quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Angola | A DEMOCRACIA DELES É ABAIXO DE DITADURA

Artur Queiroz*, Luanda

Em 1992, quando a UNITA perdeu estrondosamente as eleições multipartidárias, apenas duas forças políticas que elegeram deputados, defenderam o regime de democracia representativa. O MPLA, assumindo a responsabilidade da sua maioria absoluta, e o Partido Liberal Democrático (PLD), que elegeu três deputados. Todos os outros se ajoelharam aos pés de Jonas Savimbi e apoiaram a tese da “fraude eleitoral”, pretexto para a ala belicista do Galo Negro regressar à guerra para tomar o poder pela força das armas.

A democracia tinha acabado de sair do ovo quando Salupeto Pena, Ben Ben, Alicerces Mango e Abel Chivukuvuku desencadearam a Grande Batalha de Luanda, na sua terceira edição. A primeira foi contra os esquadrões da morte dos independentistas brancos e a segunda contra as tropas zairenses ao serviço da FNLA. A capital angolana ainda foi palco de uma quarta grande batalha durante o golpe de estado militar que ocorreu em 27 de Maio de 1977. Antes que seja tarde, convém recordar aos esquecidos e a quem teve a felicidade de não viver esses tempos conturbados, que foi sempre o MPA que se opôs às forças reacionárias e golpistas. As angolanas e angolanos que integraram as forças de resistência são Heróis Nacionais.

Abel Chivukuvuku é o único líder golpista da UNITA que ainda está vivo. Ele protagonizou todos os acontecimentos, comandou operações de extermínio dos civis nas ruas de Luanda, foi baleado, ferido gravemente mas salvo da fúria popular quando a população do Sambizanga tentou linchá-lo, apesar de ter graves ferimentos. Em homenagem aos seus salvadores, tem o dever de vir a público contar a verdade. Um homem de carácter, honrado, não pode permitir que a UNITA transforme os assassinos golpistas em heróis e mártires. Muito menos pode permitir que os seus salvadores sejam tratados como assassinos.

No fim da Grande Batalha de Luanda falei com dezenas de dirigentes e militantes da UNITA mais os seus familiares. Quem me ajudou a fazer esses contactos foi o general Petroff. Logo a seguir ao calar das armas, um dos seus oficiais levou-me à antiga messe de oficiais das tropas portuguesas, por trás do Ministério da Defesa. Perguntei-lhe se ia falar com civis ou militares. E ele respondeu muito admirado: - Mas como é possível saber quem na UNITA é militar ou civil? Fiquei elucidado. 

Numa das vivendas (aquilo era mesmo o primeiro condomínio de luxo de Luanda) encontrei o médico Carlos Morgado. Falámos mais de uma hora. Disse-me que montou um centro de saúde para pessoas que estavam ali sob protecção do Goverol. Garantiu-me que toda a gente foi tratada como respeito e ninguém se sentia prisioneiro. Nada faltava aos protegidos. Estávamos apenas os dois. Disse-lhe:

- Doutor Carlos Morgado vou fazer-lhe uma pergunta e seja qual for a resposta, não publicarei, estão mesmo a ser bem tratados? Ele nem hesitou na resposta: Está toda a gente a ser bem tratada, desde os militares aos civis e às famílias. Pode publicar a minha resposta.

Se forem ler a reportagem que publiquei na revista ”Sábado” (nada tem a ver com o boletim do banditismo mediático de hoje) não publiquei a resposta. Apenas esta frase: “O pior já passou e eu só tenho a dizer que me foram dadas todas as condições para exercer aqui a minha profissão de médico”. Vão consultar. Está escrito.

A comunicação social é um dos pilares do regime democrático. Outro reside nos partidos. Outro ainda é o Poder Judicial na perspectiva da mais rigorosa separação de poderes. Temos um tripé. Se uma das pernas faltar ou perder força, tudo se desmorona.

 Os partidos políticos angolanos têm cumprido cabalmente a sua missão, apesar da seita chamada UNITA, um problema que é de toda a sociedade e não apenas do espectro político e partidário. As angolanas e os angolanos têm de extirpar esse cancro altamente mortífero. E só há uma forma de conseguir isso: cortar-lhe os votos. Quem quer a democracia não pode alimentar um partido dirigido por criminosos de guerra, ainda que amnistiados. 

O segundo baluarte é o Poder Judicial. Quem conhece o sector desde o zero sabe que estamos perante o maior sucesso da Angola independente. Seria uma falta de respeito para com todas e todos os que servem a sociedade nos Tribunais, não confiar nelas e neles. Eu mesmo que quisesse desconfiar, não podia. Se um dia precisar de ser defendido só tenho mesmo as mulheres e os homens que se dedicam à causa da Justiça. Penso que faço parte da esmagadora maioria. Confiemos no Poder Judicial e na sua independência.

