quarta-feira, 18 de novembro de 2020

POR AMOR, DESDE AQUELES TEMPOS...

Martinho Júnior, Luanda

(APONTAMENTOS DE LÓGICA COM SENTIDO DE VIDA, UMA IMPRESCINDÍVEL ESSÊNCIA DA PRÓPRIA HISTÓRIA QUE NOS HAVIA DE TOCAR)

01- Quarenta e cinco anos depois, recordo aquela saga decisiva, desde a aba leste da batalha de Quifangondo, pelas serranias verticais dos Dembos, ali onde a história, década a década, gota a gota, foi sempre um pungente virar de página, ao longo de todo o século XX…

Com as embrionariamente heterogéneas Forças Armadas Populares de Libertação de Angola, naqueles Novembros húmidos, por quentes caminhos lamacentos, acabava-se de cruzar o passo mágico de Quibaxe, reconquistada aos invasores que haviam chegado pelo norte, veladamente a coberto do etno nacionalismo da ocasião, um dos que tanto queriam e fizeram para subverter e frustrar a independência anunciada!...

Prevalecia a adaptação ao terreno e era indispensável a capacidade humana local, numa frente de plasticina que se foi alterando, mas cumpriu seu papel de “barragem”, respondendo ao poder de penetrante máquina do inimigo…

Naqueles tempos queriam esses agoirentos das trevas, uma Angola atrelada a um regime que estava ele próprio amarrado a um inquinado estendal que só foi possível fazer-se acontecer e suceder, sobre o sangue heróico e ainda fresco de Patrice Lumumba…

… Tinham de passar por cima de nossos corpos para chegar a Luanda pelo leste, desde a linha sonora do Úcua, Cacamba, Gombe ya Muqiama, Pango Alúquem, Cazuangongo, forte de João de Almeida (atravessando um sempre turbulento Zenza) e providenciar a aproximação à planura solarenga, mar de capinzais flutuantes, da Cerca e de Maria Teresa, para tomar o bastião de Catete e por fim, esquivando dispersos embondeiros de entre Cuanza e Bengo, alcançar a capital…

Era demasiado para eles, foi demasiado para eles e não passaram da pequena aldeia de Quiqueza (entre Pango Aluquém e Quibaxe), nem do primeiro degrau da Cacamba…

Dizem alguns entendidos que esse era um plano necessariamente secundário, mas a presença de Santos e Castro à frente do “spinolista” Exército de Libertação de Portugal no eixo de Ambriz, não dava garantia que assim fosse e só não se tornou provavelmente alternativo por que o relógio acabaria por ser o maior inimigo para a artificiosa invasão prevista desde a Ilha do Sal, numa altura em que em sofreguidão e sobre brasas, queriam mesmo assim, teimosamente, reverter o tempo e o modo a seu favor…

Foi essa uma das muitas tarimbas ardentes do transitório Grupo de Operações Especiais da Segurança do Estado-Maior das FAPLA, também naquele passo mágico e disjuntivo de Quibaxe: a independência anunciada se tudo corresse bem, ou a emergente resistência, não anunciada, se houvesse o reverso…

Artigo 333.º: Estará a liberdade de expressão em causa em Angola?

À DW, jurista e ativista dizem que Artigo 333.º do novo Código Penal angolano coloca em causa a liberdade de expressão em Angola. Vice-Procurador-Geral da República desvaloriza receios de retrocessos na democracia.

Aqueles que costumam fazer críticas abertas à governação em Angola deverão medir as palavras para não serem presos a partir de 2021. É que o Código Penal angolano vai entrar em vigor e o seu artigo 333.º prevê de seis meses a três anos de prisão para quem "atacar o Presidente da República".

O jurista angolano Agostinho Canando não tem dúvidas: o polémico artigo 333.º coloca em causa a liberdade de expressão em Angola "porque a própria liberdade de expressão em si, não pode ser, em princípio, vetada a belo prazer pelos governantes ou de quem é de direito", justifica.

"Todo aquele cidadão que tem uma ideia, uma imagem a ser partilhada, para transmitir algum conhecimento ou uma informação deve fazê-lo desde que que esteja apenas no exercício da sua liberdade de expressão. Unicamente isso", argumenta o jurista.

