É inaceitável que, nesta data, não se saiba o que pretende o Governo fazer perante a pressão que o presidente da Altice lhe dirigiu, em entrevista à Lusa publicada no Diário de Noticias.
Duarte Caldeira* | AbrilAbril | opinião
Soube-se esta semana que o SIRESP (Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal) pode ficar inoperacional a partir de 30 de junho, dado que nesta data cessa o atual contrato que o Estado celebrou com a Altice.
A informação, veiculada pelo presidente da Altice, suscitou de imediato legítimas reações e preocupações da parte de estruturas representativas do setor de Bombeiros, enquanto pilar do sistema de proteção e socorro do país, considerando o carácter determinante das comunicações no domínio da resposta operacional às emergências.
Em 15 de outubro do ano passado foi publicado em Diário da República o Despacho n.º 9938/2020, do Ministro das Finanças e do Ministro da Administração Interna, no qual se determina a constituição de um grupo de trabalho (GT) «para a avaliação dos requisitos tecnológicos e do modelo de gestão da rede de comunicações de emergência do Estado, a adotar após 30 de junho de 2021.»
O referido GT, coordenado pelo representante do Ministério da Administração Interna, tinha a missão de apresentar um relatório final, com as conclusões do seu trabalho e a formulação de propostas, até 28 de fevereiro de 2021, sem prejuízo da elaboração de relatórios parcelares que entendesse convenientes.
Desconhecem-se as conclusões a que o GT chegou e quais as opções que o Governo decidirá adotar em função das conclusões que lhe foram apresentadas. O que é verdadeiramente inaceitável é que nesta data não se saiba o que pretende o Governo fazer, perante a pressão que o presidente da Altice lhe dirigiu, em entrevista à Lusa publicada no Diário de Noticias, na passada quarta-feira.
Em 2019 o Estado assumiu o controlo da empresa SIRESP, S.A. Porém parte das infraestruturas e a tecnologia em que a rede de comunicações se alicerça continuaram a ser fornecidas pela Altice e pela Motorola.
Vai sendo tempo de terminar esta novela de mau gosto. Depois de tantos anos de um negócio ruinoso para o Estado, do qual os privados beneficiaram de largos milhões de euros de dividendos, este é o tempo do Siresp passar a ter um total controlo público.
A gestão e a propriedade pública da rede de comunicações de emergência do país não é um capricho ideológico, como os arautos do bloco central de interesses gostam de propagandear. Esta é, apenas e só, uma questão de soberania.
Entretanto e voltando ao risco do país poder vir a registar graves perturbações na operacionalidade dos seus serviços de emergência em consequência da falha do sistema de comunicações, tal como aconteceu nos incêndios de junho e outubro de 2017, talvez seja prudente lembrar o artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa que se transcreve: «O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.»
Assim sendo, assumam-se as responsabilidades públicas que estão para além dos interesses económicos.
*O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)
*Duarte Caldeira -- Investigador
na área da Protecção Civil. Presidente do Conselho Directivo do Centro de
Estudos e Intervenção
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