Mariana Mortágua | Jornal de Notícias | opinião
As atenções do país estavam então focadas nos debates eleitorais. As suspeitas vêm do Ministério Público, após investigações no âmbito da Operação Cartão Vermelho. O suspeito é Nuno Gaioso Ribeiro, que foi número dois (e sócio) do ex-presidente do Benfica e é presidente da C2 Capital Partners. Esta é a empresa a que o Novo Banco decidiu atribuir a gestão da dívida de Luís Filipe Vieira.
Para além deste estranho negócio com o Novo Banco, a C2 especializou-se em vender acesso a um benefício fiscal chamado SIFIDE. Procurando simplificar: a C2 cria um fundo que promete investir em "investigação e desenvolvimento" e vende quotas de participação nesse fundo. As empresas que comprarem à C2 essas participações podem abater a quase totalidade da despesa ao seu IRC.
As questões levantadas por este benefício fiscal são muitas, desde logo porque nada garante que os fundos investem de facto em "investigação e desenvolvimento" e não desviam recursos para outros fins. O benefício é tão generoso que, mesmo que os investimentos não tenham retorno, o esquema é compensador para os investidores (e para a C2), o que incentiva a má qualidade de gestão.
Não é por acaso que a C2 Capital Partners, assim como outras empresas que criam e gerem fundos de investimento, se virou para os benefícios SIFIDE a partir de 2018. Neste ano, a atribuição de dinheiros públicos a fundos de investimento passou das mãos do Governo para instituições europeias, deixando estas empresas fora dos critérios de qualidade e prudência e portanto sem acesso a benefícios estatais.
Em novembro de 2021, pouco depois de o Bloco questionar o Governo (sem resposta) sobre os abusos no SIFIDE, a imprensa noticiou uma investigação à atribuição destes benefícios promovida pelas Finanças e pela Autoridade Tributária. Os resultados dessa investigação não são ainda conhecidos, mas que houve reuniões entre Gaioso Ribeiro (também presidente da Associação Portuguesa de Capital de Risco) e membros do Governo, isso já é certo. E é também certo que o PS alterou mesmo as regras do SIFIDE a favor das empresas incumpridoras, para que estas deixassem de pagar juros compensatórios.
Mas esta não foi a única alegria dada pelo Governo a Gaioso Ribeiro durante a campanha eleitoral. Numa operação-relâmpago, o Banco de Fomento disponibilizou 250 milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para fundos de investimento como aqueles que a C2 cria e gere. As candidaturas estiveram abertas apenas 15 dias e, mais uma vez, o expeditíssimo processo escapou ao crivo das instituições europeias. As regras dizem que 30% do financiamento tem que ser obtido junto de privados, mas sempre que esses privados estiverem a beneficiar do SIFIDE, o Estado estará a financiar 100% destes fundos.
As políticas do dinheiro fácil e rápido, dos interesses e da megalomania financeira têm começado de formas muito diferentes, mas acabam sempre em mediocridade e desperdício.
*Deputada do BE
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