Thierry Meyssan*
O Presidente Biden e o Partido Democrata lançaram importantíssimas reformas, não sociais, mas societais nos Estados Unidos. Ele acaba também de traçar as bases para o relançamento do imperialismo. No entanto, é difícil dizer se tudo isso será prosseguido ou se será abandonado devido à senilidade do Presidente.
O Presidente Biden consagrou o primeiro mês do seu mandato a fazer avançar o seu objectivo de reforma societal e o segundo a lançar as bases da sua política estrangeira. Ignora-se ainda com precisão o que será o terceiro pacote dos « 100 dias », o qual deverá versar sobre as questões económicas. Ele deverá traduzir-se por uma vasta melhoria das infraestruturas do país, hoje em dia em ruínas, e que será financiado por um aumento de 30 % nos impostos, segundo a doutrina keynesiana levada ao extremo.
Eu não irei aqui discutir o mérito da política da Administração Biden, mas exclusivamente as sua consequências
Reforma social
A esquerda ocidental renunciou defender as nações e os pobres. Nos Estados Unidos, ela reconverteu-se à busca da Pureza segundo o modelo dos «Pais Peregrinos». Trata-se, para ela, de resgatar os pecados passados (o massacre dos índios, a escravatura dos africanos, a destruição da natureza) e de construir um mundo melhor fundado não sobre a igualdade de todos, mas sobre a equidade das comunidades.
Os Estados Unidos são um vastíssimo país povoado por emigrantes económicos. No passado, eles utilizaram a selecção de candidatos na base de critérios sanitários e étnicos, mas consideraram-se sempre como um refúgio para os pobres e os empreendedores. Desde há uns quarenta anos, tem que fazer face a uma população de imigrantes ilegais, o que jamais haviam experimentado antes. O seu número estará entre os 11 e os 22 milhões.
O Partido Democrata pensa regular todo o problema (simultaneamente as regras de imigração, o estatuto dos imigrantes legais e o dos imigrantes ilegais), mas hesita em fazê-lo com uma lei única ou com várias. Têm a lembrança do projecto do Senador Chuck Schumer (D-NY) que, por muito inflamar coisas diferentes simultaneamente, foi rejeitado apesar do apoio do Presidente Obama.
Em primeiro lugar, os Democratas entendem naturalizar os 5,6 milhões de pessoas que imigraram ilegalmente quando eram de menor idade (os «dreamers») que, desde a era do Presidente Obama, já não podem ser expulsos. Muito embora os Democratas sejam maioritários (majoritários-br) nas duas câmaras do Congresso, não é de todo certo que esta lei venha a ser adoptada. Com efeito, sem esperar esta « amnistia geral », dezenas de milhar de Sul-Americanos puseram-se em marcha com o anúncio da eleição do Presidente Biden, persuadidos que seriam acolhidos pelo « País da Liberdade». Em todos os sítios onde tal é possível, eles franqueiam em massa a fronteira mexicana.
Ora, este acolhimento acontece quando o Partido Democrata já não dá importância à noção de Pátria. Desde a abertura da sessão do Congresso, a Presidente democrata da Câmara, Nancy Pelosi, apresentou uma volumosa proposta de lei (H.R. 1) que pretende reformar o sistema eleitoral. A ideia é transferir a responsabilidade pelos cadernos eleitorais dos Estados federados para o Governo federal. Daí resultará que pelo menos 13 milhões de estrangeiros legais e, sobretudo, ilegais, que aparecem nos registos federais, se tornariam eleitores. Se alguns países concedem aos estrangeiros o direito de voto nas eleições locais, seria a primeira vez a nível mundial que eles poderiam votar não apenas nessas, mas também para designar o Chefe de Estado.
