China toma medidas enérgicas em relação às três montanhas - Educação, saúde e habitação
Michael Roberts [*]
Uma reunião de Dezembro de 2020
da Comissão Política do Partido Comunista Chinês prometeu acabar com o que
chamou de "expansão desordenada do capital". Os líderes
chineses temiam que o sector capitalista na China se houvesse tornado demasiado
grande. Empresas como a Ant Group de Jack Ma expandiram-se para o financiamento
ao consumidor e procuravam levantar fundos estrangeiros para isso. Com efeito,
o Ant Group pretendia capturar o crédito às famílias tomando-o dos bancos
estatais. O Ant ia fazer o que queria e dizia isso com muito alarde na
imprensa. A Ant e outros capitalistas chineses de empresas de tecnologia e dos
media estavam cada vez mais envolvidas em fusões do tipicamente
"ocidentais", contratos secretos e outras irregularidades financeiras.
Os reguladores da China fechavam os olhos para tudo isso desde há anos. Além
disso, pela primeira vez a facção financeira na liderança da China havia
conseguido um acordo para permitir que bancos de investimento estrangeiros
criassem na China empresas de propriedade maioritária, com o objectivo final de
"libertar" o sector financeiro do controle estatal e permitir o
cruzamento transfronteiriço não regulamentado de fluxos de capital. Por outras
palavras, a China deveria tornar-se um membro pleno do capital financeiro
internacional. As autoridades também estavam a permitir a mineração não
controlada de criptomoedas e operações com as mesmas no país.
Mas a pandemia do COVID mudou tudo isso. Houve uma crescente cólera pública
sobre como os ricos na China, tal como no resto das grandes economias, ganharam
enormemente com o boom financeiro e de preços de propriedades durante a
pandemia, enquanto a maioria enfrentava confinamentos e custos crescentes em
educação, saúde e habitação, bem como um grave risco quanto a empregos decentes
para licenciados e outros. Educação, saúde e habitação são as 'três montanhas'
que todas as famílias chinesas almejam escalar para ter uma vida melhor – e
ainda assim os custos para elas aumentavam enquanto os ricos ganhavam milhões.
Agora a liderança chinesa foi forçada a retroceder em zig-zag da "expansão
desordenada" e responder à reacção pública através de medidas enérgicas em
relação aos gigantes da tecnologia de consumo e dos media, introduzindo
restrições à educação privada e ao desenvolvimento de propriedades
especulativas. Também proibiu operações com criptomoedas .
Tome-se a saúde. Aproximadamente 95% da população da China é coberta por um programa de seguro público financiado principalmente por impostos sobre a folha de pagamento de funcionários e empregadores, com financiamento governamental mínimo. Isto supostamente financia cuidados universais de saúde, mas é muito básico. Assim, a maioria dos chineses é forçada a pagar taxas privadas para obter melhores cuidados, tal como em muitas economias capitalistas avançadas. E durante o COVID, as famílias chinesas enfrentaram custos exorbitantes com saúde.
E tome-se a habitação. Os preços dos imóveis nas cidades do litoral, onde o trabalho e o pagamento é melhor, duplicou nos últimos dez anos. Em Shenzhen, o preço médio dos apartamentos subiu tanto que alguns estão considerando mais barato morar em Hong Kong , um dos mercados imobiliários mais caros do mundo. Desde 2015, os preços dos imóveis residenciais subiram mais de 50% nas maiores cidades da China. Na última década, a oferta média de terrenos residenciais por novo residente nas 10 principais cidades é de apenas
A especulação tem crescido à medida que os governos locais tentam levantar fundos com a venda de terrenos para incorporadores, que então constroem propriedades por meio de empréstimos a taxas baixas, muitas vezes do sector não-bancário sombra, não regulamentado. "A propriedade é a fonte mais importante de risco financeiro e de desigualdade de riqueza na China", disse Larry Hu, chefe de análise económica na China da Macquarie Securities Ltd., de propriedade estrangeira. E ele está certo.
Assim, o governo tinha de responder ao desencanto público, reflectindo as famosas palavras de Xi Jinping de que "a habitação é para viver e não para especulação". O vice-primeiro-ministro Han Zheng acrescentou que o sector não deveria ser usado como uma ferramenta de curto prazo para estimular a economia. Os bancos foram instruídos a elevar as taxas de hipotecas. Governos locais estão sendo orientados para acelerar o desenvolvimento de habitações subsidiadas para arrendamento e foram instruídos a aumentar o escrutínio sobre tudo, desde o financiamento de incorporadores e preços das novas casas até os preços dos títulos das transferências.
