No Diário de Notícias, em
reportagem de Céu Neves,
Empresas nacionais e estrangeiras usam e abusam de algo a que podemos chamar esclavagismo moderno, num país, Portugal, em que os governantes e os bem posicionados nos poderes referem como Estado de Direito mas em que essa condição é só para alguns. No caso, a exploração e a falta de condições de sobrevivência dos imigrantes a serem explorados naquele rincão do Alentejo, agora tão falado e a tomar raias de vergonha e escândalo, não é mais que senão um subtil levantar da ponta do véu dos que neste país caem nas mãos de oportunistas e mafiosos que o empresariado utiliza para obter vantagens que lhes proporciona vidas regaladas, sem se importarem com as violações dos direitos humanos de que Portugal é signatário na ONU.
Afinal, eis a demonstração da imerecida definição de Estado de Direito de Portugal. A saber, tais violações só existem porque desde os governos a outros políticos refastelados e ocupados nos seus “negócios”, passando por autarcas, autoridades policiais, etc. têm passado a vida a fazerem vista grossa a essas ilegalidades. Como, aliás, o fazem mesmo relativamente aos trabalhadores portugueses, de quem se lembram só para cobrar impostos e fazer-lhes a vida negra, numa escala um pouco menor do que aos imigrantes em questão.
No caso dos imigrantes, no concelho de Odemira, ficou exposto o laxismo dos governos e de outras autoridades que fecham os olhos aos que por fragilidades de várias índoles têm de vender a sua força de trabalho a negreiros do empresariado agrícola, neste exemplo. Sendo certo que não só desses estrangeiros os oportunistas se aproveitam, usam e abusam, mas também de portugueses, de muitos milhares de portugueses que se têm de sujeitar às faldas do esclavagismo moderno. Coisa que num Estado de Direito não devia de ser possível existir. De pouco adianta a teatralização dos governantes perante este mercado moderno do esclavagismo, das violações das leis do trabalho e dos direitos humanos de que tanto se fala mas sem que se atue adequadamente contra os violadores. Não é só no caso do concelho de Odemira que acontecem este tipo de situações ilegais e violadoras dos Direitos Humanos.
Na referida reportagem do Diário de Notícias descobrimos vidas de imigrantes que até parecem mais ou menos aceitáveis. Podem parecer, mas não são. E só parece melhor para eles porque fugiram de países em guerra e/ou de miséria absoluta, por isso suportam a sua condição de escravatura desbragada destes tempos modernos, não exigindo, não reivindicando justiça e direitos, muito menos se estiverem em condições ilegais de imigração por via de hediondas organizações de tráfico humano, de máfias que suplantam o controle das autoridades policiais por inoperância daquelas, por falta de recursos ou falta de vontade. Tal situação para os empresários é bom. É trabalho barato, às vezes até de borla. É o novo esclavagismo por via de novos métodos negreiros.
Do Diário de Notícias trazemos uma parte da reportagem e o convite para que o restante seja lido no original do centenário jornal, fundado em 1864.
Em Odemira, o número de infetados aumentou muito, o que coincide com a época alta das explorações agrícolas. O concelho é um dos quatro na linha vermelha e esta segunda-feira é obrigado a recuar no desconfinamento. Protestam que são muitos mais e que a doença não afeta a população de risco, os seus velhos, e que muitos estão vacinados. [texto publicado originalmente a 18 de abril]
As ruas de S. Teotónio começam a
encher-se a partir das 16:30, gente que carrinhas largam junto ao largo da
igreja, mais conhecido pelo Quintalão. Imigrantes em plena idade ativa, na
maioria homens, de chinelos, com sacos de plástico na mão, alguns usam turbante.
Cruzam-se com os poucos locais, velhos, em direção a casas minúsculas e a
dividir quartos pagos a peso de ouro. O mesmo movimento na madrugada seguinte
em sentido oposto. Correm para o transporte que os levará às explorações
agrícolas que encontram nos terrenos de Odemira terra fértil para produzir em
quantidade e qualidade.
O concelho vai recuar nas medidas de desconfinamento esta segunda-feira com
base na proporção de infetados por número de habitantes. Continua a ser
envelhecido, com uma taxa de crescimento natural negativa, mas têm chegado
milhares de imigrantes, estimando-se que representem mais 61 % além da
população estimada (24 727).
Descendo pelo largo Luís da
Camões, porta sim porta sim não se fala em português, apenas para cumprimentar
quem se cruza. "Aparecem de todo o lado. Não me meto com eles e eles não
se metem comigo, "bom dia, boa tarde, está tudo bem"", resume
Georgina Francisca, de 81 anos, nascida no concelho.
Os vizinhos trabalham em explorações agrícolas a perder de vista, muitos deles
contratados por empresas de trabalho temporário e prestadoras de serviços. São
da Índia, Nepal e Bangladesh, substituindo os tailandeses, os romenos e os
búlgaros, estes últimos da primeira vaga. Fluxos muito ditados pelas redes
que colocam os imigrantes onde há falta de mão-de-obra e, por isso, fazem-se
pagarem bem.
"Aqui havia muitos
emigrantes, mas há dez anos não param de chegar estrangeiros. Há muito
trabalho, os portugueses não querem trabalhar na agricultura, tiveram que meter
os estrangeiros, que ganham menos. A minha filha viveu sete anos em Londres e diz:
"Também vivi fora, eles têm direito a estar cá"", sentencia
a dona Georgina, enquanto puxa o saco do lixo num carinho.
Passa pela casa onde vive Ravinder Kauer, 39 anos, com o marido e mais duas
famílias: Harsh Singh, 17 anos, a mãe e a irmã; Amritpal Kauer, 30, e o filho,
Arardeep, 10 anos. Três famílias de indianos, uma por quarto pelo qual pagam
300 euros. Partilham a cozinha, cozinham segundo uma escala, tal como organizam
a hora do banho. Aquecem a água em panelas, o "esquentador avariou".
Ravinder trabalha na G.O.Berrys,
produção de frutos vermelhos, entre as 07:30 e 16:30, cinco dias por semana,
ganha cerca de 700 euros por mês. Chegou a S. Teotónio em 2018, o seu desejo é
ter sempre trabalho. "É um bom país, a empresa é boa, é fácil conseguir os
documentos, as casas é que são um problema, são muito caras, não há muitos
lugares", queixa-se. Já visitou Albufeira e Fátima. Os filhos, de 15
e 17 anos, vivem na Índia, aproveitando para estudar com o dinheiro que os pais
enviam para a família.
Mais à frente vivem Cliber Liabs e Prakash Tsapa, do Nepal, de 31 anos: três
pessoas por quarto a pagar 130 euros por cabeça. Os preços do quarto depende do
número de beliches, entre 100 e 150 euros por pessoa. Prakash chegou em 2019,
depois das coisas não terem resultado na Alemanha. "Aqui foi fácil
conseguir os papéis e tenho trabalho contínuo, não dependo das campanhas".
Ganha cerca de 850 euros mensais. (continua)
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