sábado, 12 de setembro de 2020

Portugal | Marcelo no seu lugar


Miguel Guedes* | Jornal de Notícias | opinião

Soa mesmo a eleitoralismo socialista, esta nova normalidade do PS perder a sua vocação de poder por altura das eleições presidenciais.

Um pouco como aquele tubarão de oportunidade, com razões para se sentir amplamente saciado ou mais do que capaz para ir à luta mas que prefere ficar à espera que a última presa lhe caia nas mandíbulas para lhe afiar "aquele" dente. Sem candidato presidencial em 2016 e sem candidato presidencial em 2021, eis o candidato-piloto-automático do PS: Marcelo Rebelo de Sousa. O recente episódio na Autoeuropa entre presidente e primeiro- ministro foi bem revelador: não houvesse limitação de mandatos e assim poderia ser para sempre, não fosse Marcelo obrigado a assumir o seu lugar político natural face à crescente demagogia à Direita e à marcação ideológica à Esquerda. Resta saber se o fará ainda durante a campanha ou se guardará o movimento de ajuste para o exercício do segundo mandato. As sondagens ditarão.

A estranheza de ver o PS sem candidato presidencial quando está no poder, ganha contornos mais esotéricos quando recusa apoiar uma candidata efectivamente sua, Ana Gomes. Se o não apoio ao "independente" Sampaio da Nóvoa há cinco anos se pode ler à luz do contexto, esta insistência em "não ir a jogo" revela falta de zelo democrático e, apesar do respeito pela decisão interna, escasso apreço militante. Ana Gomes não necessita de iluminar o seu currículo, não é uma militante qualquer. Mas a incomodidade que representa para o actual Governo é bem revelador do grau de conforto que Costa criou com Marcelo e do quanto o presidente da República agudizou o sentimento de orfandade na Direita.

Se é estranho que o PS não tenha candidato, é também excêntrico que o PSD não se reveja no candidato que tem. O PSD caminha com duas pedras no sapato, Marcelo e Rio, pelo que a tarefa não se afigura fácil no futuro próximo. É também revelador que, mais à Direita, o CDS se reveja no candidato que não tem. Este CDS moribundo e vítima de ataques internos cómico-ferozes de Nuno Melo além-fronteiras, acolhe agora Marcelo como o seu candidato, tentando (e bem) distanciar-se dos fenómenos populistas colados à sua Direita e sonhando retirar alguns dividendos do apoio a uma candidatura antecipadamente vencedora. O centro-direita parte para as eleições presidenciais perfeitamente desposicionado e em esforço. Sente-se a carregar um andor. À Esquerda, Marisa Matias e Ana Gomes irão obrigar Marcelo a ocupar o seu espaço político natural. O maior favor que Marcelo pode prestar à democracia é anuir e fazê-lo. É altura de servir de tampão às perigosas fendas extremistas que a sua ausência permitiu abrir na Direita. Será o grande desafio do seu segundo mandato.

*Músico e jurista

- O autor escreve segundo a antiga ortografia

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