Mas estas montanhas não serão escaladas facilmente pelos líderes chineses. Isso porque as autoridades chinesas se inclinaram cada vez mais para a expansão através do sector capitalista e, particularmente, em sectores improdutivos como propriedade e finanças – às custas de sectores produtivos como tecnologia manufactureira, habitação, educação pública e saúde.
Grande parte da especulação imobiliária tem consistido em construir cada vez mais empreendimentos comerciais ao invés de habitações. Isso porque a principal prerrogativa dos governos locais é acumular receita. Se conseguirem atrair mais empresas para as suas jurisdições e se essas empresas se tornarem lucrativas, o governo local poderá então arrecadar mais impostos corporativos. Ao mesmo tempo, a oferta de terrenos residenciais é deliberadamente mantida escassa de modo a que os governos possam ganhar dinheiro com a venda de terrenos para habitação. Com efeito, as vendas de terrenos residenciais servem como um subsídio cruzado na política de terrenos dos governos locais, favorável aos negócios, que vende terrenos comerciais mais baratos.
Pequim está a pressionar duramente pela implementação de um imposto sobre a propriedade, há muito adiado, que poderia ser uma fonte alternativa de receita para os governos municipais e reduzir sua dependência da venda de terras. Mas é improvável que um imposto sobre a propriedade chegue a compensar a perda de receita que resultaria de menores vendas de terras. Uma vez que as famílias médias estarão isentas do imposto sobre a propriedade, parece improvável que gere mais receita do que imposto sobre o rendimento (1% do PIB), ao passo que as vendas anuais de terras são actualmente da ordem de mais de 7% do PIB.
O sector imobiliário corresponde a 13% da economia, quando era de apenas 5% em 1995, e por cerca de 28% do total de empréstimos do país. Dado que os governos locais têm dívidas de US$10 milhões de milhões (trillion), a venda de terras é a fonte de receita mais crucial e confiável para o reembolso da dívida. Assim, quaisquer mudanças drásticas aumentariam seriamente o risco de incumprimento dos governos locais. Portanto, as novas medidas enérgicas do governo aos sectores capitalistas da China não serão suficientes para alterar as enormes desigualdades de rendimento, riqueza e acesso a empregos, habitação e educação na China.
Sejamos claros, a China tem um alto nível de desigualdade de rendimento pelos padrões internacionais, embora ainda seja menor do que muitas outras economias 'emergentes' como Brasil, México ou África do Sul – e o rácio de desigualdade de Gini atingiu o pico pouco antes da Grande Recessão e tem estado a cair desde então.
A principal razão para o alto
rácio de desigualdade é a disparidade de rendimento entre trabalhadores urbanos
e rurais e entre os salários nas cidades costeiras e do interior, bem como as
qualificações educacionais.
Quanto à desigualdade de riqueza pessoal, a China não é tão
desigual quanto muitos de seus pares econômicos . O rácio de Gini de
desigualdade de riqueza é muito maior no Brasil, Rússia e Índia e maior nos
Estados Unidos e Alemanha. De acordo com as mais recentes estimativas, os 1%
dos maiores detentores de riqueza na China tomam 31% de toda a riqueza pessoal
em comparação com 58% na Rússia, 50% no Brasil, 41% na Índia e 35% nos Estados
Unidos. Esta é uma boa medida do poder económico da elite e dos oligarcas
nestes países.
Muito se fala acerca do número de
multimilionários na China mas, dado o tamanho da população e do PIB, a
proporção per capita em comparação com os EUA e outras economias importantes é
relativamente baixa. Apesar da grande expansão do número de milionários, os
milionários na China continuam relativamente raros: cerca de um para cada 200
adultos. Os milionários representam 3% dos adultos na Itália e na Espanha;
cerca de 4% na França, Áustria ou Alemanha e cerca de 6% na Escandinávia
social-democrata; acima de 8% nos EUA e Austrália e o máximo de todos na Suíça
(15%).
E a desigualdade de riqueza na China está centrada na propriedade, não em
activos financeiros (até agora), ao contrário das principais economias
capitalistas do G7. E isso porque as finanças não foram totalmente abertas ao
sector capitalista.
Mas as contradições da economia controlada pelo Estado da China juntamente com um grande e crescente sector capitalista intensificaram-se durante a pandemia de COVID. E isso foi expresso pelas facções na liderança chinesa. Responsáveis do sector financeiro e bancário querem abrir a economia ao capital estrangeiro e permitir que o renminbi se torne uma divisa internacional. Eles argumentam que a economia está demasiado enviezada para o investimento e as exportações em relação ao consumo. Economistas chineses formados na América e na Europa, apoiados por economistas estrangeiros residentes em universidades chinesas e no Banco Mundial, pressionam continuamente por uma "mudança do investimento para o consumo". Mas terá isto funcionado nas economias capitalistas do G7, onde o consumo não conseguiu impulsionar o crescimento económico e os salários estagnaram em termos reais nos últimos dez anos, enquanto os salários reais na China dispararam?
