Artur Queiroz*, Luanda
O primeiro homem nasceu no paraíso da Babaera acalentado pela mãe do Cunene e Cuanza. Para uns, caiu do céu aos trambolhões. Para outros, foi criado por Suku, a partir de um rochedo que ele pacientemente amoleceu. Com essa massa granítica fez Feti, o Adão dos angolanos que habitam o Planalto Central, até à região de Caconda. A primeira mulher, Choya, nasceu no leito do grande rio do Sul, gerada pelo Rei das Águas.
No mosaico cultural do Cassai, desenhado e criado ao longo de milénios, o primeiro Homem é Congo, filho de Suku, que também lhe deu vida a partir de um rochedo. O rio nasce em Angola e corre centenas de quilómetros em direcção ao grande Zaire ou Congo, onde desagua. Mesmo ao lado, médios e pequenos cursos de água avançam pacificamente para a vertente do Zambeze e lá vão para Oriente. Por esses caminhos foram os filhos dos nossos ancestrais, povoando todo o Mundo.
O paraíso que recebeu o primeiro
Homem fica situado a
Num texto colorido e empolgante,
ele contou, no boletim do Instituto de Angola, como descobriu a casa de Feti, o
primeiro Homem. Andava à procura de ouro, junto ao Cunene, a
No dia seguinte, Júlio Diamantino Moura decidiu explorar o território por trás da densa barreira vegetal. Os ajudantes não queriam acompanhá-lo. Tinham uma razão de peso. No paraíso existe um rochedo, conhecido na região como a Pedra da Água. Quem olhava para a rocha ou lhe tocava, era imediatamente fulminado pela morte.
O professor primário não se comoveu com a lenda e marchou para o paraíso. Os ajudantes, timidamente, acompanharam-no. E encontraram algo extraordinário. Júlio Diamantino Moura descreve no seu texto um grande espaço com a dimensão de um campo de futebol, coberto de cinza. E ossadas de pessoas e animais, mais ou menos encobertas.
Numa das extremidades, o paraíso de Feti tinha uma pirâmide de pedra, desmantelada até quase metade da altura. As pedras que faltavam na construção estavam despalhadas na zona. Muito perto, corre lentamente o Cunene.
Júlio Diamantino Moura durante três anos explorou a casa de Feti. Descobriu que por baixo da pirâmide existiam galerias que entretanto foram assoreadas, o que não permitia a circulação de pessoas. Durante dias e dias, o professor primário e seus ajudantes desobstruíram as galerias e fizeram achados interessantes. Algumas flechas com ponta de ferro, alfaias agrícolas muito antigas, mas também enxadas da época. Apenas estavam cobertas de ferrugem.
Todos esses materiais foram desenterrados e levados para o Huambo. As investigações de Júlio Diamantino Moura estavam autorizadas pelas autoridades locais e ele reportava todas as suas descobertas. Porque havia a suspeita de que existia ali um tesouro fabuloso!
O Rei Lobengula
Lobengula, o rei dos Matabeles, em 1893 revoltou-se contra os ingleses. À frente dos guerreiros Ndebele e Shona, enfrentou os ocupantes. O Império Britânico tremeu. A guerra foi travada entre 1893 e 1897, na área do actual Zimbabwe.
As tropas de Lobengula tinham armas rudimentares e os ocupantes estavam bem armados. A derrota foi inevitável. O soberano retirou e entrou no território que é hoje a província do Cunene. Em Xangongo foi subindo o curso do rio, até Galangue. Trazia com ele um tesouro fabuloso, de marfim, pedras preciosas e ouro.
Quando chegou ao paraíso, resolveu enterrar as riquezas. Depois matou um a um, todos os que conheciam o local. Para sinalizar o sítio, mandou construir a pirâmide. Como disfarce, ao lado, foi criado um campo de sacrifícios aos deuses, o que justifica as ossadas de pessoas e animais. A construção de pedra seria uma espécie de Totem.
O rei Lobengula desapareceu sem deixar rasto. Ninguém, desde então, sabe para onde foi. Mas os sobreviventes dos massacres dos ingleses ali construíram as suas casas, criaram gado, cultivaram a terra e alimentavam-se da abundante caça que ainda hoje existe.
