Mulheres de Abril
somos
mãos unidas
juntas formamos
fileiras
decididas
ninguém calará
a nossa
voz
Maria Teresa Horta
A trilogia fascista: Deus, Pátria
e Família guiou a sociedade portuguesa até ao 25 de Abril de 1974
Este desígnio guiava o Estado português, a família portuguesa, os valores e a
sociedade de então.
A maioria da população portuguesa era analfabeta, elemento essencial para a
submissão e opressão; os direitos eram diminutos para a esmagadora maioria da
população, mas para as mulheres eram inexistentes. A fome e a miséria eram
generalizadas.
O trabalho fora de casa, era entendido como uma ameaça ao modelo familiar
vigente. A independência económica das mulheres era considerada uma ameaça à
continuidade da sua subalternidade perante a sociedade e perante a família.
À família cabia, como
ainda hoje, um papel importantíssimo de reprodução do modelo vigente e de
disseminação dos códigos sociais e de valores da sociedade portuguesa.
O papel da mulher resumia-se a procriar e a respeitar a autoridade máxima
exercida pelos homens. Foi um tempo de escuridão, de silenciamentos terríveis,
de profundas humilhações.
Durante a ditadura fascista, predominava a ausência de direitos que, no
caso das mulheres era total.
As mulheres no trabalho
As mulheres ganhavam menos cerca
de 40% que os homens.
A lei do contrato individual do
trabalho permitia que o marido pudesse proibir a mulher de trabalhar fora de
casa.
Se a mulher exercesse actividades
lucrativas sem o consentimento do marido, este podia rescindir o contrato.
A mulher não podia exercer o
comércio sem autorização do marido.
As mulheres não tinham acesso às
seguintes carreiras: magistratura, diplomática, militar e polícia.
Certas profissões (por ex.,
enfermeira, hospedeira do ar) implicavam a limitação de direitos, como o
direito de casar.
As mulheres na família
O único modelo de família aceite
era através do casamento.
A idade mínima do casamento era
aos 16 anos para o homem e 14 anos para a mulher;
A mulher, face ao Código Civil,
podia ser repudiada pelo marido no caso de não ser virgem na altura do casamento.
O casamento católico era
indissolúvel.
Existia a figura do Chefe de
Família, ocupado pelo homem que detém o poder marital e paternal. Salvo casos
excepcionais, o chefe de família era o administrador dos bens comuns do casal,
dos bens próprios da mulher e bens dos filhos menores.
O Código Civil determinava que
«pertence à mulher durante a vida em comum, o governo doméstico».
Não eram reconhecidos os filhos
fora do casamento (considerados ilegítimos) e não possuíam os mesmos direitos
que os filhos nascidos dentro do casamento.
Mães solteiras não tinham
qualquer protecção legal.
A mulher tinha legalmente o
domicílio do marido e era obrigada a residir com ele.
O marido tinha o direito de abrir
a correspondência da mulher.
O Código Penal permitia ao marido
matar a mulher em flagrante adultério (e a filha em flagrante corrupção),
sofrendo apenas um desterro de seis meses;
Até 1969, a mulher não podia
viajar para o estrangeiro sem autorização do marido.
Saúde sexual e reprodutiva
Os médicos da Previdência não
estavam autorizados a receitar contraceptivos orais, a não ser a título
terapêutico. A mulher não tinha o direito de tomar contraceptivos contra a
vontade do marido, pois este podia invocar o facto para fundamentar o pedido de
divórcio ou separação judicial.
A publicidade dos contraceptivos
era proibida.
O aborto era punido em qualquer
circunstância, com pena de prisão de 2 a 8 anos. Estimavam-se os abortos
clandestinos em 100 mil/ano, sendo a terceira causa de morte materna.
Cerca de 43% dos partos ocorriam
em casa, 17% dos quais sem assistência médica; muitos distritos não tinham
maternidade.
Segurança social e equipamentos
sociais
O regime de previdência e de
assistência social caracterizava-se por fraca cobertura de riscos e prestações
sociais e um baixo nível de protecção social. Não existia pensão social,
nem subsídio de desemprego.
A pensão paga aos trabalhadores
rurais era muito baixa e com diferenciação para mulheres e homens.