Também João Malavindele, coordenador da Organização Não-Governamental (ONG) angolana Omunga, sedeada em Benguela, concorda. 

"No artigo 333.º, o legislador traz uma demonstração de força que periga a liberdade de pensamento e a liberdade de expressão até de criação."

Democracia em causa

Para o jurista Agostinho Canando, esta disposição legal não só coloca em causa a liberdade de expressão como também o próprio processo democrático angolano.

"O artigo em causa representa, sim, um recuo à democracia porque se formos a comparar até mesmo com realidades mais avançadas em termos jurídicos e sociais - nomeadamente os Estado Unidos, a França e tantos outros Estado desenvolvidos - poderemos ver que caricaturas deste tipo nem sequer são tidas em conta, nem sequer fazem com que os cidadãos sejam responsabilizados civil ou até criminalmente", nota.

Muitos cidadãos entendem que Angola tem dado sinais de ditadura. João Malavidele diz que esta desconfiança tem razão de ser, a julgar pelos últimos acontecimentos que marcaram o país ligados a manifestações do dia 24 de outubro e 11 de novembro. 

"Quando você reprime manifestação, acoberta de execuções extrajudiciais e, como se não bastasse, aprova um código penal com um artigo que limita a liberdade de pensamento e outros direitos fundamentais, não resta uma outra análise se não mesmo esta de dizer que estamos a caminhar para uma ditadura", alerta Malavidele.

Governo angolano pede contenção à Polícia mas critica organizadores de protestos

Ministro do Interior pede à Polícia Nacional que faça tudo "para evitar alguns excessos". Eugénio Laborinho lembra que alguns protestos decorreram à margem da lei e alerta para "comportamento dissimulado" dos promotores.

O ministro do Interior de Angola, Eugénio Laborinho, que discursava esta quarta-feira (18.11) na abertura do Conselho Consultivo Alargado do Ministério do Interior, disse que alguns setores da sociedade angolana têm estado a "entender mal a carestia de vida própria das reformas em curso".

Segundo o ministro, estes setores lideram os movimentos contestatários que têm realizado, nos últimos tempos, algumas manifestações que disse decorrerem à margem da lei e que colocam em perigo a vida de outras pessoas, promovendo ajuntamentos que favorecem a propagação do novo coronavírus.

"Assim, aproveitamos o ensejo para apelar a essa importante franja do nosso ministério, os efetivos da Polícia Nacional, a tudo fazerem para evitar alguns excessos enquadrados no erro profissional, pois, entre a ordem suportável e a desordem insuportável, como a que assistimos nas duas últimas manifestações, há que atuar com equilíbrio, proporcionalidade e sempre com base na Constituição e na lei vigentes no país", disse.

Já esta manhã, o ministro da Justiça e Direitos Humanos, Francisco Queiroz, tinha admitido que houve "excessos" de manifestantes e polícia no protesto do dia 11 de novembro.

Petição pública pede devolução do dinheiro roubado ao povo angolano

"Portugal não pode continuar a ser um albergue de dinheiro roubado", diz Transparência e Integridade. Associação cívica exige cooperação das autoridades portuguesas com Angola para a devolução de ativos da corrupção.

A petição que acaba de lançar a associação cívica Transparência e Integridade Portugal (TIAC) pede a devolução do dinheiro roubado ao povo angolano por figuras da elite que estiveram próximas do ex-presidente José Eduardo dos Santos. Parte importante desse capital desviado dos cofres do Estado, através de mecanismos de corrupção, está escondido em Portugal,  sob forma de ativos financeiros, imobiliário de luxo, depósitos bancários e participações em empresas.

"A corrupção tem um impacto massivo sobre a vida das pessoas e é por isso que lançamos esta petição", explica Karina Carvalho, diretora executiva da ONG portuguesa.

"O nosso objetivo é juntar cidadãos portugueses e angolanos no mesmo propósito comum, que é exigir das autoridades portuguesas que trabalhem em conjunto com as autoridades angolanas para garantir que o dinheiro roubado ao povo angolano retorne ao país", sublinha. 

