Pepe Escobar [*]
O que acontecerá dia 3 de
novembro? Como replay maior que a vida do famoso adágio
hollywoodiano: "Ninguém conhece todos os fatos."
A estratégia dos Democratas é clara como cristal, disseminando para todos os
cantos o jogo de cenários eleitorais reunidos no Transition Integrity Project (Projeto Integridade da
Transição), e ainda mais claramente explicitado por um dos co-fundadores do projeto TIP , professor de
Direito da Georgetown University.
Hillary Clinton já disse sem meias palavras : Democratas devem retomar
a Casa Branca por qualquer meio e em quaisquer circunstâncias. E, por via das
dúvidas, já se posicionou para um emprego cobiçado por muitos , com artigo de 5 mil
palavras.
Assim como os Democratas já disseram claramente que jamais aceitarão vitória de
Trump, o contragolpe trumpista foi Trump clássico: disse aos Proud Boys [2] que
"fiquem de longe", tipo 'sem violência por enquanto' – mas,
crucialmente, "fiquem de longe", tipo 'estejam preparados'.
O cenário está montado para Mayhem [ Dia de Caos , 1917] padrão Kill Bill dia
3 de novembro, e dali em diante.
Diga que não é verdade, Joe
Seguindo pistas do TIP, encenemos um retorno dos Democratas à Casa Branca – com
a possibilidade de uma presidenta Kamala assumir antes do que se supõe.
Significa, em essência, O Retorno da Bolha Assassina.
O presidente Trump chama de "o pântano". O ex-vice Conselheiro de
Segurança de Obama Ben Rhodes – sujeito medíocre – pelo menos cunhou o termo
"A Bolha" ( "Blob" ) [NR] ,
mais engraçado, aplicado à gangue incestuosa da política exterior de
Washington, DC, think tanks, academia, jornalões (do Washington
Post ao New York Times ) e a revista Foreign Affair, aquela
Bíblia não oficial.
Uma Presidência dos Democratas terá de enfrentar, imediatamente, as implicações
de duas guerras: da Guerra Fria 2.0 contra a China e da interminável Guerra
Global ao Terror (GGT) de um milhão de milhões (trillion) de dólares,
rebatizada pelo governo Obama-Biden como Operações de Contingência Além-mar, (Overseas
Contingency Operations, OCO).
Biden passou a integrar a Comissão de Relações Exteriores do Senado em 1997,
assumiu a presidência em 2001-2003 e novamente em 2007-2009. Desfilou como assumido líder de torcida pró guerra do Iraque – que
seria necessária, dizia ele, como parte da GGT – e até defendeu uma "partição soft" do Iraque, o que
ferozes nacionalistas, sunitas e xiitas, de Bagdad a Bassorá, jamais perdoarão.
As realizações geopolíticas de Obama-Biden incluem uma guerra de drones, ou
diplomacia de mísseis Hellfire, complementada por "listas de matar";
o fracassado levante afegão; a "libertação" da Líbia 'pela
retaguarda', que converteu o país em terra devastada de milícias; a guerra por
procuração na Síria combatida com "rebeldes moderados"; e outra vez
liderando pela retaguarda, a destruição do Iêmen orquestrada pelos sauditas.
Dezenas de milhões de brasileiros tampouco esquecerão que Obama-Biden
legitimaram a espionagem pela Agência de Segurança Nacional dos EUA e o uso de
táticas de Guerra Híbrida que levaram ao impeachment da presidente
Dilma Rousseff, à neutralização do ex-presidente Lula e à evisceração da
economia brasileira por elites compradoras.
Dentre seus seletos antigos interlocutores, Biden conta com o belicista e
ex-secretário-geral da OTAN Anders Fogh Rasmussen – que supervisionou a
destruição da Líbia – e John Negroponte, que "organizou" os Contras
na Nicarágua e depois "supervisionou" o ISIS/Daesh no Iraque –,
elemento crucial da estratégia de Rumsfeld/Cebrowski ,
de instrumentalizar jihadistas para fazer o trabalho sujo do império.
É seguro apostar em que um governo Biden-Harris supervisionará uma expansão de
facto da OTAN, para abocanhar partes da América Latina, da África e do
Pacífico, agradando assim a Bolha Atlantista.
Em contraste com isso, dois feitos quase com certeza 'redentores' serão a volta
dos EUA ao 'tratado nuclear iraniano', oficialmente, JCPOA, único
feito positivo da política exterior de Obama-Biden; e a reabertura de
negociações com a Rússia para o desarmamento nuclear. Implicaria conter a
Rússia, não alguma nova Guerra Fria total, ainda que Biden tenha destacado
recentemente, on the record, que a Rússia seria "a maior
ameaça" aos EUA.
