quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

PATRIMÓNIO DA HUMANIDADE IGNORADO

Artur Queiroz*, Luanda

Onde está a consciência dos compatriotas que não são capazes de trabalhar oito horas por dia, não podem dar, sequer, uma hora de trabalho por dia, para que o nosso país possa ter um número suficiente de produtos? Onde está a sua consciência? São militantes do MPLA, tiram o cartão e dizem: sou membro do MPLA! Esse membro do MPLA não trabalha duas horas por dia. Esses são militantes? São patriotas? São Angolanos? São! São angolanos, mas não defendem a sua Pátria. Não defendem o seu País. São indivíduos que estão a viver como parasitas. São iguais ao piolho que vive do sangue do Homem. São iguais à matacanha que faz a sua casa no dedo. São parasitas. E precisamos de acabar com o parasitismo.

O parágrafo que abre este texto tem autor. É Agostinho Neto, Património Material e Imaterial da Humanidade, segundo o Presidente de Cabo Verde, José Maria Neves. As palavras de Neto foram proferidas no dia 27 de Janeiro de 1977 (quatro meses depois levou com um golpe de estado) à varanda do Palácio do Povo para uma multidão que o foi felicitar por ter lançado o Kwanza, a moeda nacional. Um discurso de improviso, por isso a construção do texto tem aquele jeito coloquial de que tanto gostava o Fundador da Nação. Quando ele perguntou ao Povo se os parasitas tinham consciência, se eram do MPLA, se eram angolanos, a multidão respondeu: Não! Mas Agostinho contrariou: São sim! Mas parasitas.

José Maria Neves disse que Agostinho Neto mais do que um Angolano de excepção, é Património da Humanidade. Ando a escrever isto há décadas mas não sou ouvido. Alguns até me telefonam de madrugada a chamar-me cangundo (branco ordinário) e ameaçam-me com tiros nos cornos ou corte das mãos. Ainda não perceberam que eu escrevo com os pés.

A operação de troca do Escudo colonial pelo Kwanza começou no dia 8 de Janeiro de 1977. Fortunas incalculáveis que estavam em Portugal, Zaire de Mobutu e África do Sul ficaram a valer zero. Parasitas e oportunistas que tinham milhões dentro de Angola, em casa, ficaram com papel que nem servia para a casa de banho. Os grandes protagonistas deste acto de soberania foram Agostinho Neto e Avelino Mingas (Saidy). O acto de afirmação patriótica foi uma das causas do golpe de estado militar de 27 de Maio de 1977.

Este é o Ano do Centenário do Nascimento de Agostinho Neto, fundador da Nação Angolana e Património da Humanidade. Ficava bem ao Ministério da Cultura associar à visita do Presidente José Maria Neves uma acção cultural no Memorial, nas ruas, no Palácio do Povo, no Marçal, na Quinta Morabeza, no Bairro Patrice Lumumba (Cruzeiro), em Kaxicane, sei lá, em qualquer ponto de passagem do ilustre visitante. Nada.

Dia 8 de Janeiro de 1977. Nasceu o Kwanza. A senhora ministra das Finanças pode não saber, mas Angola não teve sempre esta moeda. Paulo Dias de Novais não chegou a Luanda com a caravela cheia de Kwanzas e começou a distribuir notas e moedas. Já tivemos o Zimbo. E as Makutas. Quando eu era miúdo pedia “jimbo” à minha Mãe para comprar rebuçados com futebolistas lá dentro e “chuingas” (pastilha elástica) com artistas de cinema. Era no tempo dos Angolares. Uma nota de angolar dava para comprar muita coisa! 

Por uma quinhenta (meio angolar) bebia uma laranjada de Canada Dry. Comprava um cartucho de paracuca ou de jinguba torrada. Um gelado Baleizão ao do senhor Torrão. Comia uma sandes de chouriço na cantina do liceu, aviada pela Dina Iria. Um quarto de mandioca assada. Comprava seis cigarros francesinhos número um (a liamba era de borla). Fazia um telefonema da cabine pública da Vila Clotilde para a minha namorada, que morava em frente ao candeeiro 22 da Rua Eugénio de Castro, na Vila Alice. Senhora ministra das Finanças! Ficava-lhe bem ter organizado uma conferência, um colóquio, fosse o que fosse, no aniversário do lançamento do Kwanza. Porque o aniversário da nossa moeda este Janeiro coincidiu com o Ano do Centenário do Nascimento de Agostinho Neto, Fundador da Nação e Património da Humanidade. Fez zero.

Acordo de Alvor foi em 15 de Janeiro de 1975. Agostinho Neto discursou em nome dos três movimentos de libertação, MPLA, FNLA e UNITA. Eu chamo a esse discurso o Roteiro da Dignidade e o programa de Governo para um Angola livre e independente. Uma Angola de todos. Neto, muitos anos antes de ser moda, exaltou a Mulher Angolana e a necessidade de adoptar políticas que garantissem no novo país independente, igualdade de género. 

Vários ministérios podem comemorar esta data com manifestações no âmbito do Centenário do Nascimento de Agostinho Neto, Fundador da Nação e Património da Humanidade. Publiquem o discurso! Milhões de cópias e distribuam por todos os angolanos em toda Angola. A delegação do MPLA na cimeira era integrada por homens e mulheres de elevada craveira política. Infelizmente, já quase todos faleceram. O MPLA pode fazer uma conferência sobre cada uma e cada um. A FNLA e a UNITA igualmente.

O Ministério das Relações Exteriores pode fazer uma parte, porque estiveram na mesa de negociações Paulo Jorge e José Eduardo dos Santos, dois antigos titulares da pasta. O Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, outra parte. Porque da delegação faziam parte Diógenes Boavida e Maria do Carmo Medina, duas figuras incontornáveis do sector. O Ministério da Comunicação Social tem uma parte importante. Rui de Carvalho, antigo titular da pasta, era membro da delegação. Hendrick Vaal Neto, antigo ministro, também era membro da delegação da FNLA. Convidem-no para uma conferência sobre o acontecimento.

O Sindicato dos Jornalistas pode, no dia 15 de Janeiro, mostrar que não é apenas uma correia de transmissão da UNITA. Os jornalistas que cobriram o acontecimento já quase todos morreram. Está vivo o Brito Júnior, que representou o Angolense na cimeira de Alvor. E este cangundo, chefe da equipa que cobriu o acontecimento para a Emissora Oficial de Angola (RNA). Fazem uma conferência integrada no âmbito do Centenário do Nascimento de Agostinho Neto, Fundador da Nação e Património da Humanidade. Não posso falar por Brito Júnior, mas tenho a certeza de que ele aceita participar. E podem contar comigo para tudo o que seja respeitar e dignificar a classe. Estou disponível para falar da cimeira. 

Os partidos da Oposição, sobre o Centenário do nascimento de Agostinho Neto, Fundador da Nação e Património da Humanidade, até hoje nem uma palavra. Prova evidentíssima de que não têm dimensão de Estado. Defendem apenas interesses de facção ou mesmo de tribo. Nem o tal Bloco Democrático que vale zero vírgula nada mas com fumos de intelectuais. Agostinho Neto é património da Humanidade e da Nação Angolana. Também é deles. Mas não merecem.

Saiu-me o euromilhões, estou de férias. Deixem-me descansar!

* Jornalista

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