A diretora da TIAC espera ainda que o dinheiro recuperado "seja utilizado em prol da melhoria das condições de vida da população angolana, que nesta altura sofre bastante, não apenas pela pobreza que ali se experiencia mas sobretudo, também, fruto do impacto da Covid-19 na vida de todos os dias." 

Terrorismo em Cabo Delgado: Parceiros devem dar ajuda militar "sem hipocrisia"

MOÇAMBIQUE/ONU

É o que defende o representante do secretário-geral da ONU em Moçambique. E sobre as violações de direitos humanos no norte do país, Mirko Manzoni entende que resultam por vezes de "frustração e impotência" do exército.

O representante do secretário-geral das Nações Unidas em Moçambique, Mirko Manzoni, falava na terça-feira (17.11), em entrevista ao jornal suíço Le Temps. Manzoni foi embaixador da Suíça em Moçambique até 2019 e depois foi escolhido por António Guterres para acompanhar as negociações de paz entre Governo e a RENAMO, maior partido da oposição.

Opõe-se ao uso de mercenários na província de Cabo Delgado, mas afirma que a situação é complexa: "a realidade no terreno deve fazer-nos refletir". 

"Quando se pede ajuda e ninguém mexe um dedo, é isso que acontece. Moçambique gasta fortunas com mercenários", primeiro com russos do grupo Wagner e agora com uma empresa sul-africana, detalhou Manzoni, para depois fazer o apelo à ajuda direta dos doadores.

Cabo Delgado regista 33 mil deslocados em uma semana, diz organização para migrações

Organização Internacional para as Migrações revela que 355 mil deixaram suas casas devido à crise de segurança em Cabo Delgado. "Os relatos sobre a violência contra civis são perturbadores", diz Laura Tomm-Bonde, da OIM.

Os dados mais recentes divulgados pela Organização Internacional para as Migrações (OIM) dão conta de mais de 33 mil pessoas deslocadas do norte para o sul de Cabo Delgado na última semana.

"Os números desafiam a capacidade do governo moçambicano e dos seus parceiros humanitários para responder com abrigo, comida e outra assistência adequada", publica a organização que integra o sistema da ONU no seu sítio na internet.

O levantamento tem base no chamado Displacement Tracking Matrix, um sistema de monitoramento da OIM sobre deslocação de pessoas no mundo.  

A OIM regista aumento para mais de 355 mil pessoas deslocadas na área, quatro vezes mais do que o registado no início deste ano, 88 mil. "Os relatos do norte de Moçambique sobre a violência contra civis são profundamente perturbadores", disse a chefe de Missão da OIM Moçambique, Laura Tomm-Bonde.

O grupo armado ativo na província intensificou os ataques este ano, intensificando massacres, decapitações e incêndios a aldeias.

Cabo Delgado: Terroristas podem tomar rádios para difundir mensagens radicais?

"Esse é um risco iminente", responde o Fórum das Rádios Comunitárias em Moçambique. É que nem todas rádios são destruídas pelos terroristas, alerta a FORCOM. Contudo, o Governo pode facilmente cortar isso, sublinha.

Garantir o direito da população ao acesso à informação tem sido quase impossível nas áreas visadas pelos terroristas.

A responsável do Fórum das Rádios Comunitárias em Moçambique (FORCOM), Ferosa Zacarias, diz que "agora as pessoas observam, mas não reportam, porque há um certo medo, há uma insegurança total que ninguém tem coragem de reportar o que está a acontecer em Cabo Delgado".

Portugal | E Rui ri

Joana Mortágua* | jornal i | opinião

Veja-se a facilidade com que vários deputados laranjas comparam o Bloco de Esquerda e o PCP ao Chega com o único propósito de se convencerem a si próprios da absolvição da sua capitulação, mesmo sabendo que estão de arrasto a absolver forças odiosas.

Sabem como se esvazia o conteúdo de uma palavra até se transformar noutra palavra por a repetirmos muitas vezes? Se alguém adormecesse nos anos 40 do século XX e acordasse em 2020 ficaria espantado com o que aconteceu à palavra fascista, ao arrepio na espinha que deveria provocar, aquele instinto de sobrevivência que nos protege de nos magoarmos a nós próprios.