Este projecto relaciona-se com um debate que data já de há vários anos. Em 2016, 834.218 eleitores de Hillary Clinton haviam votado ilegalmente na eleição presidencial: não eram cidadãos, mas, sim estrangeiros. Em 2017, o Presidente Trump criou uma comissão ad hoc para comparar as listas eleitorais compiladas pelos Estados federados com os dados do Departamento de Segurança Interna. Tratava-se já de avaliar a fraude à qual os Democratas acabavam de se dedicar. Mas, muitos Estados apenas transmitiram listas inúteis não contendo mais do que os nomes dos eleitores e nenhuma outra indicação que permitisse identificá-los (datas e locais de nascimento, por exemplo). A comissão, incapaz de concretizar o seu trabalho, foi dissolvida.
Notemos que a confusão entre cidadania e direito de voto não é unicamente um problema norte-americano. Assim, em França, o Primeiro-Ministro Jean Castex, por decreto, proibiu aos Franceses vivendo no exterior regressar a França no período epidémico, salvo motivo imperioso, o que quis dizer bani-los sem apelo. Esta decisão ignóbil foi evidentemente anulada pelo Conselho de Estado (Justiça Administrativa), mas ela mostra que a classe dirigente francesa, como a sua homóloga norte-americana, já não tem consciência do que é a cidadania.
Mas o Partido Democrata já não pára por aí. Ele pretende também transformar o modo de vida dos habitantes do país (eu não ouso escrever dos «seus concidadãos»); um Poder que ele se arroga em violação da Constituição dos EUA. A Administração Biden acaba, com efeito, de tomar uma série de medidas espetaculares para a «transição energética», ou seja, na prática, substituir os veículos movidos a gasolina por outros a electricidade. Segundo a estimativa de um organismo que ela acaba de criar, o Interagency Working Group on Social Cost of Greenhouse Gases (Grupo de Trabalho Intergovernamental sobre Custo Social dos Gases com Efeito Estufa-ndT), o custo desta transição seria cerca de US $ 9,5 mil milhões (US $ 9,5 bilhões) de dólares. Pode imaginar-se o número de empregos suprimidos e de famílias arruinadas que ela causará. Foi exactamente este tipo de medida que provocou a Guerra Civil. Tratava-se, à época, de transferir os direitos alfandegários para as autoridades federais, o que teria desenvolvido os Estados industriais do Norte e arruinado os Estados agrícolas do Sul.
Por iniciativa do Missouri, 12 Estados levaram o assunto ao Tribunal e exigem a revogação dos decretos do Presidente Biden sobre a matéria. Veremos como o Supremo Tribunal decidirá.
Seja como for, a transição energética não destrói só a sociedade norte-americana, mas priva também o país de uma arma importante: ele é o maior exportador de petróleo do mundo e apresta-se por decreto a fechar todos os seus poços.
A política estrangeira
Cheia de boa vontade, a Administração Biden proclamou alto e bom som que ia restabelecer os laços dos Estados Unidos com os seus aliados e consultá-los sobre todas as decisões que os envolvam. Ela anunciou igualmente que os diferendos com a China não deviam alterar as relações económicas, mas que as relações com a Rússia eram redibitórias.
Os Europeus que tinham acreditado nessas lindas palavras não tardaram a ficar desencantados. Eles deveriam ter ficado já de sobreaviso quando, para falar com eles, o Secretário de Estado, Anthony Blinken, se dirigiu por videoconferência, junto com o seu homólogo britânico, aos alemães e franceses, e não aos 26.
-- Para começar, a União
Europeia, estando carente de vacinas anti-Covid, pediu a Washington que lhe
vendesse as vacinas AstraZeneca em stock (estoque-br) nos EUA, onde ainda não
estavam autorizadas. Recusa fulminante da Casa Branca. A solidariedade com os
aliados não chega ao ponto de os salvar de um perigo mortal. Esses stocks foram
imediatamente classificados de «estratégicos», coisa que não eram até aí.
