Centeno contraria Ramalho
Além da decisão de €200 milhões em tribunal arbitral, há nova fonte de tensão entre supervisor e gestão do Novo Banco: o CEO diz que há ativos sobre os quais só pode reconhecer imparidades até este ano, o Banco de Portugal contraria e diz que esse pressuposto não é nenhuma obrigação
O fosso que separa o Novo Banco e o Banco de Portugal/Fundo de Resolução está a crescer. O presidente executivo do banco, António Ramalho, disse esta semana que estava proibido de reconhecer perdas sobre alguns créditos problemáticos a partir do próximo ano, por conta dos compromissos existentes entre Portugal e a Comissão Europeia, fazendo temer encargos adicionais nas contas de 2020. Só que o supervisor, contactado pelo Expresso, diz que não há quaisquer obrigações nesse sentido.
“O Banco de Portugal desconhece qualquer impedimento à constituição de imparidades por parte do Novo Banco a partir de 2021. Não existe nos contratos relativos à venda do Novo Banco, nem nos compromissos assumidos pelo Estado junto da Comissão Europeia, nenhuma cláusula ou compromisso dessa natureza”, aponta uma resposta da autoridade comandada por Mário Centeno.
Da parte do banco, o que está em causa é um artigo da decisão de Bruxelas, dada em 2017 aquando da venda, que refere que as imparidades no crédito (antecipação de perdas em empréstimos concedidos) da carteira pré-definida de ativos problemáticos tinham de ser reconhecidas até 2020. Este é, no entender da instituição da Lone Star, um pressuposto do plano de reestruturação aprovado por Bruxelas, que tem de ser cumprido.
“As perdas por imparidades nos créditos incluídos no mecanismo de capital contingente devem ser registadas pelo banco nos primeiros […] anos do plano de reestruturação, e, a partir de […] não devem ser registadas mais imparidades dos ativos sob o mecanismo”, indica o ponto 94 da decisão da Comissão Europeia, na sua versão não confidencial, que validou a venda de 75% do capital do banco à Lone Star.
Segundo as declarações de Ramalho na conferência Banca do Futuro, organizada esta semana pelo Jornal de Negócios, esse registo deve ocorrer nos primeiros três anos do plano, até 2020, não podendo haver as tais imparidades adicionais a partir do próximo ano.
BANCO DE PORTUGAL NÃO VÊ OBRIGATORIEDADE
Ora, a leitura do Banco de Portugal, junto do qual funciona o Fundo de Resolução (responsável por cobrir perdas nesse conjunto de ativos tóxicos e que é presidido pelo vice-governador, Luís Máximo dos Santos), é precisamente de que é um pressuposto, não uma obrigação.
“Essa estimativa, como aliás tantos outros pressupostos do plano, não constitui mais do que uma mera previsão, não tendo portanto qualquer caráter vinculativo, nem faz parte dos compromissos assumidos perante a Comissão”, indica o Banco de Portugal.
Para a autoridade da banca, a referência da decisão de 2017 da Comissão Europeia a que Ramalho se agarra consta do capítulo referente ao plano de reestruturação, onde há projeções e onde são sublinhados vários cenários. Um desses pressupostos é a previsibilidade de constituição das imparidades necessárias sobre aqueles ativos – de forma a aproximar o valor registado no balanço ou valor de mercado e de eventual venda – até 2020. Mas um cenário, não uma obrigação. Os compromissos assumidos perante Bruxelas são outros, e constam do anexo da decisão (confidencial), refere o Banco de Portugal, contrariando Ramalho, que falou em "compromissos técnicos, acordos assinados ao mais alto nível, que põem limitações do ponto de vista temporal".
PRESSÃO PARA NÃO CARREGAR NOS PREJUÍZOS
Esta questão tem relevância quando o Novo Banco foi um dos pontos de discórdia entre o Governo e o Bloco de Esquerda, e em que há uma pressão do Fundo de Resolução e do Executivo para que não haja imparidades expressivas em 2020, que agravem os prejuízos e a fatura a pedir ao Fundo de Resolução no próximo ano, como o Expresso já escreveu. Ramalho avisou, então, esta semana que entende que há essa limitação de constituição de imparidades a partir de 2021, dizendo quem, a adequar o preço dos ativos, teria de fazê-lo este ano.
A proposta de Orçamento do Estado para 2021 prevê que o Fundo de Resolução (através de um empréstimo dos bancos, e não do Estado, como em anos anteriores) tenha de colocar 476 milhões de euros no Novo Banco à luz do mecanismo de capital contingente criado aquando da venda à Lone Star. Do total de 3,89 mil milhões de euros que poderiam ser solicitados, o banco já precisou de 3 mil milhões nos últimos anos, fatura que subirá para perto de 3,5 mil milhões se se confirmar o valor projetado atualmente.
Contudo, até ao momento, Ramalho nunca confirmou que este montante será suficiente.
MAIS POLÉMICAS
Esta diferença de entendimento entre o Banco de Portugal/Fundo de Resolução e do Novo Banco é mais um passo numa tensão que ficou patente no início deste ano em dois momentos.
Primeiro, o Fundo de Resolução foi contra a promessa de pagamento de prémios aos gestores do Novo Banco a partir de 2022, tendo descontado o valor de 2 milhões de euros dos 1037 milhões que foi chamado a colocar no ano passado.
Depois, o Novo Banco fez uma alteração contabilística de que o Fundo discordou e as duas partes estão a dirimir a questão num tribunal arbitral: estão em causa 200 milhões de euros que o banco quer imputar ao seu acionista minoritário.
Diogo Cavaleiro | Expresso
Imagens: 1 – Novo Barrete / Google; 2 - Centeno, governador BdP / Pedro Nunes; 3 – Ramalho, Novo Banco / Tiago Miranda
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