É preciso ter cuidado com esse fenómeno a que os psicólogos chamam saciedade semântica porque não passa de uma sensação, leva ao engano. Tal como a tortura não deixa de doer mesmo que se repita muitas vezes tor-tu-ra, se alguém soa a fascismo, cheira a fascismo e sabe a fascismo, há mesmo uma grande probabilidade de ser fascista.

E ninguém tem dúvidas sobre o significado da palavra, há filmes, livros e há memória, mas parece que para ser real lhe está a faltar qualquer coisa. O que é que distingue então a existência de candidatos ou até, imagine-se, de deputados e de partidos fascistas – de uma ameaça perigosa para a democracia? Neste momento, e olhando para o resto do mundo, diria que Rui Rio.

Portugal volta a estar perto dos seis mil casos por dia com 79 mortes

Portugal regista, esta quarta-feira, mais 5891 casos e 79 mortes por covid-19, o quarto valor mais alto de óbitos. A região Norte continua a ser a mais afetada, com 3191 novos infetados, 54% do total.

Com estes números, são agora 3632 os mortos causados pela pandemia no país, 79 dos quais nas últimas 24 horas, o quarto valor mais alto, só atras dos 91 óbitos de segunda-feira, dos 82 registados a 11 de novembro e dos 81 de terça-feira. Há 5891 novos infetados, mais do que os 4452 casos de terça-feira, num acumulado de 236015.

O Norte continua a ser a região mais afetada, com 3191 dos 5891 novos infetados (54%), seguido pelas regiões de Lisboa e Vale do Tejo, com 1637 (28%), Centro, com 791 (13%), Alentejo, com 133 (2%), Algarve, com 119 (2%), Açores, com 19 (0,3%), e Madeira, com apenas um (0,02%).

É também na região Norte que se registam mais vítimas mortais, 47 segundo o boletim epidemiológico desta quarta-feira, num total de 1697. Lisboa e Vale do Tejo tem mais 16 (total de 1339), o Centro mais dez (454), o Alentejo mais cinco (88) e o Algarve mais uma (37). São 62 pessoas com 80 ou mais anos (32 homens e 30 mulheres), nove entre os 70-79 anos (sete homens e duas mulheres), seis entre os 60-69 anos (dois homens e quatro mulheres) e dois homens na faixa etária dos 40-49 anos.

Deram entrada nos hospitais mais 23 doentes com covid-19 (3051 internados) e há mais um a receber cuidados intensivos (432).

Conseguiram recuperar da doença mais 4257 pessoas, num total de 153702 infeções confirmadas desde o início da pandemia, em março.

As autoridades de saúde têm 79627 pessoas sob vigilância, ou seja, menos 1190 em comparação com o dia anterior.

Portugal tem atualmente 78641 casos ativos, um valor que representa um aumento de 1555.

Jornal de Notícias

Uma questão de tempo: Dai tempo ao tempo

Bom dia este é o seu Expresso Curto

Em busca do tempo perdido

Cristina Figueiredo | Expresso

Há 98 anos, neste dia, morria Marcel Proust. Em jeito de homenagem ao escritor francês, tomo de empréstimo o título da sua obra emblemática para dar nome a este Curto. A "usurpação" nada tem de original. Volta e meia, a "busca do tempo perdido" é expressão convocada para explicar o impulso que de vez em quando todos temos de, na impossibilidade física de voltar atrás no tempo, remediar as coisas, emendar a mão, recuperar o que não se fez na devida altura, correr atrás do prejuízo, antes que seja tarde demais. Assim é com o estado de coisas relativo ao combate à Covid 19. À medida que os números escalam (ontem houve um novo máximo de internamentos em cuidados intensivos, anteontem atingira-se o maior número de vítimas mortais desde o início da pandemia) e somos confrontados com cada vez mais casos já não apenas lá longe, nas notícias de jornais e televisões, mas nos nossos ambientes de trabalho e familiares, cresce a incerteza: fez-se mesmo tudo o que se podia para evitar chegar aqui?

