É neste momento, em que se discute, se propõe, se rectifica e se decide sobre o Orçamento do Estado para 2021, que a Democracia poderia e deveria ganhar um novo fôlego.
Luís Lobo | AbrilAbril | opinião
Neste contexto e perante a necessidade de decisões que terão de ser tomadas e que deveriam comprometer-nos a todos, cidadãos deste país, seria muito importante que os resultados obtidos reflectissem um debate que, afinal, não existe. Favorecer a participação democrática seria fundamental ou crucial (palavras agora muito em voga), mas como não interessa ao poder, a mensagem que passa é «Isto é coisa complicada. Deixem connosco!».
Os cidadãos estão cada vez mais afastados de todos estes processos. Não querem ouvir falar deles, mudam de canal ou aceleram na box a busca de uma notícia com mais sangue, mais infecções, mais traição ou mais qualquer coisa digna de um filme ou série policial. Estranham, contudo, mais tarde, que, afinal, as decisões que são tomadas nesta altura do ano, em volta dos Orçamentos do Estado, sejam casos de polícia.
Para os portugueses, é um roubo a carga fiscal, o não aumento dos salários, a falta de investimento público e nas funções sociais do Estado, a transferência de verbas avultadíssimas para o sector privado da banca e dos transportes, a falta de profissionais em sectores-chave, como na Educação e na Saúde... mas deixam ao autor do «crime» (seja o governo, seja a maioria parlamentar, independentemente da sua composição, à direita ou à esquerda) a responsabilidade de escolher o xerife. Tradicionalmente, e à boa maneira portuguesa, depois, queixamo-nos!
Em 2021, o Orçamento do Estado para a Educação volta a descer, apesar de o governo, na sua proposta, ser capaz de dizer que cresce. A verdade é que existe uma perda sistemática de investimento na Educação, nos últimos 20 anos, com o valor do PIB apontado para o ano que vem a atingir um valor só equiparável ao que se passava em meados dos anos 80 do século passado.
Este governo desinveste, claramente, na Educação. Não vale a pena afirmar-se o contrário.
A manobra de engenharia financeira adoptada pelo governo de António Costa é realizada com o recurso a fundos comunitários, sem os quais será indisfarçável a quebra de participação do sector no OE. Ou seja, se ao aumento global previsto (467,9 M€) abatermos as verbas previsivelmente oriundas da União Europeia (553,5 M€), o Orçamento da Educação em 2021 terá uma quebra na ordem dos 85,6 M€. Nem mesmo com os milhões da Europa e a cada vez maior dependência desse financiamento o OE, na Educação, chegará aos 3,5%; na verdade, baixará de novo, agora para os 3,2% do PIB. Uma desaceleração contínua em relação à média recomendada internacionalmente – 6% do PIB –. valor que, aliás, a FENPROF defende até ao final da legislatura, com um crescimento faseado de 4% em 2021, 5% em 2022 e 6% em 2023.
«Precisamos, agora, de pensar para lá da COVID-19 e trabalhar para que os nossos sistema educativos sejam mais resilientes, para que possamos responder de forma rápida e eficaz a essas e outras crises. Isso significa proteger o financiamento da educação, investir na formação inicial de professores de alta qualidade, bem como continuar o desenvolvimento profissional da força de trabalho docente existente.» – Declaração Conjunta, por ocasião do Dia Mundial do Professor, dos director-geral da UNESCO, director-geral da OIT, directora executiva da UNICEF e secretário-geral da Internacional da Educação.
Valeria a pena fazer aqui a desmontagem da propaganda governamental sobre as suas grandes três apostas com este OE2021: Defender os Rendimentos, Proteger quem Trabalha, Reforçar a Saúde.
Na Educação, estas três apostas caem por terra em toda a sua extensão.
A previsão do que será o Orçamento do Estado para o próximo ano não deixa dúvidas de que continuarão a faltar professores e assistentes operacionais nas escolas dos ensinos básico e secundário, que não sairão novos professores das instituições de formação inicial de docentes, que os que venham a concluir a sua formação não terão vagas para poderem exercer a profissão, que a profissão seguirá o seu curso de cada vez maior envelhecimento, sem que haja quaisquer medidas que conduzem ao necessário e urgente rejuvenescimento.
A docência continuará a não ser atractiva e por isso não cativará jovens para que nela ingressem. Os horários são extensos, abusivos e ilegais. A perda de autonomia era já um sintoma das alterações legislativas, mas tenderá a agravar-se com a municipalização. Os salários são baixos e os professores, apesar dos baixos rendimentos, terão de se sujeitar a grandes deslocações, a arrendar uma segunda habitação e, por vezes, uma terceira, quando se trata de casais, e a despender avultadas verbas com as creches e estruturas educativas, muitas vezes privadas, por inexistência de oferta pública.
A carreira está completamente desestruturada e desvalorizada e não existem quaisquer apoios à colocação em zonas isoladas e/ou desfavorecidas, como acontece com outras profissões.
Já quanto à Saúde, aquele que é o comportamento do governo com as escolas é, no mínimo, deplorável, revelando uma total falta de respeito para com os alunos, as famílias e os profissionais de educação, não havendo, sequer, regras uniformes, bem definidas, e um protocolo que sujeite as autoridades de saúde a procedimentos perante situações idênticas.
Perante tudo isto, o Orçamento do Estado para 2021 não é assunto que possa ficar-se pelos debates na televisão que ninguém quer seguir, nem pela apropriação exclusiva dos partidos políticos na Assembleia da República. Esta é matéria do nosso maior interesse. Saber ouvir, seleccionar informação e intervir tem de ser tarefa de todos e de cada um.
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