domingo, 24 de abril de 2022

Hoje eleitores franceses vão votar de rastos para escolher Macron, o mal menor

Hoje há eleições presidenciais em França. É a segunda volta entre Macron e Marine Le Pen, a fascista lá do burgo – assim uma “coisa” em algo semelhante a André Ventura em Portugal, salvo ainda a pequenez deste último. 

Diz-se que Mácron será vencedor se o eleitorado de esquerda – que votou à esquerda na primeira volta – votar em Macron. Pierre Larousse, um amigo, comentou há pouco que está a caminhar para a secção eleitoral (embaixada de França em Lisboa) quase de rastos porque vai ter de engolir um mamute só para “evitar que a fascista Le Pen vá ocupar o Eliseu na presidência da República de França”. Salienta que “não é isto que quero mas os franceses mesmo de esquerda quase já não existem, devido à inexistência de candidatos que efetivamente defendam os valores de esquerda. Esses já não existem.” Pobre amigo. Pobres franceses que andam como baratas tontas a depositar votos para neoliberais fascizantes ou até mesmo autênticos fascistas, racistas e xenófobos. Nesyas referências últimas até nos atravessa nas visões um tal André Ventura, do Chega, em Portugal.

A seguir deixamos uma peça do Diário de Notícias sobre o tema. Em França, se os eleitores não “engolirem o mamute (Macron)" estarão ainda muito mais tramados e a União Europeia também, porque Le Pen não hesitaria no seu prometido “brexit”. Até parece que os cidadãos do mundo trocaram o lugar do cu pelo da cabeça. "Merde idéalismes obligent et nous sommes pris en otage” -diz o pobre Pierre e tantos outros franceses. (PG)

Eleitorado à esquerda decisivo na luta entre Macron e Le Pen

Quase 50 milhões de franceses vão hoje às urnas para escolher o próximo inquilino do Eliseu numa repetição da segunda volta de 2017.

De um lado está o presidente, de 44 anos, à procura da reeleição, cinco anos após ter vencido com o apoio de uma plataforma de centro, mas acusado de no poder ter virado à direita. Do outro, a candidata da extrema-direita, de 53 anos, que segue nas pegadas do pai, mas que, depois da derrota nas últimas presidenciais, procurou suavizar ainda mais a imagem na esperança de levar o seu partido ao poder.

As sondagens colocam-nos a 10 pontos de diferença, mas há ainda muitos indecisos e a decisão pode estar nas mão dos 7,7 milhões de eleitores que na primeira volta votaram em Jean-Luc Mélenchon, da esquerda radical. Em teoria, Emmanuel Macron está mais próximo no espectro político, mas Marine Le Pen tem conseguido atrair esse eleitorado. E o presidente pode sair prejudicado pelo voto de protesto e pela abstenção.

Emmanuel Macron: O Júpiter que desceu à Terra e quer mais cinco anos no Eliseu

Emmanuel Macron entrou no Palácio do Eliseu em 2017, após uma ascensão meteórica. Tinha 39 anos e era o mais jovem chefe de Estado francês desde Napoleão. Eleito na sua primeira ida às urnas numa plataforma de centro e liberal, aquele que tinha sido ministro da Economia e da Indústria por apenas dois anos era o novo rosto da política francesa. Queria governar como Júpiter, o rei dos deuses na mitologia romana, mas a realidade trouxe-lhe os "coletes amarelos" e uma pandemia de covid-19. Na hora de descer à Terra, nem sempre ficou bem na fotografia. Cinco anos depois, é com essa bagagem que procura a reeleição.

"Acho que cheguei ao poder com uma espécie de vitalidade que espero ainda ter, um desejo de abanar as coisas", disse numa entrevista ao canal TF1 em dezembro. Esse desejo, admitiu, foi por vezes a fonte dos seus erros, nomeadamente os comentários públicos que lhe valeram a reputação de arrogância e insensibilidade. Uma vez disse a um desempregado que só tinha que atravessar a rua para encontrar trabalho, noutra atacou um jovem por perguntar "tudo bem, Manu?" (um diminutivo de Emmanuel), exigindo ser tratado por "Sr. Presidente", e já este ano admitiu que queria "irritar" os que não se vacinaram contra a covid-19. "Acho que com alguns dos meus comentários magoei as pessoas. E acho que podemos fazer as coisas sem magoar as pessoas", afirmou.

Macron nasceu a 21 de dezembro de 1977, em Amiens, uma cidade de província. Na primeira campanha, gostava de lembrar as suas origens de classe média e trabalhadora, com uma avó professora e um avô funcionário dos caminhos de ferro. Saltava a parte de ser filho de médicos, ter andado numa escola privada e concorrido à presidência depois de ter trabalhado num banco de investimento, o Rothschild. Nesta campanha, o jornalista Jean-Baptiste Rivoire alegou, sem apresentar provas, que terá ganho uma comissão de até 10 milhões de euros num negócio entre a Pfizer e a Nestlé, em 2012, e que parte desse dinheiro poderá estar em paraísos fiscais. O banco negou pagar aos seus banqueiros no estrangeiro.

