quinta-feira, 3 de junho de 2021

Portugal | Congresso do Chega: outra mão cheia de nada

Lourenço Pereira Coutinho* | Expresso | opinião

A ver se percebi bem: um partido com 2 anos de existência, que teve pouco mais de 1% nas últimas legislativas, e que conta apenas com um deputado na Assembleia da República, exige agora ao maior partido da oposição nada mais nada menos que quatro ministérios para viabilizar um hipotético futuro governo (!). O que isto é senão delírio?

Nos últimos 8 meses, o Chega realizou eleições para o seu presidente (em março, quando André Ventura foi reeleito com um score norte coreano) e duas reuniões magnas (setembro de 2020 em Évora, e maio de 2021 em Coimbra). E para que serviu? Para discutir ideias? Não. Serviu para dar ao “querido líder” palco mediático, para além do poder, a única coisa que verdadeiramente lhe importa. Já se sabia que André Ventura, a quem o próprio se refere na terceira pessoa, é um atrevido apaixonado por si e pelos holofotes, mas é angustiante constatar que não há uma única pessoa de bom senso no meio de toda aquela amálgama de desiludidos com o “sistema” que esfrie os seus disparates.

Numa coisa temos de tirar o chapéu a Ventura: o seu oportunismo é apurado. A III convenção do Chega realizou-se imediatamente a seguir ao congresso do MEL, e de forma a aproveitar a onda. No MEL, Ventura conseguiu um bom “boneco”: sentou-se sorridente ao lado de Passos Coelho e encenou, para incómodo deste, uma cumplicidade para jornalista ver. Também, o líder do Chega tem sentido cénico e intuição comunicacional: a tirada de que o seu partido é o novo “sol de Portugal” deve figurar em qualquer manual de aprendiz de populista.

Para além destes entreténs, - megalomanias narcísicas de Ventura e acusações de traição entre as múltiplas fações de “cheguistas” - a convenção resultou noutra mão cheia de nada. Nenhum debate para além das “facadas”, nenhuma ideia para além da vontade de ser poder. Ventura foi passar um fim de semana a Coimbra com o duplo objetivo de representar para as câmaras de televisão e depurar a direção do partido. Os “homens providenciais” são assim: desconfiados, dividem para reinar e descartam quem lhes ouse fazer sombra, substituindo-os por figuras dóceis até que, por sua vez, estas se tornem ameaça. E não importa se os descartados são amigos de há mais de 20 anos, ou mesmo se foram fundadores e construtores do partido (como Nuno Afonso). Tudo o que ameace eclipsar o sol é descartado com a mesma dose de desembaraço.

Esta triste fanfarronice só é possível porque a direita está órfã de líderes e projetos. E a constatação não é dirigida a Rui Rio pois, como o próprio afirma, pouco tem a ver com a direita (já imaginaram um secretário-geral do PS a assumir não ser de esquerda?). Acontece que o PSD é, por circunstâncias que a História explica, a referência do centro-direita e direita em Portugal, e nenhum governo desta área pode ser contruído sem a sua liderança. Como não me tenho cansado de escrever neste espaço, o posicionamento ao centro do PSD só beneficia o PS e o Chega. O PS, porque enquanto os eleitores percecionarem que socialistas e sociais democratas são quase a mesma coisa, maior será a tendência para apostarem no que já conhecem; e o Chega, porque os populistas ficam com via aberta para cavalgar pelo espaço “destapado” à direita.

Com uma alternativa forte, a direita e centro-direita não populistas têm francas possibilidades de formar governo em 2023: António Costa dá sinais de não conseguir controlar o desgaste e a irritação; Eduardo Cabrita é um case study de incompetência e desadequação ao lugar; os parceiros à esquerda estão cada vez mais desconfiados das ambiguidades do primeiro ministro e da sua distância das “verdadeiras políticas de esquerda”; e o cidadão comum está cansado da incompetência, do amiguismo, da carga fiscal e do estado obeso que estrangulam a vida das famílias e empresas.

Como sempre, António Costa vai contando com a sorte e finge que se mexe para que tudo fique na mesma: o plano de recuperação que aí vem será mais uma boia de salvação que

uma bazuca; e, além do mais, o governo tem no PCP um parceiro previsível. Os comunistas preferem engolir sapos (como Mário Soares em 1986) do que entregar o poder à direita... Sobretudo, António Costa conta com a ajuda involuntária da direção do maior partido da oposição que, apesar das suas boas intenções, não consegue passar a mensagem nem ser percecionado como alternativa.

Agora, até mais que saber do regresso de algum D. Sebastião da direita, importa marcar contrastes com o PS e ter uma comunicação clara e coerente, de forma a que os eleitores percebam que existe alternativa. E afirmar um projeto reformista, que ponha o Estado ao serviço dos cidadãos e não os cidadãos ao serviço do Estado; e de cunho humanista que, dentro dos limites de atuação do governo, incentive o crescimento de uma economia ao serviço das pessoas (e não o contrário) e rejeite utopias irresponsáveis. Com um projeto destes, bem poderia António Costa manter o seu sorriso seráfico e Ventura esbracejar perante os holofotes da televisão. Os eleitores não são estúpidos e, se tiverem alternativa, saberão o que escolher.

* Lourenço Pereira Coutinho, Historiador

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