#Publicado em português do Brasil
Em manifesto, partido espanhol Vox conclama ultradireita do continente a formar uma frente contra a volta de governos progressistas. Entre os aliados, Eduardo Bolsonaro, Keiko Fujimori e o presidenciável chileno Antonio Kast
Miguel González, Naiara Galarraga Gortázar e Federico Rivas Molina, no El País Brasil | Outras Palavras
Fundamentalistas católicos e evangélicos, neoconservadores e ultraliberais, populistas de direita e nostálgicos das ditaduras militares compõem a aliança anticomunista que o partido espanhol Vox está tecendo na América Latina. Eduardo Bolsonaro (filho e herdeiro político do presidente brasileiro), Keiko Fujimori (ex-candidata presidencial no Peru) e José Antonio Kast (líder do Partido Republicano chileno, que se opôs à revogação da Constituição legada por Pinochet) são algumas das figuras mais destacadas deste conglomerado heterogêneo, unido por seu visceral rechaço aos governos de esquerda, tanto os autoritários como os democráticos.
A ponta de lança do Vox foi a chamada Carta de Madri, um manifesto que alerta para o suposto “avanço do comunismo” na Ibero-esfera (o nome com o que o partido radical de direita, sempre atento ao marketing, rebatizou a Ibero-América), uma parte da qual já teria sido “sequestrada por regimes totalitários de inspiração comunista, apoiados pelo narcotráfico, sob o guarda-chuva do regime cubano”. Santiago Abascal, presidente do Vox, anunciou seu propósito de dotar a carta, que atraiu mais de 8.000 adesões, de uma “estrutura permanente e um plano de ação anual” – ou seja, passaria de ser um mero chamariz para se tornar uma nova organização internacional: o Foro de Madri.
Seu objetivo é se tornar uma alternativa ao Foro de São Paulo e ao Grupo de Puebla, as duas plataformas da esquerda latino-americana: a primeira reúne força políticas e sociais, do Partido dos Trabalhadores brasileiro ao Partido Comunista de Cuba; e a segunda, um punhado de políticos de perfil majoritariamente social-democrata, como Alberto Fernández, Luiz Inácio Lula da Silva, Evo Morales, Rafael Correa, Pepe Mujica e José Luis Rodríguez Zapatero.
Em vez de montar uma aliança de
partidos, Abascal está recrutando personalidades a título individual, e isso
lhe permitiu aproximações surpreendentes, como o do ex-presidente colombiano
Andrés Pastrana, que no último dia 10 participou através de uma gravação do
Viva
Como embaixadores especiais para a América Latina, o Vox utiliza o eurodeputado Hermann Tertsch e o deputado espanhol Víctor González Coello. O primeiro aproveita a infraestrutura da qual dispõe como parlamentar em Bruxelas e terceiro vice-presidente da delegação europeia na Assembleia Parlamentar Euro-Latino-Americana (Eurolat), que reúne deputados do Parlamento europeu e de 23 países da América Latina. Além disso, o grupo ultraconservador ECR montou seu próprio Eurolat, do qual Tertsch é presidente. Já Coello, vinculado a grupos fundamentalistas católicos, é porta-voz do Vox na Comissão de Relações Exteriores do Parlamento espanhol.
Nos últimos meses, os dois
parlamentares participaram como convidados da posse do novo presidente do
Equador, o conservador Guillermo Lasso; foram recebidos na Colômbia pelo
ex-presidente Álvaro Uribe e em Lima por Keiko Fujimori, filha do ex-presidente
peruano condenado a 25
anos de prisão por assassinato, sequestro e corrupção. Sua primeira
missão na América foi em janeiro de 2020, quando se reuniram
O outro instrumento utilizado pelo Vox para desembarcar na América Latina foi o Disenso, uma fundação presidida por Abascal. Embora o Vox faça campanha contra o financiamento público das fundações partidárias, montou a sua própria para se beneficiar das subvenções distribuídas em função do número de votos e assentos parlamentares obtidos. À frente da fundação, prestando suporte técnico à aventura americana de Abascal, está Jorge Martín Frías, ex-diretor de formação do FAES (a fundação do PP) e assessor da Prefeitura de Madri no mandato de Ana Botella.
O desembarque do Vox na região teve um sério revés no começo de setembro no México. Abascal foi ao Senado mexicano como convidado a um ato contra o aborto e lá aproveitou para apresentar a Carta de Madri. Seu partido informou que 14 senadores do Partido Ação Nacional (metade da sua bancada) e três deputados da mesma agremiação haviam aderido, além e dois parlamentares do Partido da Revolução Institucional, ambos na oposição ao presidente centro-esquerdista Andrés Manuel López Obrador. A notícia provocou um terremoto político no México: os dois deputados do PRI, Lorena Piñón e Manuel Añorve, desmentiram o Vox, enquanto o PAN se desvinculou da iniciativa, recordando que seu sócio na Espanha é o PP. Duas das senadoras que assinaram a carta disseram ter cometido “um erro” e pediram desculpas. Os meios de comunicação mexicanos haviam divulgado um tuíte de Abascal, em 13 de agosto, coincidindo com o 500º aniversário da destruição de Tenochtitlán, no qual se proclamava “orgulhoso” da colonização do México: “A Espanha conseguiu libertar milhões de pessoas do regime sanguinário e de terror dos astecas”, escreveu. Uma visão radicalmente contrária à do papa Francisco, que pediu desculpas pelos “erros muito dolorosos” cometidos durante a colonização.
Entre os líderes americanos que desfilaram pela tela do Viva 21 não havia nenhum mexicano. Mas lá estavam, além de Pastrana, Keiko Fujimori, Kast, Eduardo Bolsonaro e o senador norte-americano Ted Cruz, republicano do Texas. Abascal já haviam encontrado os dois últimos na Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC) realizada em fevereiro de 2020 em Maryland, com encerramento a cargo do então presidente Donald Trump. Cruz, representante da ala mais conservadora do Partido Republicano, com um discurso antiabortista, anti-imigração e a favor da pena de morte, teve que ficar de quarentena após se reunir com o político espanhol, que deu resultado positivo num exame de coronavírus. Eduardo Bolsonaro, encarregado das relações exteriores do clã familiar e fiel seguidor do seu pai nos comentários homofóbicos e machistas, se tornou desde então um dos melhores aliados do Vox, o que não exclui certa rivalidade: Abascal preferiu viajar ao México no começo de setembro em vez de participar de uma conferência conservadora que, como franquia da norte-americana, Bolsonaro tinha montado em Brasília com o filho de Trump.
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