quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

CONTOS POPULARES ANGOLANOS -- Avó Tjyakusola

Avó Tjyakusola e os Flagelados da Terra Queimada

Seke La Bindo

Naquele tempo, o homem era burro e o burro era homem. Os maldizentes feriam as almas puras. Os tristes deixavam para trás seus filhos que assim se transformavam em órfãos de pais vivos. A abundância foi extinta e os pássaros voaram para longe da terra queimada e daninha. Não há amanhecer quando a floresta se enche de lamentos dos que nunca disseram aos pais ndika solela ondjo yange opo: Vou começar ali a construção da minha casa.

Avó Tjyakusola ficou com seus netos, no meio daquela desolação. Guiava-os pelos escombros da aldeia até às lavras abandonadas onde recolhiam algumas raízes que sobrevieram à onde de fogo que matou a terra. À noite, sob o jango protector e aquecidos pela fogueira, ela começava as adivinhas que prendiam a atenção das crianças deixadas para trás, amparadas por uma velha no fim dos seus dias.

Com sua voz de mel perguntava aos netos:

- O que é uma fita vermelha no chão?

E as crianças respondiam em coro:

- Otjisonde! É a formiga quissonde!

- K’oñima yomunda kwawila usandje? Atrás da montanha caiu o pau seco, o que é? 

Resposta pronta dos netos:

- Osoke! O capim miúdo que serve para acender a fogueira que nos aquece no jango.

A avó não via os netos crescer tal era a fome naquele chão daninho. Mas continuava a esbanjar alegria e entusiasmo nos serões do jango. Um dia, os pais voltariam e os campos haviam de dar milho em abundância para os pássaros se alimentarem dos grãos que ficavam no chão.

Com a sua voz doce como o canto do catjinjonjo, avó Tjyakusola lançava nova adivinha:

- Epangu lyeya v’esokolasima? O milho está maduro, o que é?

E os netos respondiam entusiasmados entre gargalhadas maliciosas:

- Ondambi yeya v’etungulavaso! A menina formosa chegou à idade núbil e faz os rapazes arregalar os olhos!

As meninas adolescentes punham os olhos na fogueira e sorriam enigmaticamente. Um dia chegaria o príncipe do amor à aldeia arruinada.

- Quem nunca pode dormir?

É tão fácil responder a este enigma. O macho da cabra pode dormir dia e noite, mesmo entre o capim verdejante. O que nunca dorme é o macho da gazela, senão os caçadores matam-no: tjipekela songa yo gombo. Katjipekela songa yombambi, sanga vawipa!

A avó Tjyakusola começava a cabecear com sono e os netos trocavam sorrisos cúmplices. O serão estava no fim. Antes de dormirem com a fome, ela ainda perguntou:

- O que têm de aprender o filho do antílope e o filho do leão?

Os meninos respondem em algazarra:

- Se és filho do antílope aprender a atravessar o rio, a nado. Se és filho do leão, aprende a roubar: nda wumola wosonge, lilonga okuyma. Nda wumola wohosi lilonga okuteya!

Amanhã é outro dia. 

Os flagelados hão-de regressar, numa tarde de chuva, que vai fazer crescer o capim e saciar a terra. 

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