Por fim a comunicação social. Este pé apodreceu em 1992 e daí para cá foi de tal forma corroído que já pouco existe. As angolanas e os angolanos devem às profissionais e aos profissionais do sector público (Jornal de Angola, RNA, TPA, ANGOP e Centro de Imprensa Aníbal de Melo) ainda termos umas réstias de Liberdade de Imprensa e algum profissionalismo. Formação profissional, inovação, investimentos são exclusivos do sector empresarial do Estado na área da informação.

E o privado? Um exemplo caricato: No dia 4 de Fevereiro de 1975 Agostinho Neto regressou a Luanda depois de longos anos ausente mas muito presente na Luta Armada de Libertação Nacional. Mais de um milhão de luandenses foi esperá-lo. Na placa do Aeroporto 4 de Fevereiro estavam alguns milhares, entre os quais eu e o Artur Arriscado que fazíamos a cobertura em cima do acontecimento. Na varanda da aerogare estava outra equipa: Horácio da Fonseca, António Macedo, Francisco Simons e Humberto Jorge. O senhor Carlos Madaleno faleceu. Sabem como deram a notícia? “Morreu o homem que recebeu Agostinho Neto!” Claro, foi ele mais umas centenas de milhares. Isto é manipulação e falsificação.

Querem mais? A UNITA mandou os seus trombones dizer que eu dei uma novidade: Foram os homens do general Zé Maria que mataram os dirigentes da UNITA em 1992. Eu escrevi o contrário. Jovens civis, armados, organizados pelo general Zé Maria num quartel de Luanda, resistiram aos assassinos e golpistas da UNITA. Contei como os assassinos do Galo Negro mataram centenas de civis nas ruas de Luanda. Como Salupeto Pena, histericamente, mandava seus homens matarem todos os brancos e mulatos que encontrassem pela frente. Quem se opôs aos assassinos e golpistas da UNITA foram Heróis Nacionais. Mesmo os que enfrentaram civis em fúria queriam linchar dirigentes e familiares do Galo Negro que estavam nos hotéis Trópico e Tivoli.

Um trombone da UNITA noticiou que o Presidente José Eduardo dos Santos estava impedido de viajar para o estrangeiro. O Governo desmentiu através do senhor ministro da Tutela. A falsa notícia continuou editada durante 21 dias! Onde está a autoridade do Estado? Onde está a Entidade Reguladora da Comunicação Social? Onde está a comissão de ética? E o Sindicato dos Jornalistas aceita que um órgão de comunicação social mantenha dias e dias, seguidos, uma falsa notícia? Eu sei que Teixeira Cândido prometeu ir a correr até ao santuário de Nossa Senhora da Muxima, ida e volta, se algum órgão de comunicação social privado, publicar uma notícia verdadeira. Mas isto não vai lá com milagres nem com promessas.

O problema é que sem rigor, não há jornalismo. Com jornalistas sem ofício nem oficina, a liberdade de imprensa não passa de uma arma de arremesso contra a democracia. E o tripé cai estrondosamente. Enquanto a comunicação social privada estiver nas mãos de marginais que vivem da extorsão e da chantagem, Angola fica sempre exposta aos métodos da Jamba. Mas pior ainda: Os serviços secretos de países que, hoje como ontem, querem destruir as vitórias alcançadas com a Independência Nacional, têm mão-de-obra em abundância e a preços rastejantes. A segurança do Estado Angolano está em perigo permanente.

Eu não sou estúpido nem romancista russo. Sei a quem interessa destruir a credibilidade de instituições como o Tribunal Constitucional ou a Comissão Nacional Eleitoral. Isso mesmo, é à seita satânica UNITA. Mas também sei quem vive para atentar contra a honra do Presidente José Eduardo dos Santos ou do general Zé Maria. Sim, estou a falar de gente mesquinha sem honra, sem dignidade e sem dimensão de Estado. Manipularem um texto onde revelo pormenores do golpe da UNITA em 1992 e quem dirigiu esse golpe, transformando-o num ataque ao general  Zé Maria, interessa muito à UNITA. Mas também a quem vive para apagar a História de Angola antes de 2017. 

O MPLA está entre dois fogos. O problema é que de um lado vem fogo amigo. Não esqueço e jamais esquecerei que esse truque de transformar golpistas assassinos em mártires e heróis começou com a negociata das ossadas dos bandidos do 27 de Maio que dirigiram o golpe . A UNITA limitou-se a servir-se dessa bandeira.  A democracia deles (uns e outros) é abaixo de ditadura. O MPLA tem muito trabalho pela frente. 

* Jornalista

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