quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Portugal | Vamos indo e vamos vendo


Pedro Ivo Carvalho* | Jornal de Notícias | opinião

O melhor que podemos dizer deste Orçamento do Estado é o pior que podemos dizer do país. O melhor: responder à urgência de salvar os mais desprotegidos. O pior: haver ainda demasiados portugueses que vivem com menos de 500 euros por mês.

Garantir, por isso, que o documento "não acrescenta crise à crise", como reconheceu o ministro das Finanças, João Leão, só não é uma tremenda lapalissada porque o colete de forças que agrilhoa a economia não dará tão cedo sinais de desistência. E a perspetiva de não ficarmos pior do que já estamos tende a ser, portanto, animadora. Não é pensar pequeno, é agir com os braços atados à realidade. A linha que separa o otimismo do pessimismo é demasiado esguia para permitir a ousadia de abrir janelas de esperança. Porque falar em esperança, agora, é falar em resistência. Aguentar para decidir depois. Suster o desemprego mais do que alavancar o emprego. E, pelo meio, acenar com ilusões como a da taxa de retenção do IRS ou do IVAucher para perfumar o discurso fatalista com pétalas cor-de-rosa.

O Orçamento do vamos indo e vamos vendo aposta as fichas todas no poder regenerador do Estado (são 100 mil milhões de euros de despesa prevista para 2021!), esperando que ele seja a candeia que alumia o resto. O risco é do tamanho do nosso endividamento. Sendo compreensível que se engorde a máquina pública num contexto de pandemia, isso não invalida que não se questione o peso que essa estratégia excessivamente estatizante terá no futuro. No que vamos ter de suportar nos próximos anos em gastos permanentes. Com vírus ou sem vírus no menu, não há almoços grátis.

Este é porventura o mais importante Orçamento do Estado das últimas décadas. Faltarão muitas coisas, desde logo um sinal mais evidente às empresas que fazem girar a roda da economia, mas só os ignaros podiam esperar que a um ano de combate não correspondesse uma estratégia de combate. Quando o chão treme à nossa passagem, o melhor mesmo é não andarmos aos saltos.

*Diretor-adjunto

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