Portugal é o 10º país da Europa com mais novos casos por 100 mil habitantes. A Europa, de resto, é neste momento a área mais afetada do mundo, segundo a agência francesa AFP, que contabilizou relatórios oficiais e concluiu que desde o início do ano já foram identificados mais de 15 milhões de casos do novo coronavírus em território europeu. Números que nos colocam à frente da América Latina e Caribe (12,1 milhões de casos) e da Ásia (11,5 milhões de casos). Dos 10 países no top, oito já estão em confinamento, total ou parcial. Escapam Croácia e Polónia.

Em busca do tal tempo que porventura se perdeu entre o bem sucedido combate à primeira vaga e o aparente descontrolo da segunda, o Presidente da República prepara-se para renovar o estado de emergência por mais quinze dias. Ontem ouviu os pequenos partidos ( IL, Chega, PEV e PAN), hoje é a vez de CDS, PCP, BE, PSD e PSD. A proposta deve ser discutida e aprovada (ainda que com os votos contra já anunciados de IL, Chega e PEV e, quase de certeza, PCP e BE) na Assembleia da República esta sexta-feira de manhã e o (novo) estado de emergência decretado ao final desse dia por Marcelo Rebelo de Sousa. Provavelmente com nova declaração ao país. No sábado é, pois, expectável que o Conselho de Ministros volte a reunir para decidir que medidas entram em vigor a partir de segunda, 23, dia em termina o atual estado de emergência. Com todas as atenções focadas no que se vai passar nos dois fins-de-semana seguintes, já que propiciam deslocações a aproveitar as "pontes" para os feriados de 1 e 8 de dezembro: vai o Governo repetir a proibição de deslocação entre concelhos do 1º de novembro ou ficar-se pelo recolher obrigatório? E a partir de que horas?

Certo parece ser que o recolher obrigatório generalizado a partir das 13h e até às 5h da manhã, como aconteceu no passado fim-de-semana e vai voltar a acontecer este sábado e domingo, motivando tantos protestos sobretudo por parte da restauração, não é para repetir. O Governo está a ponderar adotar medidas diferenciadas de acordo com o nível de risco dos municípios e, quando muito, o confinamento mais drástico ficará reservado para aqueles com mais de 960 casos de Covid por 100 mil habitantes. A ser este o critério, Loures (com pouco mais de 500 casos por 100 mil habitantes) fica de fora. Porque falo especificamente de Loures? Porque é lá que o PCP se prepara para realizar o seu congresso, de 27 a 29 de novembro. Indisponível para cancelar o evento (à semelhança do que fez com a festa do Avante), pode dizer-se que, desta vez, o PCP conta com o empenho de Governo e Presidente, para levar a cabo a iniciativa com o mínimo de controvérsia: se não houver recolher obrigatório antes das 23h (ou das 20h, que seja), basta que adeque a hora de encerramento dos trabalhos e ninguém o poderá acusar de estar a violar alguma regra do estado de emergência ou a beneficiar de qualquer tratamento de exceção.

Quem tem amigos "pretos" não pode ser racista?

Pedro Tadeu | Diário de Notícias | opinião

A maneira mais fácil e, ao mesmo tempo, mais pateta de tentar apresentar credenciais antirracistas é dizer ao interlocutor, peito inchado a simular brio, cara frontal a dramatizar orgulho, esta banalidade disparatada: "eu até tenho amigos pretos!".

Tal frase normalmente fecha uma conversa onde o proclamador da camaradagem inter-racial na vida privada lista uma série de razões de queixa sobre a convivência social que se vê obrigado a manter com pessoas de ascendência africana: "abusadores", "ignorantes", "preguiçosos", "estúpidos", "barulhentos", "desrespeitosos", "macacos", "selvagens" e outras finezas semelhantes, ou bem piores, preenchem o prelúdio, o andamento, a melodia, o ritmo e a harmonia de um concerto de insultos que termina, em apoteose, num último compasso, com uma hipócrita ode à amizade entre raças.

Normalmente o branco que proclama a quem o quiser ouvir a amizade pessoal com negros é um racista, um horrível racista, um perigoso racista. Porquê?...

Em primeiro lugar, porque a própria ideia de classificar o círculo de amizades pessoal por raças é uma atitude racista.