-- Segundo episódio: os
Estados Unidos do presidente Trump conseguiram a normalização das relações
diplomáticas entre Marrocos e Israel ao reconhecer que o (antigo) Saara
espanhol não é um Estado independente, mas um território marroquino. A Espanha
interpretou -erradamente— a eleição do Presidente Biden como uma ocasião de pôr
em causa esse desenvolvimento. Erro ! Os Estados Unidos não demoraram a ameaçar
Madrid militarmente para a dissuadir de qualquer veleidade de intervenção. Eles
«esqueceram-se» de a avisar que estavam a organizar um exercício militar
conjunto com o Marrocos e até «perderam» os mapas regionais. Numa bela manhã de
Março, o estupefacto Estado-Maior espanhol viu dezenas de aviões dos EUA
armados penetrar «por engano» no seu espaço aéreo, nas Canárias.
-- Terceiro episódio: Os
Europeus foram afastados das negociações sobre o futuro do Afeganistão, onde,
no entanto, eles colocaram contingentes de tropas sob o comando dos EUA.
-- Por fim, quarto
episódio, Washington decidiu impor aos Europeus a interrupção da construção do
gasoduto Nord Stream 2. Para isso, o Departamento do Tesouro iniciou
investigações sobre todas as pessoas e empresas envolvidas. Esperam-se sanções,
já não mais contra os Russos, mas contra Europeus à excepção dos Alemães.
O Departamento de Estado reuniu-se durante dois dias com os seus homólogos chineses. Perante as câmaras de televisão, Antony Blinken encenou as suas reprimendas a propósito do Tibete, de Hong Kong, dos Uigures e de Taiwan. Corteses, os chineses engoliram os sapos. Depois, uma vez as portas fechadas aquilo que devia ter lugar aconteceu: Washington dissociou esse breve protesto dos interesses económicos da sua classe dirigente. Pôs fim à política do Presidente Trump e retomou as importações maciças, em detrimento dos seus operários.
Onde as coisas tomaram um curso inesperado foi com a Rússia. Numa entrevista televisiva, o Presidente Biden injuriou o seu homólogo russo tratando-o de «assassino»; uma apreciação no mínimo chocante da parte de um país que consagra US $ 8 mil milhões (bilhões-br) de dólares anuais para assassinatos selectivos dos seus oponentes pelo mundo inteiro. Reforçando o seu comentário, o Presidente Biden prosseguiu acrescentando que o seu homólogo «pagaria as consequências por isso».
Historicamente, Washington reservava este tipo de insulto a líderes do Terceiro Mundo antes de lhes destruir o país, jamais contra um dirigente russo. Os Europeus, reenquadrados pelos Estados Unidos, nem ousaram reagir.
Passado o momento de surpresa e a chamada do seu Embaixador, Moscovo respondeu pela voz do Presidente Putin. Ele sublinhou que se projecta por vezes o que se é nos estranhos para quem se olha. Em suma, que «quem diz, afirma o que é». Depois, convidou o seu homólogo norte-americano a participar num debate ao vivo com ele perante as suas duas nações. Muito embaraçada, a porta-voz da Casa Branca garantiu que a agenda do Presidente Biden estava demasiado sobrecarregada para lhe permitir participar. Washington não quer arriscar a sua credibilidade num «duelo de chefes».
Em breve, o Presidente Biden posto à margem?
Claramente, há inquietação com a saúde do Presidente Biden. Nós já por várias vezes indicáramos que ele sofria de doença de Alzeihmer. Por si isto não é grave. Outros governam em seu lugar. Mas ao não se chegar a identificá-los transforma os Estados Unidos num regime opaco, absolutamente não-democrático.
Vários deputados Democratas evocam, em privado, a possibilidade de assumir a incapacidade do Presidente e de o destituir (impeachment-br), alguns exigem publicamente que o poder de activar a força de ataque nuclear lhe seja retirado.
A Vice-Presidente, Kamala Harris, faz-se mais presente nos média (mídia-br), contentando-se de momento em apostar na carta feminista e na sua pertença à minoria negra. Claramente, ela prepara-se para rapidamente lhe suceder. Premonitório, Joe Biden já por várias vezes a chamou erradamente «Senhora Presidente».
Thierry Meyssan* | Voltairenet.org | Tradução Alva
*Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008).
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