Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião
O presidente da CIP, entrevistado no programa da RTP "Tudo é Economia" (8/2) afirmou que "ninguém hoje em Portugal consegue contratar pelo salário mínimo", acrescentando que os empresários estão a oferecer entre 750 e mil euros mensais.
Contudo, com a fixação do salário mínimo nacional (SMN) em 705 euros brutos, a partir do passado dia 1 de janeiro, perspetiva-se que um milhão e duzentos mil trabalhadores (número confirmado pelo entrevistado) estão abrangidos pelo SMN. Além disso, muitos milhares de outros trabalhadores terão salários entre 705 e 750 euros. Temos de concluir, então, que quase um em cada três dos homens e mulheres que trabalham no nosso país ganham muito pouco, por vício ou falta de informação. Se o problema não fosse sério era caso para dizer: despeçam-se, os patrões bons estão à vossa espera.
Em alguns setores e regiões há falta de trabalhadores e de formações muito concretas, nomeadamente de profissões que foram ostracizadas num contexto de desvalorização salarial, secundarização da organização do trabalho e baixa formação de muitos patrões. O drama maior é vir do presidente da CIP a confissão de que "a falta de mão de obra indiferenciada é enorme, devíamos ter uma política de captação de imigração" ("Público", 27/1). O que este e outros dirigentes das confederações patronais nos estão a dizer é que o perfil da nossa economia, talhado pelas suas opções empresariais, continuará a ser de baixo valor acrescentado e baixa produtividade.
Estas afirmações foram feitas em torno da apresentação pública das propostas que o Conselho Nacional das Confederações Patronais (CNCP) leva junto do primeiro-ministro. No encontro com a Comunicação Social (9/2) a "representação de cúpula" da organização empresarial evidenciou contradições doentias. Foi dito que "o jogo da democracia ganha-se no Parlamento e nos lugares que aí se obtêm e não depois nas tentativas de, em secretaria, se adulterar o que aí se verifica".
Então, porque elaboram um caderno reivindicativo e procuram mobilizar a sociedade para o apoiar? Porque querem fazer tábua rasa de políticas laborais adotadas pelo Governo anterior e de compromissos de António Costa na campanha eleitoral? Não querem "alterar salários por decreto", mas não se apresentam no "campo do jogo" da negociação coletiva nas empresas e nos setores de atividade, nem aceitam poderes sindicais em pé de igualdade com os seus. São contra os jogos de secretaria, mas endeusam a secretaria feita à medida - a concertação social - que há muito devia ser modernizada, pois é o espelho do enterrado "arco da governação".
O porta-voz do CNCP disse, na contestação ao objetivo assumido pelo primeiro-ministro de o SMN chegar aos 900 euros em 2026, "qual o exercício de adivinhação", "quais bolas de cristal", para se poder dizer "que vamos chegar aqui ou ali"? Então, só são válidas para a governação as previsões e objetivos que eles sancionam?
As apostas da CNCP no crescimento pelo aumento da produtividade, as preocupações com as qualificações e "captação de talentos" tendem a não passar de floreados. No ponto relativo à demografia e à natalidade, tudo se resume a pedir mais apoios sociais, investimento do Estado e "políticas de imigração económica". Nada é dito sobre a necessidade de melhorar os salários e o acesso à habitação para evitar a emigração. É elucidativo.
*Investigador e professor universitário
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