Naquela aldeia de água e sol, onde à tardinha Kufa ouvia o vento e a chuva, aconteceu uma grande desgraça. Um dia, ao amanhecer, todos juraram ser ricos. Os velhos doentes e cheios de feridas, as velhas desdentadas e mirradas, os jovens caçadores cheios de força e coragem, as mais belas meninas do vale do Keve, as crianças que ainda cheiravam a leite. Todos acordaram com a febre da riqueza a todo o preço.
O dinheiro perde as pessoas. Kufa deixou de ouvir o vento sibilando nas folhas das árvores. Na aldeia, os tumultos eram tantos que ninguém ouvia a corrente suave do rio serpenteando a planície.
O rapaz perguntou ao seu velho avô:
- Já alguma vez tinha chegado esta febre do dinheiro às pessoas deste reino?
E o velho moveu a cabeça silenciosamente, em sinal de negação:
- Nunca. Foi a primeira vez que a febre da fortuna chegou a estas paragens. Até os hipopótamos do rio querem ser ricos. E gazelas elegantes esticam o pescoço para terem mais pasto que as outras.
Kafuka, entristecido por ter perdido o som do vento e da chuva, cansado de ouvir os tumultos entre aqueles que queriam ser mais ricos que os outros, foi ter com o avô e anunciou a partida. O velho agarrou a sua mão, sentou-o a seu lado e disse:
- O mundo é demasiado pequeno para receber os que querem ouvir a chuva e o vento. Do outro lado das montanhas, muito para lá do Mungo e do Bié, também há tumultos pela riqueza. Todos querem dinheiro. Fica aqui e salva o que há para salvar.
Kafuka encarou o avô e chorou lágrimas amargas. Depois pôs os olhos no horizonte e disse que nada mais há para salvar, quando um filho moço, na sua extrema ambição de riqueza, come a carne que estava guardada para a mãe: - Ostu yatjyo, oyoyamãyi, umalehe wailya!
Kafuka ficou isolado naquele reino de tumultos ditados pela riqueza e a ambição. Um dia os velhos da aldeia procuraram o avô do rapaz e defenderam a sua expulsão para sempre daquela terra. Ele não podia continuar a desprezar os ricos e as riquezas. Mas o velho defendeu o neto. Foi severamente admoestado por ousar defender um perdido.
O velho, sem nunca abdicar da sua majestade, disse aos outros:
- P’pkati kene, omunu upi okwete otjita tjyolomeme, nda wañelisa omeme imosi, kasi he olomeme vikwavo akwi etjyeha v’ekalosoko, kakandela ina yañelela, kaipakasa toke waisanga?
Tradução libertária: Qual de vós, tendo um rebanho de 100 ovelhas e perdendo uma que seja, não deixa as 99 no pasto da colina e não se põe a caminho por amor da ovelha perdida, não a procura até encontrá-la?
Ditas estas palavras, os tumultos esmoreceram, um manto de silêncio repousante caiu sobre a aldeia e envolveu as pessoas tomadas pela febre da riqueza a qualquer preço.
Lá longe, junto ao rio, Kafuka sentiu o vento remexer a folhagem das árvores. Estava tudo tão silencioso que ouviu nitidamente o bater de asas do catuitui. Mas em breve regressaram os tumultos e as vozes iradas de quem perdeu e não achou, de quem amealhou mais, somou riqueza à riqueza.
Aquele momento silencioso mostrou ao rapaz que afinal nem tudo estava perdido e ainda existia, sob a voragem do quotidiano, a suprema suavidade da vida e o encanto das coisas simples.
Era no tempo dos loengos e o milho verdejava ao sol. O gesto de colher um fruto maduro é muito belo. As mãos que rapinam tudo o que encontram são horrorosas. Na vida há sempre o que vemos e se impõe aos nossos olhos, mas também a magia da flor que se transforma em fruto maduro e o silêncio do Sol verdejando o milheiral.
Kafuka teve um pensamento para o velho avô e recordou uma lição que lhe dera:
- Ukulu wohombo okufula kafuli, okupãla kapãli. Eseña wakapela v’olongolo! Tradução fidelíssima: Cabra velha, pisar não pisa, peneirar não peneira. Põe o focinho nos joelhos. Mas cabra velha pensa bem.
Desde aquele dia, o rapaz procurou a harmonia longe dos tumultos, o fruto maduro para lá das fronteiras da aldeia, admirou a elegância da gazela na planície cheia de pasto. E quando a brisa soprava, ele conseguia ouvi-la na ramaria das árvores. O som da chuva miúda chegava ao seu coração, reconciliando-o com a vida.
O avô ficou em paz com o reencontro de Kafuka com a vida. E um dia disse-lhe sorridente:
- Olombongo, ovyo viñelisa omanu! O dinheiro é que perde as pessoas!
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