Anselmo Crespo | TSF | opinião
A incerteza que esta pandemia
trouxe aos nossos dias inviabiliza qualquer prognóstico certeiro sobre o futuro
político, económico ou social. Tudo é verdade até ser mentira. Tudo é certo até
se tornar incerto e nos obrigar a uma adaptação repentina. E é neste contexto
que o país entra na discussão de um Orçamento do Estado para 2021, um ano que
ainda ninguém sabe o que nos reserva. Ou numas eleições presidenciais que podem
tornar-se numa espécie de teste do algodão à democracia portuguesa.
A pergunta mais importante em
janeiro do próximo ano não é quem será o próximo Presidente da República. Será,
isso sim, quanto vale eleitoralmente o vazio ideológico, o populismo, o
nacionalismo bacoco e o oportunismo político. Ou, colocado de outra forma,
quanto valem os ideais políticos - sejam eles de esquerda, de centro ou de
direita -, quanto vale a Constituição e, no limite, quanto vale a democracia. E
estas não são perguntas que devam ser desconsideradas. Estas são as perguntas
nas quais vale verdadeiramente a pena refletir antes de encontrarmos uma
resposta para dar.
Com um CDS a caminho da
irrelevância e um PSD ora indiferente à realidade, ora em negação, Marcelo
Rebelo de Sousa tornou-se numa espécie de bastião último não apenas do
centro-direita em Portugal, mas de todo o sistema democrático. Não tendo feito
tudo bem - longe disso -, Marcelo nunca deixou de ser o Presidente do povo e o
árbitro do jogo político, colecionando inimigos na sua família política e ódios
de inveja nos que sempre foram seus adversários. Percebendo a ameaça que a má
moeda do populismo representa, tornou-se deliberadamente a boa moeda, numa luta
travada tantas vezes sozinho, variando frequentemente entre o estadista e a
oposição que ia falhando por falta de comparência.
Aqui chegados, porém, a esta
pré-campanha para as presidenciais, o combate adivinhava-se difícil. Não que a
reeleição pareça estar em causa, mas pela ameaça real de reforço político dos
que se alimentam politicamente da desgraça alheia. É por isso que a candidatura
de Ana Gomes é tão importante.
Goste-se ou não do estilo,
concorde-se ou não com as posições assumidas pela agora candidata, Ana Gomes é
valor acrescentado nesta campanha. Porque ocupa um espaço político que o PS
decidiu estrategicamente deixar vazio, mas, sobretudo, porque é mais uma "arma"
contra os que exigem uma quarta república que nos faça regredir
civilizacionalmente.
Não foi por acaso que André
Ventura se apressou a reagir com uma violência atroz à candidatura de Ana
Gomes. O evidente nervosismo do candidato a tudo e mais alguma coisa é
perfeitamente compreensível, tendo em conta que agora tem pela frente uma
adversária que partilha com ele uma parte da agenda - como a luta contra a
corrupção - e que sabe debater com a mesma veemência, mas com muito mais
substância.
Ana Gomes fazia falta nesta
campanha. E é, estou em crer, uma espécie de seguro de vida política para
Marcelo Rebelo de Sousa, que pode pegar no balde de pipocas e ficar a assistir
de camarote à luta entre a socialista e o candidato do Chega. Se isso será
suficiente para Marcelo alcançar um resultado histórico como Mário Soares
conquistou, tenho muitas dúvidas e nem sequer me parece o mais importante. Mas
se servir para evitar o crescimento dos que querem destruir a democracia, já é
um enorme contributo.
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