Não passa pela cabeça de um branco português dizer "eu até tenho amigos brancos", pois não encontra nesse facto nada de "anormal" a registar, não encontra qualquer diferenciação entre si próprio e os outros brancos que justifique assinalar publicamente tal ocorrência.

Quando um branco começa a dizer que até (e esta palavra "até" sublinha a singularidade do facto) tem amigos de outras raças está a discriminar, está a separar um agregado em particular da unidade grupal que constituem todos os seus amigos, está a diferenciar esse conjunto de indivíduos não por serem melhores ou piores amigos, não por serem constantes ou ausentes do quotidiano desse círculo de camaradagem, não por serem de maior ou menor confiança. Eles são catalogados e separados do grupo de amigos do branco português apenas por terem uma cor de pele diferente. Isto é puro racismo.

Pandemia está a causar mais mortes de portugueses em casa

Os alarmes soaram assim que o INE começou a publicar os dados sobre mortalidade em Portugal. De 2 de março até 1 de novembro, morreram mais 8686 portugueses, quase seis mil fora do contexto hospitalar. Para o diretor do maior serviço hospitalar de medicina interna do país, Jorge Almeida, a principal causa de morte é as pessoas "não procurarem cuidados de saúde".

Há quem diga que a covid-19 tem uma marca muito forte associada à morte, à solidão da morte, de quem parte e de quem fica, por não haver a proximidade da despedida. Mas a pandemia está a deixar agora mais uma marca na morte, a do medo. "O medo de ir ao hospital para não serem infetados com a covid", dizem-nos. Mas esse medo já se está a traduzir em mais mortes em casa, ou fora do contexto hospitalar.

De acordo com os dados agora publicados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), nestes meses oito meses morreram 77.249 portugueses, mais 8686 óbitos do que no mesmo período homólogo, dos últimos cinco anos, e, destes, 31.124 morreram fora dos hospitais, mais 5817 do que o registado também no período entre 2015 e 2019. "Mais de dois terços do acréscimo de óbitos entre 2 de março e 1 de novembro, relativamente à média dos últimos cinco anos, ocorreu fora dos hospitais", conclui o INE.

Os dados do INE são recolhidos através das certidões de óbito não referindo causas ou locais, mas ao DN o médico Jorge Almeida, diretor do maior serviço de medicina interna do país, que integra o Hospital São João, no Porto, explica: "A maioria morreu em casa, porque só uma ínfima parte das mortes ocorrem na rua ou em instituições."

Um cenário que já nada tem a ver com o que se considera habitual. "A maioria das pessoas morre hoje nas enfermarias dos hospitais", sustenta Jorge Almeida, mas "quando passámos março e abril e começámos a ver camas vazias percebemos que os doentes não estavam a vir aos hospitais para se tratarem", argumenta.

Segundo os dados do INE, 46.125 morreram no contexto hospitalar e 31.124 fora, numa leitura comparativa com o aumento do número de mortes em relação aos cinco anos anteriores; só houve 2868 mortes a mais nos hospitais, enquanto houve mais 5817 em casa ou fora dos cuidados de saúde.

Ligações tenebrosas entre os EUA e a Lava Jato ganham repercussão na Europa

#Publicado em português do Brasil

O jurista Rafael Valim foi indagado se haveria algum mérito na operação Lava Jato. Ele afirma que a operação é um projeto autoritário de poder. E que teve seus processos  desnudados com a subida de Bolsonaro à Presidência.

Correio do Brasil, com agências internacionais – de Lisboa

Os contatos entre integrantes da Operação Lava Jato e as agências de inteligência do governo norte-americano, incluindo a parceria entre a Polícia Federal (PF) e o Federal Bureau of Investigation (FBI, equivalente à PF brasileira) com o intuito básico de incriminar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para retirá-lo da eleição presidencial de 2018 e abrir caminho para a eleição de Jair Bolsonaro (sem partido), ganhou repercussão internacional, nesta terça-feira.

