sábado, 26 de setembro de 2020

Portugal | Mais do que duplicam os pais que querem ensinar filhos em casa

No ano letivo passado, estiveram 561 alunos a aprender fora da escola. Este ano, associação MEL já ajudou 832 famílias

"Já soube o que é ter um filho a prazo e vou fazer tudo para o proteger". Carla Rocha resume, desta forma, a opção de, este ano, passar o filho para ensino doméstico por causa da pandemia. Francisco, de 11 anos, está no 6.º ano, teve leucemia aos três anos e meio e uma pneumonia há dois anos. Está longe de ser caso único. O Movimento Educação Livre (MEL) fez, desde julho e até ontem, 832 atendimentos a pais sobre a mudança para o Ensino Doméstico. No ano passado, incluindo outubro "que costuma ter muitos pedidos", frisa Sílvia Cópio, foram 386. Ou seja, a procura aumentou 115%.

No ano passado estavam inscritos 561 alunos do 1.º ciclo ao secundário. Menos 305 do que há dois anos, revelou ao JN o Ministério da Educação. A tutela não avança os dados deste ano "porque os números ainda estão a ser consolidados".

MEL e Associação Nacional de Pais em Ensino Doméstico (ANPED) garantem que às duas associações chegaram "quatro vezes mais pedidos de informação" sobre este modelo.

"Tem sido uma loucura, todos os dias recebemos mails de pais a pedirem ajuda", revela Alexandra Nascimento, da ANPED. A pandemia, o terceiro período em casa e a discordância quanto às regras aplicadas pelas escolas são os principais motivos para o disparar da procura, explicam.

"Não tomei esta decisão de ânimo leve. Foi extremamente ponderada", explica Carla, assegurando que a mudança será temporária. No próximo ano, se a pandemia o permitir, Francisco regressará à escola em Sintra. O seu maior receio não é o vírus mas as consequências e lesões da infeção. "Ainda ninguém nos explicou o que acontece a seguir".

O pedido já foi aceite pela escola, mas Carla aguarda a reunião para lhe ser atribuído o professor tutor que os irá acompanhar durante o ano letivo. No ano passado, enquanto as escolas estiveram fechadas, Francisco melhorou as notas. Por exemplo, "antes não sabia pôr os dedos na flauta e terminou o ano a tocar Mozart". O pai toca diversos instrumentos. O confinamento permitiu um maior acompanhamento, explica. "Houve pais que se aperceberam que, em casa, os filhos progrediram mais rapidamente por terem uma atenção mais direcionada e alguns ficaram seduzidos com essa possibilidade, de poderem gerir ritmos de aprendizagem e corresponderem mais aos seus interesses", explica Alexandra Nascimento.

As principais dúvidas dos pais prendem-se com a burocracia, apontam. O diploma em vigor desde o ano passado impõe que um dos pais ou encarregado de educação que viva com o aluno tenha, pelo menos, uma licenciatura. Um requisito, asseguram, que é um constrangimento para muitas famílias. A alternativa é o Ensino Individual mas, neste caso, as famílias têm de contratar um professor que se responsabilize pelo processo de ensino.

O pedido de transferência de matrícula pode ser feito durante o 1.º período. Muitos dos contactos recebidos pelas associações são feitos por pais que discordam do uso de máscaras no 2.º ciclo, da redução dos intervalos e dos alunos passarem demasiadas horas fechados nas salas de aula, com pouca distância entre eles.

Alexandra Inácio | Jornal de Notícias

Imagens: 1 - Francisco está no 6.º ano, teve leucemia aos três anos e meio e uma pneumonia há dois anos. Mãe não o quer expor ao risco - Foto: Paulo Spranger/Global Imagens; 2 - Ilustrativa

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