Miguel Guedes* | Jornal
de Notícias | opinião
Soa mesmo a eleitoralismo
socialista, esta nova normalidade do PS perder a sua vocação de poder por
altura das eleições presidenciais.
Um pouco como aquele tubarão de
oportunidade, com razões para se sentir amplamente saciado ou mais do que capaz
para ir à luta mas que prefere ficar à espera que a última presa lhe caia nas
mandíbulas para lhe afiar "aquele" dente. Sem candidato presidencial
em 2016 e sem candidato presidencial em 2021, eis o candidato-piloto-automático
do PS: Marcelo Rebelo de Sousa. O recente episódio na Autoeuropa entre
presidente e primeiro- ministro foi bem revelador: não houvesse limitação de
mandatos e assim poderia ser para sempre, não fosse Marcelo obrigado a assumir
o seu lugar político natural face à crescente demagogia à Direita e à marcação
ideológica à Esquerda. Resta saber se o fará ainda durante a campanha ou se
guardará o movimento de ajuste para o exercício do segundo mandato. As
sondagens ditarão.
A estranheza de ver o PS sem
candidato presidencial quando está no poder, ganha contornos mais esotéricos
quando recusa apoiar uma candidata efectivamente sua, Ana Gomes. Se o não apoio
ao "independente" Sampaio da Nóvoa há cinco anos se pode ler à luz do
contexto, esta insistência em "não ir a jogo" revela falta de zelo
democrático e, apesar do respeito pela decisão interna, escasso apreço
militante. Ana Gomes não necessita de iluminar o seu currículo, não é uma militante
qualquer. Mas a incomodidade que representa para o actual Governo é bem
revelador do grau de conforto que Costa criou com Marcelo e do quanto o
presidente da República agudizou o sentimento de orfandade na Direita.
Se é estranho que o PS não tenha
candidato, é também excêntrico que o PSD não se reveja no candidato que tem. O
PSD caminha com duas pedras no sapato, Marcelo e Rio, pelo que a tarefa não se
afigura fácil no futuro próximo. É também revelador que, mais à Direita, o CDS
se reveja no candidato que não tem. Este CDS moribundo e vítima de ataques
internos cómico-ferozes de Nuno Melo além-fronteiras, acolhe agora Marcelo como
o seu candidato, tentando (e bem) distanciar-se dos fenómenos populistas
colados à sua Direita e sonhando retirar alguns dividendos do apoio a uma
candidatura antecipadamente vencedora. O centro-direita parte para as eleições
presidenciais perfeitamente desposicionado e em esforço. Sente-se
a carregar um andor. À Esquerda, Marisa Matias e Ana Gomes irão obrigar Marcelo
a ocupar o seu espaço político natural. O maior favor que Marcelo pode prestar
à democracia é anuir e fazê-lo. É altura de servir de tampão às perigosas
fendas extremistas que a sua ausência permitiu abrir na Direita. Será o grande
desafio do seu segundo mandato.
*Músico e jurista
- O autor escreve segundo a
antiga ortografia
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