Diário de Notícias, um dos jornais portugueses mais influentes, estampa a foto de Lula na capa, na chamada para uma entrevista com os advogados de defesa do ex-presidente Cristiano Zanin e Valeska Martins, e o jurista Rafael Valim. Os três estão em Lisboa para o lançamento do livro Lawfare: uma introdução, que trata da manipulação da justiça com fins políticos, como é o caso da operação que exerceu a perseguição a Lula.

Justiça

Zanin comenta, na entrevista concedida aos jornalistas, que todos os processos contra o ex-presidente têm em comum o fato de serem desprovidos de materialidade.

— São hipóteses acusatórias construídas não com base em elementos concretos. Mas com base na convicção, ou seja, naquilo que alguns membros do sistema de justiça brasileiro, que não gostam do ex-presidente Lula, imaginaram com o objetivo de o colocar na prisão e para o retirar da política — confirma.

Pré-sal

Quanto às articulações entre a Lava Jato e o governo dos EUA, nos bastidores das acusações a Lula, Valeska Martins afirma que essa conjugação de interesses geopolíticos norte-americanos e interesses políticos e pessoais de alguns integrantes do sistema de justiça do Brasil se dá a partir de provas que a defesa tem coletado.

— Após ter descoberto petróleo na camada de pré-sal e definido a sua partilha, o Brasil se tornou um alvo dos Estados Unidos. Tanto é que em 2013 houve uma primeira investida com a espionagem da Petrobras, da então presidente da República Dilma Rousseff e de membros do alto escalão de seu governo — disse Valeska.

Corrupção

O jurista Rafael Valim foi indagado se haveria algum mérito na operação Lava Jato. Ele afirma que a operação é um projeto autoritário de poder. E que teve seus processos ou propósitos completamente desnudados com a subida de Bolsonaro à Presidência. A defesa de Lula entende que Bolsonaro não estaria no Palácio do Planalto hoje sem a prática de lawfare contra o ex-presidente Lula.

— A título de combater a corrupção, arruinou-se a economia brasileira e abriu-se caminho para uma profunda crise democrática, de que são exemplos eloquentes a destituição ilegítima de uma presidente da República e a ascensão de um líder de extrema-direita antitético aos nossos valores constitucionais — resumiu Valim.

Na imagem: Zanin apurou a relação entre a Lava Jato e os organismos de inteligência dos Estados Unidos, no livro Lawfare

Brasil2020 | Eleições municipais e o fracasso da “nova política”

A derrota da ''nova política'', a revanche da ''Nova República'' e outras teses sobre as eleições municipais de 2020

#Publicado em português do Brasil

Pedro Paulo Zahluth Bastos | Carta Maior

A “nova política” não vingou nas grandes cidades. Se for preciso tirar uma única conclusão sobre as eleições municipais, eu escolheria a revanche da “Nova República”, ou melhor, da “velha política” sobre a onda bolsonarista iniciada em 2018. O Bolsonarismo não foi barrado por uma nova maré de esquerda, mas pelas velhas estruturas da política de clientela assentadas na transição conservadora para a democracia sob tutela militar na década de 1980. Em compensação, ainda avança nas pequenas cidades através do PSL e do Republicanos.

Não deve haver ilusões de um retorno ao mundo antes da Lava Jato e Bolsonaro. PT, PSDB e MDB organizavam a política brasileira entre 1994 e 2006, e continuaram perdendo prefeituras em 2020, assim como PSB e PDT. Os políticos de centro-direita que venceram a eleição de 2020 são herdeiros do espírito conservador da Nova República enraizado no DEM, no PP, no PSD, no PL e demais partidos integrantes ou ex-integrantes do Centrão.

Esse “baixo clero” conservador é herdeiro do conservadorismo que colocou freios à pulsão social, nacionalista e democratizante da Constituinte em 1987 e 1988, favorecido pela alta representatividade das regiões mais conservadoras do país criada pela “reforma eleitoral” da ditadura em abril de 1977 (que ainda nos prende ao passado). Trinta anos mais tarde, o Centrão apoiou as reformas neoliberais dessa mesma Constituição, a Lei do Teto do Gasto e a reforma trabalhista com Temer, e a Reforma da Previdência com Bolsonaro e Guedes. Não foi o fim da Nova República e da Constituição de 1988, mas apenas de alguns de seus melhores aspectos.