Foi ainda na escola em Amiens que conheceu a futura mulher, Brigitte. Tinha 15 anos e ela era a sua professora de Teatro, 24 anos mais velha, casada e já com três filhos. Preocupados, os pais enviaram-no para acabar o secundário em Paris. Estudou depois Filosofia na Universidade de Paris Nanterre e fez um mestrado na Science Po, antes de tirar o curso na Escola Nacional de Administração e tornar-se inspetor das Finanças. Entretanto, Brigitte divorciou-se do primeiro marido, casando com Macron em 2007. Dez anos depois, a relação entre ambos ainda era alvo de especulações, tendo Macron que vir a público negar a sua homossexualidade.

Militante socialista desde os 24 anos, Macron quis tentar a sorte nas eleições de 2007, mas viu a candidatura ser recusada. Acabaria por juntar-se à equipa de François Hollande, tornando-se vice-secretário-geral do Eliseu quando este chegou à presidência, em 2012. Dois anos depois, foi nomeado ministro da Economia. Mas a sua ambição era maior e, diante dos entraves às suas propostas, acabou por formar, em abril de 2016, o seu movimento político, o En Marche! A 30 de agosto demitiu-se do governo a pensar nas presidenciais de 2017, derrotando na segunda volta Marine Le Pen com 66% dos votos. Um mês depois, a aliança rebatizado La République en Marche conquistou uma maioria absoluta na Assembleia Nacional.

Agora, com 44 anos, Macron já não é o novo rosto da política e as suas propostas e reformas já foram postas à prova. A sua presidência, que quis quebrar as barreiras da divisão entre esquerda e direita, contribuiu para um cenário onde os partidos tradicionais praticamente desapareceram e a extrema-direita acabou legitimada. Se há cinco anos venceu ao centro, enquanto presidente foi acusado de virar mais à direita, o que não ajuda numa altura em que precisa do eleitorado de esquerda que votou em Jean-Luc Mélenchon para vencer.

A esquerda perdeu-a quase no início do mandato. Foi apelidado de "presidente dos ricos", acusado de "trair" a classe trabalhadora, depois de ter tornado mais fáceis os despedimentos e ter decidido cortar no imposto sobre as fortunas. Quando, em 2018, quis aumentar as taxas sobre combustíveis, surgiram os "coletes amarelos" e teve que ceder, prometendo um grande debate nacional. A sua defesa do aumento da idade da reforma dos 62 para os 65 anos tem servido de arma de arremesso a Le Pen.

A gestão caótica da pandemia, que inicialmente o fragilizou, acabou por lhe trazer ganhos políticos. Algumas das suas reformas tiveram que ficar na gaveta, mas outras e os apoios sociais deram resultados. O desemprego, nomeadamente entre os jovens, caiu e o crescimento económico foi o mais alto dos últimos 50 anos, à volta dos 7%. A sua imagem voltou a ser, contudo, minada quando o Senado concluiu que o governo gastou só no ano passado mil milhões de euros do erário público para pagar a consultores privados, incluindo a norte-americana McKinsey, para ajudar a gerir a pandemia. Um valor que mais do que duplicou entre 2018 e 2021.

A guerra na Ucrânia e a crise energética vieram prejudicar os bons resultados económicos, com os franceses a queixarem-se do aumento do custo de vida. A nível internacional, sempre com o sonho de uma União Europeia mais forte e mais unida, Macron aposta no tudo ou nada, procurando ter uma palavra em todas as crises, tendo sido acusado de dedicar-se mais à situação da Ucrânia do que à campanha na primeira volta.

Marine Le Pen: A "filha do diabo" que se reiventou à procura da vitória

Há oito eleições presidenciais que o apelido Le Pen está no boletim de voto em França. Jean-Marie foi o primeiro a lançar-se na corrida ao Eliseu, em 1981, surpreendendo quando, há 20 anos, passou à segunda volta. A "frente republicana" mostrou nesse 2002 toda a sua força, com esquerda e direita a unirem-se para travar a extrema-direita - Jacques Chirac ganhou com 82,2% dos votos. Dez anos passados, e depois de não ter conseguido repetir a proeza em 2007, o pai deu lugar à filha. Menos exuberante no discurso do que o progenitor, Marine acabaria por repetir a proeza dele em 2017, duplicando os votos que Jean-Marie havia alcançado, mas ainda assim longe da vitória - Emmanuel Macron ganhou com 66,1%. Agora, após um novo suavizar do discurso e diante de propostas ainda mais radicais que ajudaram a legitimar a sua candidatura, conseguirá a filha cumprir o sonho do pai com quem entretanto se desentendeu?

