Miguel Guedes* | Jornal de Notícias | opinião
No terramoto político de ontem em Portugal, Pedro Nuno Santos marcou-se como seguro. Só uma visão muito ingénua da política pode admitir que o processo de decisão sobre a construção de um novo aeroporto (ou de dois, no caso em concreto), já amplamente debatida com autarquias, com a ANA e outras entidades, anunciada pelo próprio ministro em "prime time" televisivo, possa ter sido omitido a António Costa e a outros membros do Governo. É muito difícil acreditar no acto de contrição do ministro das Infraestruturas quando tudo soa a tacticismo e sobrevivência. O desconforto é evidente.
Quando os portugueses entregaram uma maioria absoluta a
António Costa, não pensaram na instabilidade que iriam criar na luta interna
pela sucessão no PS. É absolutamente incompreensível que uma precipitação ou
excesso de voluntarismo de Pedro Nuno Santos comprometa as suas ambições em
liderar o Partido Socialista mas é totalmente entendível que António Costa o
queira manter por perto, diminuído. A guerra civil irá acalmar dentro do
partido. A desnecessidade de consensualizar a decisão com o PSD de Luís Montenegro,
que já, no início de Junho, registara a "confissão de incompetência"
de António Costa por procurar esses mesmos consensos, foi devidamente
assinalada por Pedro Nuno Santos antes da revogação do despacho. Há um PS que
acha que não precisa do PSD para nada, mas há um primeiro-ministro que não
hesitará em simular negociações, mesmo quando o futuro líder da oposição delas
se distancia e a solução a propor já aparece em envelope lacrado. Marcelo
Rebelo de Sousa percebeu a gravidade da situação e não falou até o facto
consumado. Apanhado de surpresa pelo inusitado, conteve-se, esperando para
perceber que só lhe restava unir os laços. No limite, poderá ser ele mesmo a
consensualizar com António Costa aquilo que Montenegro não quer pela sua nova
lógica de oposição. No momento
Um Governo em "flight mode". Este espectáculo de assincronismo, com António Costa a cuidar das ambições europeias e os potenciais candidatos à sucessão em roda livre, não pode permitir a vitória do esquecimento perante o caos e o desastre que se anuncia para o SNS. Para além da enorme gravidade e calibre da proposta, feita despacho revogado. A dimensão megalómana de construir dois aeroportos, aniquilando um já existente e sem debater com seriedade o plano ambiental e uma nova travessia sobre o Tejo, é completamente incompreensível e um desrespeito aterrador por um país assimétrico que já deixou de ter duas velocidades, para escolher andar parado.
O AUTOR ESCREVE SEGUNDO A ANTIGA ORTOGRAFIA
*Músico e jurista
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