Não existia pensão mínima.
As mulheres, particularmente as
idosas, tinham uma situação bastante desfavorável.
Em 1973, havia 16 creches
oficiais e a totalidade, incluindo as particulares, que cobravam elevadas
mensalidades, abrangia apenas 0,8% das crianças até aos 3 anos de idade.
Não existiam escolas
pré-primárias públicas e as privadas cobriam apenas 35% das crianças dos 3 aos
6 anos de idade.
Direitos cívicos e políticos
Até final da década de 60, as
mulheres só podiam votar quando fossem chefes de família e possuíssem curso
médio ou superior.
Em 1968, a lei estabeleceu a
igualdade de voto para a Assembleia Nacional de todos os cidadãos que soubessem
ler e escrever. O facto de existir uma elevada percentagem de analfabetismo em
Portugal, que atingia sobretudo as mulheres, determinava que, em 1973, apenas
houvesse 24% dos eleitores recenseados.
No caso de serem chefes de
família (por viuvez), as mulheres apenas podiam votar para as Juntas de
Freguesia, tendo de apresentar atestado de idoneidade moral.
As portas que Abril abriu... | 25
de Abril de 1974
E eis que surge «O dia inicial
inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio» (Sophia de Mello Breyner)
A revolução de Abril de 1974
representou para a população portuguesa, e para as mulheres em Portugal, uma
gigantesca transformação social, económica, política e cultural que imprimiu um
novo modelo socioeconómico. A consagração de direitos sociais, económicos e
políticos imprimiu uma profunda alteração sistémica na sociedade portuguesa:
abriram-se as portas, às mulheres, para um lugar digno na sociedade, em
igualdade.
Uma revolução na vida das
mulheres
O processo revolucionário, a
conquista de importantes direitos, a participação, desde o primeiro momento,
das mulheres, lado a lado com os homens, na transformação de Portugal, provocou
mudanças na sociedade e nos valores.
Uma revolução que construiu um património de direitos transversais que permitiu
liquidar discriminações e quebrar séculos de subalternização das mulheres.
As mulheres tomaram nas suas mãos
uma vida melhor
Pela primeira vez, as mulheres
foram protagonistas da história e contribuíram para a transformação.
Nunca a liberdade foi tão ampla para as mulheres, nunca a sua participação
cívica foi tão grande, nunca a igualdade entre mulheres e homens foi tão
fecunda, como durante o processo revolucionário, em 1974/75.
Foi a primeira vez que as mulheres tomaram nas suas mãos a construção de uma
vida melhor, de um país mais justo, mais igual. E fizeram-no, não numa posição
subalterna, mas em igualdade, verdadeira igualdade.
Algumas das principais conquistas
Fixação do salário mínimo
nacional (DL 212/74, de 27.05).
Aumento generalizado de salários,
garantia de emprego, férias, subsídio de férias e de Natal; diminuição das
diferenças salariais, supressão do tratamento legal ou convencional claramente
discriminatório.
Abertura às mulheres das
carreiras da magistratura judicial e do ministério público e dos quadros de
funcionários da justiça (DL 251/74,12.06), carreira diplomática (DL 308/74, de
6.07), a todos os cargos da carreira administrativa local (DL 251/74, de
22.06).
Abolidas todas as restrições
baseadas no sexo quanto à capacidade eleitoral dos cidadãos (DL 621-A/74, de
15.11).
Alteração do artigo XXIV da
Concordata, passando os casamentos católicos a poder obter o divórcio civil (DL
187/75, de 4.04).
Abolido o direito de o marido
abrir a correspondência da mulher (DL 474/76, de 16.06).
Revogadas disposições penais que
reduziam penas ou isentavam de crimes os homens, em virtude de as vítimas
desses delitos serem as suas mulheres ou filhas (DL 262/75, de 27.05).
Ampliação do período de licença
de maternidade para 90 dias (DL 112/76, de 7.02), 60 dos quais teriam de ser
gozados após o parto, estando abrangidas todas as trabalhadoras.
Criação das consultas de
planeamento familiar nos centros de saúde materno-infantil (Despacho do
Secretário de Estado de Saúde, 16.03.76).