Faraó exilado
Júlio Diamantino Moura descobriu outra versão. A pirâmide continua a ser um ponto de referência e um local sagrado, mas foi mandada construir por um faraó do Egipto, deposto pelo irmão.
O soberano conseguiu reunir muitas riquezas e fugiu acompanhado do seu séquito e protegido por guerreiros ferozes dispostos a tudo, para defenderem o seu Faraó. Desceram África até ao paraíso de Feti. As riquezas foram enterradas e um número restrito dos seus colaboradores sabia que a pirâmide era o ponto de referência do tesouro enterrado.
O professor primário foi desobstruindo as galerias, uma a uma, mas não encontrou qualquer tesouro. Escavou novas galerias, foi esventrando a terra à volta da pirâmide mas além das alfaias agrícolas e das flechas com ponta de ferro, nada encontrou. Se existia um tesouro, ele foi levado por outros. Mas Feti é em si um tesouro extraordinário, à espera de ser apreciado e desvendado como uma preciosidade da Cultura Angolana.
Em 1926, um nobre egípcio descendente do Faraó exilado, pediu autorização ao Governo-Geral de Angola para caçar a Palanca Negra Gigante, na época abundante naquela parte do curso do Cunene. Entrou em Angola pera fronteira da Zâmbia, com uma dezena de viaturas de carga e todo-o-terreno. Perto da Pirâmide, ao saltar um riacho desequilibrou-se caiu. A arma que levava disparou-se acidentalmente. Teve morte imediata. A Pedra da Água não admite intrusos!
Revolucionários brasileiros
Antes do Grito do Ipiranga no
Brasil, sucediam-se revoltas dos patriotas brasileiros que exigiam a
independência da colónia. Alguns revolucionários de Minas Gerais foram
condenados ao degredo perpétuo
Grandes quantidades de ouro foram amealhadas e os garimpeiros resolveram enterrar esse tesouro num local próximo da pirâmide desmantelada que ainda hoje está visível e pode ser visitada.
Quando o Brasil se tornou independente, os revolucionários foram perdoados e reabilitados pelo imperador D. Pedro. Antes de regressarem à pátria, foram desenterrar o ouro e levaram-no. Só ficaram as enxadas e outras ferramentas do garimpo, encontradas pelo professor primário, Júlio Diamantino Moura.
Uma coisa é certa: a pirâmide junto ao rio Cunene, na época ficava a dois dias de viagem de Caconda, a pé. Muito perto.
Comerciante Pedro Lota
O “Jornal de Benguela”, em 1925, publicou uma história empolgante sobre o nosso paraíso e a pirâmide desmantelada. Segundo o repórter, o comerciante benguelense Pedro Lota percorria os sertões entre o litoral e o interior, na sua tipóia. A mercadoria era levada às costas, por dezenas de carregadores. O pumbeiro (ou pombeiro) ia de Benguela ao Chongorói, Quilengues, Lubango, Caconda, Babaera, Huambo e Bié.
Nas suas actividades comerciais descobriu uma mina de ouro no paraíso de Feti. Passava lá grandes temporadas e mandava o ouro para a sua casa comercial de Benguela, dissimulado nas bolas de cera. Acumulou uma fortuna incalculável. O ouro era armazenado em galerias e a pirâmide foi construída como referência dos armazéns.
Júlio Diamantino Moura descarta esta possibilidade. O comerciante Pedro Lota existiu mesmo e era riquíssimo. Mas no paraíso de Feti e de Choya não existe qualquer indício de ouro.
Rei das Águas e Sereias
O que existe é uma queda de água
belíssima. As águas do Cunene despenham-se de
Nesse ambiente bucólico, muito para baixo do fundo do rio, fica o palácio do Rei das Águas e a ilha é povoada de sereias. Choya foi a primeira de todas e é a mãe de Cacanda, Galalangue e Bié. A primeira mamã de todos nós. Foi ali que Feti casou e de lá desapareceu para abrir todos os caminhos.
Choya ficou e morreu de velhice, muito perto da pirâmide, num grande espaço delimitado por quatro frondosas songues. As várias tonalidades de verde são o seu manto natural. Os angolanos têm pai e mãe.
*Jornalista
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