Kamala Harris começou a ser cevada para ascender ao topo, já no Verão de 2017. Como se poderia adivinhar, é totalmente a favor de Israel – no que copia Nancy Pelosi ("se esse Capitólio desabasse em cacos, a única coisa que permaneceria é nosso compromisso com ajudar... E nem digo ajuda, digo, nossa cooperação com Israel").
Kamala é da linha duríssima
contra a Rússia e a Coreia do Norte; não assina projeto de lei para impedir
guerra contra a Venezuela e, novamente, contra a Coreia do Norte. Pode-se
declará-la, harpia Democrata [4] da
linha mais dura.
Mesmo assim, o posicionamento de Kamala é bem esperto, para atingir dois
diferentes grupos. É perfeitamente adequado à Bolha Assassina. Mas com toques
'modernos', de 'politicamente correto' [5] (tênis
'descolados', muito divulgado afeto pelo hip hop ). E como prêmio
extra, tem conexão direta com a gangue dos "Trump Nunca".
Os Republicanos "Trump Nunca" – operantes especialmente na Think-tankelândia –
infiltraram-se completamente na matrix Democrata. São matéria-prima
da Bolha Assassina. O neoconservador super Trump-Nunca consumado é Robert
Kagan, marido da distribuidora de bolachas em Maidan, Victoria "F*da-se a
União Europeia" Nuland; daí que piada corrente em várias partes da Ásia
Ocidental, já há anos, fale do "Kaganato de Nulandistão".
Kagan, autoglorificado e autoidolatrado como star dos intelectuais
conservadores, é, claro, um dos co-fundadores do Project for the New American Century (PNAC), temido
projeto neoconservador. Subsequentemente, foi traduzido em espalhafatosa dança
de líder de torcida a favor da guerra contra o Iraque. Obama leu com
encantamento os livros de Kagan. Claro que Kagan apoiou empenhadamente Hillary,
em 2016. Desnecessário acrescentar que neoconservadores da cepa dos Kagans são
doentiamente anti-Irã.
No front do dinheiro, há o Lincoln Project , montado no ano passado por uma
gangue de ex- e atuais estrategistas Republicanos muito próximos, dentre
outros, de estrelas da Bolha Assassina como Bush Pai e Dick Cheney. Um punhado
de bilionários doou festivamente para esse super-PAC, inclusive o
herdeiro de J. Paul Getty, Gordon Getty, o herdeiro do império de hotéis Hyatt,
John Pritzker, e a herdeira da Cargill, Gwendolyn Sontheim.
Aquelas três hárpias
O personagem chave da Bolha Assassina, numa suposta Casa Branca Biden-Harris, é
Tony Blinken, ex-vice-conselheiro de segurança nacional durante o governo
Obama-Biden e nome frequentemente citado como próximo Conselheiro de Segurança
Nacional.
É geopolítica – com um importante adendo: a ex-conselheira de segurança
nacional Susan Rice, que foi cortada sem cerimônias da lista de possíveis
vice-presidentes, em favor de Kamala, pode vir a ser a próxima secretária de
Estado.
Concorre possivelmente com Rice o senador Chris Murphy, o qual, num documento estratégico intitulado "Rethinking the
Battlefield" [Repensar o Campo de Batalha] repete Obama-Biden, como se
poderia prever que fizesse e fez, sem diluição: nada de "repensar"; é
só retórica pró combater ISIS/Daesh e conter Rússia e China.
O doce Tony Blinken trabalhou para a Comissão de Relações Exteriores do Senado
nos anos 2000s. Portanto não surpreende que estivesse muito próximo de Biden já
antes do primeiro mandato Obama-Biden, quando ascendeu ao topo como
vice-conselheiro de segurança nacional e, daí, no segundo mandato, como
Secretário de Estado.
Próximo de Blinken está Jake Sullivan, que, sob a asa protetora de Hillary
Clinton substituiu Blinken como conselheiro de segurança nacional no segundo
mandato Obama-Biden. Terá alto posto ou no Conselho de Segurança Nacional ou no
Departamento de Estado.
Mas... e as três harpias?
Muitos de vocês lembram de "As três harpias [estão de volta]" , como as
chamei, antes do bombardeio e da destruição da Líbia, e novamente em 2016,
quando o impulso de versões remix das harpias rumo a glorioso novo
capítulo foi rudemente interrompido pela vitória de Trump. No que tenha a ver
com O Retorno da Bolha Assassina, o que aí vem é versão 5K, 5G, IMAX.
