sábado, 26 de setembro de 2020

Portugal | Inês, as vistas e os pobres

Inês Cardoso | Jornal de Notícias | opinião

As palavras de Inês de Medeiros sobre a "vista maravilhosa" dos bairros sociais de Almada já fizeram correr muita tinta por estes dias, com a presidente da Câmara a justificar que as suas declarações foram descontextualizadas.

Arrisco ainda assim voltar ao assunto, porque estamos a um ano das próximas eleições autárquicas, as máquinas partidárias vão começar a mexer-se e, nem que apenas num plano teórico ou utópico, vale sempre a pena discutir o que está em causa quando vamos às urnas.

As justificações posteriores de Inês de Medeiros estão carregadas da mesma arrogância, ligeireza e falta de empatia demonstradas na reunião de Câmara que originou a polémica. Tenta fazer crer que acredita na plena igualdade, mas todos sabemos, ao contrário do que afirma, que existem lugares para ricos e lugares para pobres.

Existem porque as políticas públicas a isso têm conduzido, porque socialmente nem sempre alinhamos práticas com discursos, e sobretudo porque o rendimento condiciona todas as escolhas de qualquer cidadão. Onde vive, como se desloca, a que horas chega a casa, o que tem para pôr na mesa ao jantar.

Se às vezes, quando nos referimos aos políticos, caímos numa perigosa clivagem entre "nós" e "eles" (perigosa porque facilmente deriva para uma generalização populista de que "eles" são todos iguais), é porque também muitos políticos fazem questão de acentuar as linhas que os dividem daqueles sobre quem decidem. Inês de Medeiros demonstrou total falta de respeito pelas dificuldades e vidas concretas de quem vive no Bairro Amarelo. E é disso, vidas concretas, que trata qualquer declaração ou decisão pública, mas esse é um alcance nem sempre fácil de medir por quem decide sentado num gabinete.

O poder local é o mais próximo dos cidadãos. Um autarca empenhado conhece e sente de perto os problemas das suas populações. E se nem sempre, sobretudo em territórios pouco populosos, um presidente de junta ou mesmo um presidente da câmara têm voz suficiente para serem ouvidos junto do poder central, são ainda assim a primeira linha de resposta e intervenção. De pouco vale aos partidos escolherem nomes sonantes, se depois estes usam de forma inútil a voz que têm.

*Diretora-adjunta

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