Pedro Ivo Carvalho
| Jornal de Notícias | opinião
De pouco nos vale o contentamento
de termos salvo o Serviço Nacional de Saúde (SNS) de si próprio, a expensas de
uma pandemia que tirou o chão a todas as convenções e protocolos, se não
tivermos aprendido uma lição fundamental: o país não pode esquecer-se novamente
dos doentes que ficaram esquecidos. Dos largos milhares de portugueses não
atingidos pela covid mas privados de consultas, tratamentos, cirurgias,
internamentos, carentes de um simples aconselhamento médico, em demasiados
casos órfãos de uma mísera prova de vida do outro lado do telefone.
É natural e desejável que a
máquina da saúde se acautele para o inverno que pode fazer despontar uma
tempestade perfeita, quanto mais não seja porque continuamos a caminhar sobre o
arame escorregadio das projeções. O regresso às aulas, ao trabalho, aos
transportes públicos lotados e o impacto de uma sempre imprevisível gripe
sazonal são desafios que se tornaram ainda mais exigentes num contexto de tão
elevada transmissibilidade do vírus em que desgraçadamente nos encontramos.
Mas uma coisa é adaptarmos o
sistema à experiência adquirida e ao pior cenário, outra é fazê-lo de uma forma
tão obstinada que acabará por resultar numa disformidade ainda maior. Nunca
como agora foi tão clara a relevância de uma saúde pública acessível a todos.
Mas os mais recentes números sobre os que ficaram para trás são alarmantes:
menos 986 035 consultas nos cuidados primários, menos 16,8 milhões de atos
médicos, menos 998 mil consultas externas hospitalares, menos 99 mil cirurgias.
Se a atividade programada voltar a ser suspensa, será o caos. Por isso, a
mensagem de que o Estado está preparado para responder a uma segunda vaga não
pode sobrepor-se à ideia de que o SNS se esgota nessa resposta. As portas têm
de continuar abertas para todos os outros. Salvar o sistema é salvar os
doentes. Todos os doentes.
*Diretor-adjunto
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