Artur Queiroz*, Luanda
O primeiro “esboço” de caminho-de-ferro em Angola é de Pompílio Pompeu de Carpo, que em 1848 decidiu ligar Luanda a Calumbo por comboio, um meio de transporte revolucionário e que na época dava os primeiros passos. O autor, natural da ilha da Madeira, era homem dado a revoluções. Foi preso por atentar contra a coroa portuguesa e veio cumprir pena na Fortaleza de São Miguel.
O madeirense era homem culto e teve um papel importantíssimo na Imprensa Angolana. Era proprietário da tipografia que imprimiu o Boletim Oficial, o primeiro jornal angolano. Para recuperar a liberdade, ele ofereceu-a ao governador Pedro Alexandrino da Cunha. Dinamizou o Teatro Providência, foi panfletário e polemista. Falava fluentemente o inglês e tornou-se agente comercial com ligações privilegiadas à praça de Londres, que na época era o primeiro mercado de matérias-primas. Por isso fez fortuna fácil e rápida.
Em 1848, apresentou o projecto do caminho-de-ferro aos comerciantes de “Loanda” Silvano Francisco Luís Pereira e Eduardo Germak Possolo. Pompílio de Carpo ainda conseguiu incluir na sociedade “herr” Shut que era o cônsul honorário de Portugal em Hamburgo e facilitava a aquisição de locomotivas “Henchel” e as carruagens. As famosas locomotivas ficavam por conta do autor do projecto. Quem fizesse melhores condições, fornecia o material circulante.
Pompílio Pompeu de Carpo era mais dado ao teatro e ao jornalismo, por isso o projecto do caminho-de-ferro entre Luanda e Calumbo ficou para segundo plano. Os sócios também se desinteressaram, porque os custos das locomotivas e vagões eram elevadíssimos.
O governador-geral José Baptista de Andrade retomou o projecto, em 1862. Mas pouco adiantou, porque não conseguiu atrair capitais privados e os cofres públicos estavam depauperados. Mas em 5 de Agosto de 1873, o então ministro do Ultramar e da Marinha, Andrade Corvo, ordenou ao governador-geral de Angola que iniciasse de imediato a execução de projectos que dotassem Angola de “viação pública”.
Em Luanda nada aconteceu. O ministro insistiu em 5 de Fevereiro de 1874. O governador ignorou as ordens. Pressionado por Lisboa, em Dezembro assinou um decreto que aprovava o contrato para construção do caminho-de-ferro de Calumbo, entre o Governo-Geral de Angola e um consórcio formado por poderosos comerciantes e industriais de Luanda: Augusto Garrido, Alberto da Fonseca Abreu e Costa, José Jacinto Ferreira da Cruz, proprietário da Fábrica de Tabacos Ultramarina, Ângelo Prado, Matoso da Câmara e Isaac Zagury.
Em 1877, o ministro Andrade Corvo veio a Luanda, viajando no navio “Índia”, da Marinha de Guerra. Estava acompanhado por uma equipa de engenheiros liderada pelo major Manuel Rafael Gorjão. Faziam parte do grupo Arnaldo de Novais, Gualberto Bettencourt Rodrigues, Henrique Santos Rosa, Neves Ferreira, Domingos de Figueiredo e Frederico Torres. Estes técnicos, por ordem do ministro, recebiam salários muito acima do normal e eram pagos por um “saco azul” e não pela folha de salários da administração colonial. Nada lhes faltava. Eles tinham que “desencalhar” o comboio a todo o custo. Mas o objectivo agora era levar o comboio até ao Lucala. E o projecto mudou de nome: Caminho-de-Ferro de Ambaca.
Os técnicos perderam muito tempo
a discutir o traçado da linha. Uns defendiam que ela devia ser complementar aos
transportes fluviais através do rio Cuanza. Outros queriam que a linha fosse
autónoma. Face às desinteligências, a construção efectiva da linha apenas
começou em 31 de Outubro de 1886. O director das obras era João Burnay, um
experimentado engenheiro
O governador decretou feriado e o comércio de Luanda fechou, para todos irem à Estação da Cidade Alta ver partir o comboio, puxado por uma moderna máquina Armstrong. Em seguida, arrancou a construção do Caminho-de-Ferro de Malange e ao mesmo tempo o Ramal do Golungo Alto.
No Dombe Grande começou a ser construída a linha de
O inglês Robert Williams descobriu as minas de cobre do Katanga e percebeu que só podia retirar o minério pelo porto do Lobito. Propôs ao governo português a construção de um caminho-de-ferro até à fronteira com o então Estado Independente do Congo ou Congo Belga. Em 1902, foi assinado o contrato de concessão por 99 anos. Portugal, de imediato, criou o distrito da Lunda e nomeou seu primeiro governador o então major de infantaria, Henrique de Carvalho, profundo conhecedor da região. Bruxelas e Lisboa travaram uma renhida disputa fronteiriça. Os portugueses responderam com a extensão da autoridade do Estado a todo Leste de Angola.
