Parte do contingente da força de estabilização da CEDEAO já se encontra na Guiné-Bissau. O jurista Fodé Mané não poupa críticas à organização, que diz estar "sem rumo" e "descredibilizada na região".
Os chefes de Estado e de Governo da Comunidade Económica de Estados da África Ocidental (CEDEAO) decidiram enviar à Guiné-Bissau um contingente de apoio, depois do atentado de 1 de fevereiro contra o Palácio do Governo, em Bissau, que o Presidente Umaro Sissoco Embaló classificou como uma tentativa de golpe de Estado.
O Parlamento da Guiné-Bissau ainda não se pronunciou sobre o tema, mas parte do contingente já se encontra no território guineense.
Em entrevista à DW África, o jurista Fodé Mané não poupa críticas à CEDEAO, que diz ser uma organização "sem rumo", "descredibilizada na região" e que não deixou boas memórias das duas vezes em que esteve no país.
Para o especialista, trata-se de uma força de estabilização sem um mandato claro e com uma agenda que conta com a "cumplicidade" dos Presidentes do Senegal e da Nigéria, que apenas querem "proteger um amigo" preocupado em controlar as Forças Armadas em caso de uma eventual revolta na Guiné-Bissau.
DW África: O envio de uma força estrangeira para a Guiné-Bissau neste momento, na sua opinião, é legítimo? Que expectativas tem em relação à chegada desta força de estabilização à Guiné-Bissau?
Fodé Mané (FM): Não se pode ter uma expectativa boa perante as circunstâncias, pela forma como foi preparada essa vinda. Ninguém pode ter esperança ou expectativa de que será esta [força de estabilização] a resolver a questão. Não é justificado pelas autoridades, nem a população foi consultada. Ninguém sabe quais são os mandatos exatos desta força e, hoje, a própria CEDEAO está descredibilizada na região pelo que tem acontecido no Mali, Burkina Faso e na Guiné-Conacri. Dessa forma, como vai mostrar que é capaz de ajudar a resolver uma situação na Guiné-Bissau?
A CEDEAO está a mostrar as suas verdadeiras caraterísticas. É uma organização sem estratégia, sem rumo, sem coerência na sua atuação. Está longe daquilo que foi o objetivo da sua criação.
DW África: E o Parlamento da Guiné-Bissau também ainda não se pronunciou sobre o envio desta força de estabilização. Não acha que a Assembleia Nacional Popular (ANP) tem uma palavra a dizer sobre a presença de uma força estrangeira no país?
FM: Tem uma palavra a dizer, mas infelizmente foi publicada a agenda de trabalho da próxima sessão parlamentar e este tema - apesar de estar a ser reclamado pela população e por vários setores - não consta da ordem do dia.
Há uma agenda de certos políticos e há uma agenda da população. A CEDEAO já esteve aqui duas vezes e não deixou boa memória. Esteve depois da guerra civil de 1998 e, na sua presença, foram assaltados o Palácio do Governo e as instituições do poder. Aconteceu o mesmo em 2020, quando até saiu de uma forma envergonhada. Ainda assim, teve [agora] o descaramento de vir desta forma.
Para mim, e para muita gente, não se trata de uma força da CEDEAO. Aqui estamos perante as forças do presidente Macky Sall, do Senegal, e de Muhammadu Buhari, da Nigéria, que foram buscar a legitimidade e a "capa" da CEDEAO para tentar "proteger" um amigo [embora não se tenha dado] sinal de que as nossas Forças Armadas não estejam em condições de cumprir com as ordens do poder.
DW África: A União para a Mudança, por exemplo, suspeita que o objetivo desta missão seja ajudar a implementar a proposta de alteração da Constituição de Sissoco Embaló, que dará mais poderes ao Presidente. Concorda com esta suspeita?
FM: Não só. Há uma agenda que tem a cumplicidade desses dois presidentes - Muhammadu Buhari e Macky Sall - que tem a ver não só com a implementação da Constituição como também com a exploração dos recursos naturais.
Há uma contestação, uma crise de legitimidade, tanto no Supremo Tribunal como na Comissão Nacional de Eleições, e um ambiente gerador de eventual revolta. Então, como forma de intimidar ou de criar terror, haverá uma força que vai controlar as nossas forças. A CEDEAO não vai ter as suas instalações, não vai servir como uma força de proteção ou de interposição. Vai estar a controlar as nossas Forças Armadas. Vão estar juntos, mas a controlar as nossas Forças Armadas.
DW África: Na sua opinião, o que acha que a CEDEAO deveria fazer em vez de enviar esta força para a Guiné-Bissau?
FM: A CEDEAO deve, primeiro, propor que seja cumprido o que está na Constituição. Deve manter os princípios do Estado de Direito democrático e cumprir o que está tanto na sua carta, como nos protocolos adicionais.
Na Guiné-Bissau não há respeito pelas instituições, pelo princípio da separação dos poderes. Não há respeito pelos Direitos Humanos. O que a CEDEAO devia fazer era adotar o seu princípio democrático e encorajar a que as pessoas fossem pela via democrática, pela via dos procedimentos legais, de princípios, de paz e de diálogo.
A CEDEAO desprezou a sociedade civil, desprezou os partidos da oposição e simplesmente está ao serviço do poder. Em fevereiro, a Liga Guineense dos Direitos Humanos enviou uma carta detalhada [sobre o "clima de terror" na Guiné-Bissau] e [a CEDEAO] nem se dignou a enviar um representante para falar com as organizações. Nós sabemos que, durante esses dois anos, o Governo tem estado a pagar salários, a fazer despesas, recorrendo a dívidas e à emissão de bilhetes de tesouro, que não têm controlo do Parlamento. A própria CEDEAO sabe que o país não tem condições de pagar. Mas as dívidas, quando estão a ser emitidas nessas circunstâncias, deviam ter algum controlo.
A CEDEAO é cúmplice da atual situação que se está a viver. A própria CEDEAO não esconde o desprezo ao povo da Guiné.
Madalena Sampaio | Deutsche Welle
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