segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Portugal | BIPOLARIZAÇÃO NUM PAÍS BIPOLAR

Paulo Baldaia* | Diário de Notícias | opinião

A bipolarização que serve ao PS e ao PSD para disputar a vitória pode servir também ao país se acreditarmos que a estabilidade é um fim em si mesmo. Se a virmos como um instrumento para tomar as decisões de que o país precisa, então é possível que seja necessário primeiro garantir a pluralidade. O voto só é útil se servir para mudar a sociedade, permitindo que se acrescente justiça a todas as políticas, caso contrário, só é útil para quem o recebe.

António Costa e Rui Rio caminham para o frente a frente apostando forte nesta bipolarização, porque beneficiam da perceção de que a maioria absoluta não é expectável para nenhum dos dois partidos. Não traçaram nenhuma linha reta para chegarem onde querem chegar, quando se encontrarem frente a frente na quinta-feira. Foram condescendentes com uns, divorciaram-se de outros, pediram o celibato absoluto, mas podem acabar nos braços um do outro, mesmo que só um deles o queira, para já, admitir. Como Costa joga no tudo ou nada e Rio admite uma panóplia de soluções para que seja possível governar com o mínimo de estabilidade, este é um campo que favorece o PSD porque oferece mais estabilidade.

Costa já decidiu que tem como única meta a maioria absoluta que lhe dará a estabilidade necessária para aprovar o orçamento que viu chumbado mas, sobretudo, para poder aplicar os milhares de milhões de euros do PRR e do Portugal 2030, com que julga poder fazer um país diferente, seguindo a linha política dos últimos seis anos.

Rio quer ser o político frontal que diz o que pensa e não esconde as suas próprias fragilidades, procurando que o eleitorado confie que o país só muda se a política passar a ser feita de forma diferente. O debate de quinta-feira terá Costa a dizer ao país que a escolha é entre os dois e Rio a aceitar o desafio, Costa a colar o PSD à extrema-direita e Rio a colar o PS à extrema-esquerda, Costa a falar de políticas sociais e Rio a falar de crescimento económico.

E este país onde a bipolarização está sempre pronta a afirmar-se, beneficiando os partidos do Bloco Central, é ou não bipolar? Se olharmos para o comportamento da maioria das pessoas e para a característica principal desta doença psiquiátrica, que é a mudança acentuada de humor, ficaremos tentados a pensar que sim, o país é bipolar. Só isso explica este comportamento coletivo em que, mesmo depois da mais grave crise, aos primeiros raios de sol, se ponha toda a gente a endividar-se como se não houvesse amanhã. Chegaremos à próxima crise com muitas das famílias, que passaram mal com a troika, a terem de passar mal outra vez. Esta bipolaridade, e a forma como se olha tão rapidamente com acinte ou com deslumbre, ora para o PS ora para o PSD, é também uma característica desta alternância. O arco do poder pode mudar e acabarem todos por lá entrar, mas ainda é entre o socialismo e a social-democracia que o povo tem de escolher.

*Jornalista

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