Marion Anne Perrine, o verdadeiro nome de Marine, nasceu em Neuilly-sur-Seine a 5 de agosto de 1968. A mais nova de três irmãs, despertou para a política na madrugada de 2 de novembro de 1976, tinha então 8 anos, quando o apartamento em que vivia com a família em Paris foi alvo de um atentado. Jean-Marie Le Pen tinha fundado e presidia à Frente Nacional desde 1972. "Foi preciso essa noite de horror para descobrir que o meu pai fazia política. E foi então, na idade das bonecas, que tomei consciência dessa coisa terrível e incompreensível para mim: o meu pai não era tratado como os outros, não éramos tratados como iguais aos outros", escreveu na sua autobiografia A contre flots (contra a maré) publicada em 2006.

A vida de Le Pen sofreu um novo abalo quando a mãe deixa a família, em 1984, e o divórcio se fez nas páginas de jornais e até da revista Playboy. Pierrette Lalanne posou para a revista como empregada doméstica, depois de o marido, que recusava pagar pensão de alimentos, ter dito que se ela precisava de dinheiro que fosse trabalhar para as limpezas. As três filhas tinham já saído em defesa do pai, depois de a mãe o acusar de antissemitismo, com Marine a só voltar a falar com ela mais de 15 anos depois.

Desde adolescente que Le Pen acompanhava o pai em campanha, filiando-se na Frente Nacional assim que fez 18 anos. A carreira política seguiu lado a lado da de advogada - estudou Direito em Paris -, tendo Marine chegado a exercer durante seis anos. Após uma tentativa falhada de entrar na Assembleia Nacional, foi eleita conselheira regional de Nord-Pas-de-Callais em 1998. Tinha 30 anos e nesse mesmo ano deu à luz a sua primeira filha, fruto do casamento com um empresário que trabalhou para o partido, Franck Chauffroy. Menos de um ano depois, nasceriam os gémeos, e em 2000 o casal já estava divorciado. Marine voltaria a casar e a divorciar-se, tendo tido outra relação de quase dez anos.

À margem da vida privada, Marine Le Pen continuava a subir dentro do partido. No documentário "O diabo da República", de 2012, Jean-Marie lembrou que "a filha do diabo pode ser muito sedutora". Depois de ter começado como conselheira legal da Frente Nacional, chegou ao conselho executivo em 2000, à vice-presidência executiva em 2007 e à presidência em 2011. Mas a relação com o pai já tinha começado a falhar.

Jean-Marie manteve-se inicialmente com o cargo de "presidente de honra" da Frente Nacional, mas as suas tiradas tornaram-se num problema - defendia que as câmaras de gás nazis eram um "detalhe" na História e que há uma "desigualdade entre as raças". Querendo limpar a imagem do partido diante dos eleitores (a "desdemonização" começou logo após a derrota nas presidenciais de 2002), a filha excluiu-o permanentemente do partido em 2015 - uma traição que ainda hoje mantém ambos distantes, apesar de Marine ter dito que se ganhar o pai estará na tomada de posse no Eliseu.

O processo de reinvenção continuou depois da derrota em 2017 frente a Macron, começando com o novo nome do partido em 2018 - Reunião Nacional. Depois de anos a defender a saída da União Europeia e do euro (apesar de ter sido eurodeputada de 2004 a 2017, sendo investigada por alegado desvio de dinheiros europeus), Le Pen surge agora como alguém que quer reformar essa união desde dentro. Apresentando-se com a imagem de "mãe de família", fez campanha centrada no custo de vida - a grande prioridade para os franceses. Entre as medidas que propõe está o corte nos impostos sobre os combustíveis e a energia ou o aumento das pensões, numa tentativa de atrair o eleitorado de esquerda.

Aos 53 anos, continua a ser a candidata que disse em 2007 que "a imigração seria o grande problema do século XXI", mas desta vez coloca a questão de outra forma, defendendo o princípio da "prioridade nacional" que colocaria os franceses à frente dos estrangeiros nas ajudas sociais. Quer também um referendo para introduzir mais controlo sobre a imigração e continua a defender a proibição do uso do véu islâmico em público, apesar de admitir que o Islão é "compatível" com a República Francesa. Em plena guerra na Ucrânia, procurou também distanciar-se do presidente russo, Vladimir Putin, por quem no passado expressou admiração.

O suavizar do discurso não agradou a todos, com Le Pen a enfrentar várias cisões no partido e traições: a própria sobrinha, Marion Maréchal, por vezes apresentada como a próxima Le Pen na corrida ao Eliseu, apoiou a candidatura do mais radical Éric Zemmour. Este acabou por roubar votos a Marine, mas também serviu para legitimar mais o seu discurso.

Susana Salvador | Diário de Notícias

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