Das três harpias originais, duas – Hillary e Susan Rice – parecem prontas para
abocanhar novo emprego no colo do poder. O caso engrossa para Samantha Power,
ex-embaixadora dos EUA na ONU e autora de The Education of an Idealist , onde se aprende que a
tal "idealista" reduz Damasco e Moscou a trapo, ao mesmo tempo em que
ignora completamente a ofensiva de drones, as listas de matar, aquilo
de "liderar pela retaguarda", o envio de armas para al-Qaeda na Síria
rebatizada como "rebeldes moderados" de Obama-Biden, além da
incansável destruição do Iêmen pelos sauditas.
Samantha parece ter sido descartada. Há nova harpia na cidade. O que nos leva
diretamente para a verdadeira Rainha da Bolha Assassina.
A rainha da bolha assassina
Michele Flournoy talvez seja o epítome do Retorno da Bolha Assassina:
quintessência da funcionária imperial do que Ray McGovern, ex-analista da CIA,
chamou brilhantemente de MICIMATT (complexo Militar-Industrial-Congressional-de
Inteligência-Mídia-Academia- Think-Tanks).
A funcionária imperial ideal viceja nas sombras: virtualmente ninguém conhece
Flournoy fora da Bolha Assassina, o que significa todo o planeta.
Flournoy é ex-conselheira sênior do Boston Consulting Group; co-fundadora do
Center for a New American Security (CNAS); senior fellow no Belfer
Center de Harvard; foi sub-secretária da Defesa no governo Obama-Biden;
favorita da harpia-chefe Hillary para chefe do Pentágono depois de 2016; e
novamente favorita para chefiar o Pentágono depois de 2020.
O item mais delicioso do currículo de Flournoy, é que é co-fundadora de WestExec Advisors com
ninguém menos que Tony Blinken.
Qualquer insider da Bolha Assassina sabe que WestExec é o nome da rua
ao longo da Ala Oeste da Casa Branca. Em roteiro de Netflix, seria dica óbvia
de que caminhadinha rápida, da fama diretamente para o número 1600 da
Pennsylvania Avenue, está raiando no horizonte para os protagonistas star.
Flournoy, mais que Blinken, fez de WestExec sucesso absoluto no Complexo
MICIMATT da Beltway ( interestadual
495 ), falando exclusivamente a think-tanks e ignorando
blitz de Relações Públicas e da mídia.
Aqui, uma amostra interessante , crucial, do
pensamento de Flournoy. Ela diz com todas as letras que algum tipo de simples
contenção benigna dos EUA frente à China é "erro de cálculo". E é
importante ter em mente que Flournoy é, de fato, o cérebro de onde brotou a estratégia de guerra geral
– fracassada – de Obama-Biden.
Em resumo, Biden-Harris significaria A Volta da Bolha Assassina, com fome de
sangue. Biden-Harris seria Obama-Biden 3.0. Pensem naquelas sete guerras.
Pensem naqueles ataques. Pensem nas listas de matar. Pensem na Líbia. Pensem na
Síria. Pensem no "golpe soft "no Brasil. Pensem
29/Outubro/2020
NT
[1] The Blob (Brasil: A Bolha Assassina /Portugal: Blob.
Outra Forma de Terror ). Filme estadunidense de 1958 do gênero horror,
dirigido por Irvin Yeaworth. O filme teve uma sequência lançada como comédia 14
anos depois, com o título de Beware! The Blob (1972), dirigida por
Larry Hagman, em que a Bolha desta feita ataca um subúrbio de Los Angeles. E
um remake de 1988, no qual a origem da Bolha é mudada (NTs, com dados
de Wikipedia ).
[2] Proud Boys, literalmente "rapazes orgulhosos", designa
um grupo neofascista de extrema direita, só de homens, ativo nos EUA e Canadá.
(NTs, com informações de Wikipedia ).
[3] Alguém sugeriu "alguma coisa como 'mas que grande merda! Agora, sifu!
Kamala tá na Casa Branca'. Ninguém aqui sabe traduzir isso [NTs].
[4] 7/7/2016, "As três Hárpias estão de volta", Pepe Escobar, Russia
Insider, Blog do Alok .
[5] Orig. woke gloss.
[NR] A palavra "Blob" também poderia ser traduzida
como gosma.
[*] Jornalista. Os seus livros são encontráveis
em Book Depository
O original encontra-se no Asia Times
e a tradução em port.pravda.ru/mundo/31-10-2020/51652-bolha_assassina-0/
Este artigo encontra-se em https://resistir.info/
Sem comentários:
Enviar um comentário