Na verdade, o consumo está a
crescer muito mais rapidamente na China do que no G7 porque ali o investimento
é maior. Um segue o outro; não é um jogo de soma zero. E nem todo consumo
precisa ser "pessoal"; o mais importante é o "consumo social",
isto é, serviços públicos como saúde, educação, transporte, comunicações,
habitação; não apenas automóveis e gadgets. O aumento do consumo pessoal de
serviços sociais básicos é o que é necessário. E é aqui que a China precisa
actuar.
Também se fala muito dos crescentes níveis de endividamento da China.
Economistas tradicionais vêm prevendo há décadas que a China caminha para uma
crash da dívida de mega proporções. É verdade que, de acordo com o Instituto de
Finanças Internacionais (IFF), a dívida total da China atingiu 317% do produto
interno bruto (PIB) no primeiro trimestre de 2020. Mas a maior parte da dívida
interna é devida por uma entidade estatal a outra; de governos locais a bancos
estatais, de bancos estatais ao governo central. Quando tudo isso é compensado,
a dívida das famílias (54% do PIB) e das empresas não é tão alta, ao passo que
a dívida do governo central é baixa pelos padrões globais. Além disso, a dívida
externa em dólares em relação ao PIB é muito baixa (15%) e na verdade o resto
do mundo deve à China muito mais: 6% da dívida global. A China é um enorme
credor do mundo e possui enormes reservas em dólares e euros, 50% maiores do
que sua dívida em dólares.
Uma crise financeira está
descartada enquanto o estado controlar o sistema bancário, mas há perigos
devido às recentes tentativas de afrouxá-lo para instituições privadas e
estrangeiras entrarem na arena (exemplo: há um número crescente de bancarrotas
em entidades financeiras especulativas).
Os líderes chineses querem reduzir o nível de endividamento. O controle do
nível de endividamento pode ocorrer de duas maneiras; por meio de alto
crescimento do investimento do sector produtivo a fim de manter o índice da
dívida sob controle e/ou pela redução da farra de crédito em áreas
improdutivas, como a propriedade especulativa. A estagnação secular do Japão
deveu-se à falta de aplicação desses dois factores na sua economia capitalista.
Mas dado o poder do controle estatal sobre as alavancas de investimento, a
China pode evitar o resultado japonês.
A contradição básica da economia chinesa não é entre investimento e consumo, ou
entre crescimento e dívida; está entre lucratividade e produtividade. O tamanho
e a influência crescentes do sector capitalista na China está a enfraquecer o
desempenho da economia e a ampliar as desigualdades reveladas durante a
pandemia. Na verdade, foi o sector estatal que ajudou a economia chinesa a sair
da crise pandémica, não o seu sector capitalista.
Fiz um pequeno teste empírico da relação entre a lucratividade do capital chinês e o crescimento real do PIB (com base nos dados do Penn World Tables 10.0 – pormenores fornecidos mediante solicitação). O que descobri foi que o investimento dominado pelo Estado e o stock de capital na China significavam que não havia correlação entre a lucratividade do capital chinês e o crescimento real do PIB desde a formação da República Popular – na verdade, era negativa. A lucratividade do capital não decidia o nível de investimento em activos produtivos e nem o crescimento económico.
No entanto, após as reformas de
Deng na década de
Isto é o Everest que a China enfrenta: como elevar a produtividade para atender às
necessidades sociais de seus 1,4 mil milhões de habitantes face aos caprichos
da lucratividade do seu sector capitalista. A força de trabalho da China está em queda . O
crescimento da produtividade está a desacelerar e a China enfrenta uma guerra
tecnológica e comercial com os EUA e seus aliados imperialistas. As três
montanhas não serão escaladas a menos que o Everest também seja conquistado.
Como parte do seu plano nacional 2021-25 para reduzir desigualdades, várias
províncias estão empenhadas na construção de " uma zona comum de
demonstração de prosperidade ". De acordo com o plano, na província
de Zhejiang, a remuneração do trabalho será elevada para mais de 50% do PIB até
2025; a taxa de matrícula no ensino superior para mais de 70%; e a proporção
dos gastos pessoais com saúde em relação ao total dos gastos com saúde será
administrada para ficar abaixo de 26 por cento. Será que funcionará e será
aplicado a outras províncias? Veremos .
08/Agosto/2021
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25/Out/2017
[*] Economista.
O original encontra-se em thenextrecession.wordpress.com/...
Este artigo encontra-se em https://resistir.info/
COM VÁRIOS GRÁFICOS COMPLEMENTARES NO ORIGINAL E EM RESISTIR.INFO
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