Tal conservadorismo colocou freios contra a pulsão autoritária de Bolsonaro durante a pandemia da Covid, ao mesmo tempo, o protegeu do impeachment depois de impedir Dilma Rousseff por muito menos. A eleição acabou de tornar Bolsonaro ainda mais refém da política do toma lá, dá cá.

A resultante da aliança entre o Bolsonarismo e a pulsão conservadora da Nova República não é boa para o campo popular. Se a aliança tensa construída em 2020 se consolidar, Bolsonaro terá em 2022 o que não teve em 2018: capilaridade política nos municípios. Uma máquina de produção de votos que complementa a influência contínua das redes sociais de desinformação de massas controladas pelo Bolsonarismo.

O Chile Rebelde enfrenta o sistema político

#Publicado em português do Brasil

A Constituinte foi conquistada nas ruas e urnas. Mas como escrever uma Carta que supere o neoliberalismo e estabeleça o Comum? Primeira batalha é superar velhos partidos e nomes famosos — e eleger os anônimos que lideraram a revolta

Cristian González Farfán, no Brecha | Outras Palavras | Tradução de Simone Paz Hernández

Poucas semanas após o plebiscito que enterrou a Constituição neoliberal de Pinochet, foi dada no Chile a largada para a elaboração de uma nova. Num prazo de apenas dois meses, devem ser apresentadas as candidaturas para formar a Convenção que assumirá essa tarefa. Submetido às regras do pacto partidário, o processo impõe diversos entraves aos novos candidatos, que emergiram dos movimentos sociais. Assim, rostos antigos de uma política deslegitimada podem acabar voltando, com vigor renovado.

O esmagador triunfo de 78,27% do apruebo (“aprovo”), no plebiscito de 25 de outubro abriu imediatamente o apetite dos partidos políticos tradicionais para lançarem suas candidaturas à Convenção Constitucional, órgão que os cidadãos encarregaram, também por esmagadora maioria (78,99%), de redigir a nova Carta Magna, que substituirá a de 1980. O referendo histórico convocou mais de 7,5 milhões de eleitores às urnas (50,9% dos cadernos eleitorais), a maior afluência desde o surgimento do voto voluntário no Chile.

Após as celebrações na Praça da Dignidade [novo nome dado à Praça Itália] e nas ruas do país, começou uma corrida contra o tempo. O prazo para a apresentação das candidaturas à Convenção expira em pouco mais de dois meses, no dia 11 de janeiro de 2021. Três meses depois (em 11/4), novas eleições serão realizadas, para eleger os 155 constituintes — número que pode variar se o Congresso aprovar um regulamento que conceda assentos exclusivos para representantes dos povos originais.

O problema para os mais de 5,8 milhões de eleitores que, naquele domingo, marcaram com caneta azul o apruebo (“aprovo”), é que suas preferências podem não ser necessariamente refletidas na votação de abril. De acordo com Mauricio Morales, doutor em Ciência Política e professor da Universidade de Talca, “no plebiscito, as pessoas votaram por opções de futuro, enquanto que, em abril de 2021, a votação será pelos candidatos que estarão distribuídos territorialmente, com o intuito de conquistar esses votos. As campanhas serão muito mais personalizadas, e nisso a direita chilena é forte. Tanto que, historicamente, sempre beirou o 40% dos votos. Não vejo por onde a esquerda possa se sair com um triunfo majoritário nessas eleições, se estiver dividida em várias listas. Num sistema de representação proporcional, as listas de vários partidos unidos tendem a conquistar mais votos”.

Morales se refere ao método D’Hondt, o sistema de representação proporcional que será utilizado no Chile para a escolha dos constituintes, conforme estabelecido no acordo político de 15 de novembro de 2019, um mês após o início da rebelião social. Lucía Dammert, doutora em Ciências Políticas e pesquisadora da Universidade de Santiago, alerta que “pode ocorrer uma coisa bem paradoxal: se a oposição se dividir em várias listas, é possível que o rechazo (a rejeição à Constituinte) tenha mais representação na nova Constituinte do que o apruebo”.

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