sexta-feira, 24 de junho de 2022

Portugal | 60 EUROS PARA SOBREVIVER NO VERÃO

Joana Petiz | Diário de Notícias | opinião

"Obcecado com contas certas" e pondo-as acima do bem-estar dos portugueses; culpado pela "enorme perda de poder de compra" de funcionários públicos e pensionistas; incapaz de "reduzir a dívida pública"; "sem noção da realidade do país, quando apresenta como um sucesso da sua política, o aumento do emprego". As frases que António Costa atirou a Passos em 2015 colam-se-lhe hoje à própria pele. Agora a culpa é da guerra, claro, como antes era dos credores, a quem tivemos de recorrer para nos safar do buraco para onde uma década a viver acima das possibilidades nos atirou.

Mas há diferenças evidentes. A começar pela ajuda que agora recebemos do BCE e de Bruxelas - antes, nossos carrascos -, pela bazuca de dinheiro europeu disparada sobre a economia durante e após a pandemia e para incentivar as transformações essenciais às economias desta região, até pelo efeito (benéfico antes de se tornar catastrófico) da inflação sobre a receita fiscal.

Apesar das diferenças abissais, parece que a estratégia de Costa é precisamente a austeridade que tanto criticou a Passos Coelho. As contas certas valem mais, afinal, do que algum alívio que possa ser trazido às famílias que nos últimos quatro meses viram disparar os preços de tudo, que já fazem cortes e opções para não esgotar o orçamento a meio da segunda semana do mês, que já arriscam deixar de conseguir pagar a prestação da casa.

É importante manter os limites europeus debaixo de olho, sim, mas momentos extraordinários requerem medidas extraordinárias. E se é um facto que aumentar rendimentos gera mais inflação, também é verdade que em Portugal os preços subiram mais do que em quase todos os outros países do euro (desconta-se Letónia e Lituânia). E que os rendimentos por cá são dos mais baixos do continente. E que a carga fiscal sobre famílias e empresas portuguesas é das mais penalizadoras desta região, sendo particularmente dura sobre o trabalho. Ou seja, estamos todos a sofrer, mas os portugueses - famílias e empresas - sofrem mais do que os outros.

Nos últimos quatro meses, as mesmas compras no supermercado passaram a custar mais um euro por cada quatro gastos. Para encher um depósito de combustível, é preciso mais 30 euros - três vezes mais do que o aumento extra aprovado pelo governo de Costa para as pensões mais baixas de todas.

Só à conta dos combustíveis, a receita do Estado tem engordado, via IVA e via ISP, mesmo descontando o apoio a quem tem de andar de carro, mesmo descontando as migalhas cedidas aos transportes de pessoas e mercadorias, mesmo descontando os trocos de que prescinde no gasóleo agrícola. Ajudas que têm muito reduzidos efeitos para quem tem de se movimentar, de produzir ou de levar carga de um ponto a outro.

Mas tudo ficará bem agora que o governo abriu os cordões à bolsa e decidiu prolongar para julho e agosto o pagamento de 60 euros aos mais pobres entre os portugueses. Ou não...

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