Em Março de 1903 começaram os trabalhos na linha, a partir do Lobito. A saga da
construção do CFB é um romance! Operários europeus, desde portugueses a gregos
e italianos, trabalhavam de sol a sol no assentamento dos carris. Milhares de
angolanos derramavam o seu suor no canal ferroviário. Em 1908, aconteceu
história: foram inaugurados os primeiros
Quem vê nessa saga heroica os
dias de hoje, está a ver bem. A reconstrução do CFB teve a mesma coragem e a
mesma força que permitiram concretizar os mesmos sonhos de há mais de um
século. Ainda em
Os operários da via-férrea trabalhavam noite e dia para levar o comboio até à fronteira, que naquele tempo ainda não estava estável nem definida. E em 4 de Setembro de 1912, há 110 anos, o comboio chegou ao Huambo, nesta altura ainda uma espécie de acampamento dos ferroviários.
Em 18 de Outubro de 1913, o
comboio do CFB puxado por uma moderna e potente Armstrong, apitava no Chinguar.
As quitandeiras ofereciam aos viajantes cestinhos de morangos e loengos. Os
registos marcam até aqui,
Quando foi assinado o armistício
no palácio de Versalhes (Paris) a Europa estava destruída e sem dinheiro. As
obras do CFB estiveram paradas dez anos. Mas em 1923 recomeçaram, com uma força
de trabalho mais reduzida. Em 31 de Janeiro de 1924, o comboio chegou ao Cuito
(Silva Porto). Mas as obras continuavam. Em Setembro de 1925 o comboio chegou
ao rio Cuanza e passou para o outro lado, através de uma ponte em ferro com
A ponte foi projectada para o comboio. Mas o Governo-Geral de Angola fez um acordo com o CFB e pagou à parte os trabalhos que permitiram que a infra-estrutura servisse também para peões e automóveis. Os que rasgavam caminhos passaram rapidamente o Munhango e Luena (Vila Luso). Seguiram em direcção à fronteira. Portugal e Bélgica discutiam o traçado exacto da fronteira Leste.
Em 1927 foi assinado o “Tratado
de Loanda”. Portugal conseguiu incluir em Angola a chamada “Bota do Dilolo”,
uma área de
No dia 11 de Janeiro de 1929, o
comboio saído do Lobito entrou triunfante na estação do Luau. Tinha acabado de
percorrer
De Luanda a Malange
Nesta altura a linha de Ambaca
(de Luanda à margem direita do rio Lucala) estava a funcionar
O ramal do Golungo Alto, tem
De Moçâmedes ao Lubango
A “febre” do caminho-de-ferro chegou ao sul de Angola. Os alemães tinham um projecto de ocupação do território até pelo menos à margem sul do rio Cunene. E depois construir uma via-férrea que nascia num porto a construir na Baía dos Tigres ou Tombwa e penetrava o interior de Angola até ao Cuando Cubango, descendo depois para a Namíbia e África do Sul.
Os portugueses, conhecedores dos planos alemães, em 28 de Setembro de 1905
começaram a construir uma linha entre o porto de Moçâmedes e o Lubango, numa
extensão de
Comboio do Café
A região da Gabela começou a
marcar pontos na produção de café. Um grupo de fazendeiros e comerciantes,
liderado pelos proprietários da fazenda CADA, decidiu construir uma linha
férrea até Porto Amboim, numa extensão de
Cada passageiro que viajava nos comboios de Angola pagava 0,01 tostão por quilómetro, em terceira classe. Em segunda, 0,03 e em primeira, 0,05. Cada tonelada de carga geral custava 0,06 tostão. Mas produtos como o café, milho e sisal tinham uma redução de 50 por cento, o que fazia do caminho-de-ferro um meio de transporte muito barato.
Após a Independência Nacional a UNITA destruiu os canais ferroviários, pontões, pontes, estações, material circulante, tudo. O que demorou cem anos a construir foi destruído nuns segundos, por ordem de Jonas Savimbi.
Em 2002, Benguela, Luanda e Moçâmedes voltaram a ter comboio, graças aos fundos da Reconstrução Nacional.
Hoje a UNITA está novamente a destruir. Mais devagar e com menos estrondo, mas a destruir.
Espero que os destruidores desistam, depois de lerem o que acabo de revelar. O comboio em Angola é uma epopeia.
Artur Queiroz -- jornalista
*Um amigo mandou-me ontem um
vídeo publicitário do Caminho-de-Ferro de Benguela dos anos
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