de 1,2 milhões de alunos.
Proteger, proteger, proteger
Pedro Simas, virologista do Instituto de Medicina Molecular de Lisboa, que tem chamado a atenção para a necessidade de proteger os grupos de risco numa altura em que os casos terão tendência a aumentar, considera que o atual patamar de casos é normal, sobretudo tendo em conta que não existe uma tendência idêntica de aumento de internamentos, mas sublinha que importa vigiar estes indicadores. «O vírus está a circular e podemos dizer que estamos ainda com números considerados baixos. Podemos ter mais casos entre grupos mais jovens se conseguimos proteger os grupos de risco», reforça.
Simas chama a atenção para uma aspeto no gráfico: percebe-se que a subida de casos é mais acentuada na população em idade ativa e depois no grupo dos 80 anos, enquanto que na população entre os 60 e 79 anos a incidência não aumenta à mesma velocidade. Um sinal é positivo, outro dá uma pista: «Vermos uma subida semelhante à da população mais jovem na faixa etária dos 80 anos é preocupante. Sabemos que as pessoas com mais de 80 anos serão à partida mais dependentes, pelo que é preciso reforçar os cuidados em particular dos que são cuidadores», diz. Com maior circulação, o risco de ser infectado aumentará e a preocupação deve ser proteger os mais velhos, reforçando medidas com o distanciamento físico, o uso das máscara e a lavagem frequente das mãos.
O Governo reiterou ao longo da semana que também a resposta nos lares está a ser reforçada com a criação de brigadas distritais de intervenção rápida em lares que tenham casos e uma nova linha de apoio telefónico. «Se a doença se espalhar, serão os mais idosos a ser expostos», sublinhou ontem Marta Temido.
O SOL procurou perceber junto da DGS se há informação sobre em que contextos estão a aumentar as infeções entre idosos, mas não teve resposta até à hora de fecho. Nos últimos meses, cerca de 40% das vítimas mortais da covid-19 em Portugal eram residentes em lares.
Marta F. Reis | jornal i – 19.09.2020
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